O CRIME DA PRAÇA DA GRAÇA
Elmar Carvalho
Em minha temporada carnavalesca parnaibana, mais precisamente
anteontem, fui visitar o poeta Alcenor Rodrigues Candeira Filho. Logo ao
chegar, tive a satisfação de encontrar a professora Rossana Silva, sua vizinha,
que ia chegando a sua residência. Antes de entrar na casa do bardo, conversei
rapidamente com ela, aproveitando a oportunidade para lhe fornecer o endereço
do blog onde este diário vem sendo publicado.
Alcenor e Rossana, pelos comentários que ouço e em minha
opinião pessoal, são dois dos maiores professores de Literatura, e talvez o
sejam porque têm prazer e alegria em lecionar essa disciplina, porque são
leitores compulsivos de obras literárias.
Minha amizade com o Alcenor data do final da década de
setenta. Cheguei para morar em Parnaíba em junho de 1975, pois nesse ano meu
pai veio chefiar a ECT nesse município. Em agosto desse ano, fui assumir meu
cargo de monitor postal nessa empresa, em Teresina, em virtude de curso no
Recife, em que fui aprovado. Mas logo retornei, pois obtive êxito no vestibular
para o curso de Administração de Empresas, na UFPI, que então só era ministrado
em Parnaíba.
Através do Paulo de Athayde Couto, filho do saudoso mestre,
tradutor e intelectual Lima Couto, que era meu colega de turma, travei
conhecimento com o poeta. Meus colegas dos Correios, um dia, creio que em 77,
sabedores de que eu era poeta, me chamaram, eufóricos, para ver o Alcenor, que
fora postar ou receber alguma correspondência.
Meu retraimento, me impediu de conhecê-lo nesse dia. Devo
tê-lo visto à distância. Corria a lenda de que ele se formara em Direito para
reabrir o processo contra os algozes de seu pai, trucidado em plena Praça da
Graça, no dia dedicado a essa padroeira, por volta das cinco horas da tarde,
quase no horário da saída da procissão.
Por causa da chamada “chacina da Praça da Graça” a tradição
foi quebrada, e nesse 11 de outubro de 1959, domingo, não houve procissão.
Alcenor Candeira, pai do poeta, foi abatido praticamente no momento em que o
sineiro tocava o dobre final do chamamento dos fiéis para o préstito católico,
quando ele se encontrava a menos de cinquenta metros da Catedral, levando pela
mão a filha caçula, Tânia, mulher do meu amigo e compadre Canindé Correia,
então com onze anos de idade.
Durante os mais de trinta anos de nossa amizade tive esse
caso rumoroso como um tabu, e sempre mantivemos o mais completo silêncio sobre
essa tragédia, mesmo nas várias ocasiões festivas, em que conversamos
descontraidamente, em meio a goles de cerveja. Nas incontáveis ocasiões em que
saí com a Tânia e o Canindé, cunhado e amigo do poeta, jamais tocamos nesse
assunto. Somente muitos anos depois, quando Alcenor, talvez até como forma de
catarse, escreveu o poema Passando em Revista, é que me senti mais à vontade
para ferir esse caso.
No ano passado, quando o episódio trágico completou cinquenta
anos, o escritor, posto que o bardo é também um exímio prosador, publicou o
livro O Crime da Praça da Graça, que alcançou inusitada vendagem e repercussão.
A obra esclarece os fatos, pois Alcenor, com a honestidade e a sinceridade que
lhe são características, e já diminuída a comoção pelo decurso do tempo,
calcado em peças do processo, narra os fatos de forma clara e objetiva. A obra
transcreve trechos dos autos e alguns textos sobre o homicídio.
Às páginas 51/52 do livro, encontra-se a crônica Por Quem os
Sinos Dobram, da lavra de José Leitão Matos, publicada em 1961, da qual
transcrevo esta passagem: “Três homens e uma mulher espreitaram a passagem do
Secretário da Prefeitura, Alcenor Rodrigues Candeira, a quem trucidaram da
maneira mais cruel. Jamacy e os Clodoveus fizeram a fuzilaria infernal,
enquanto Veudacy rasgava, à faca, logo após, o corpo franzino de Alcenor”. As
pessoas citadas eram os advogados e professores Clodoveu Cavalcante e seu filho,
de mesmo nome, a mulher do primeiro, Jamacy, e o outro filho do casal, Veudacy,
portanto, pais e filhos.
Conta a lenda que Jamacy, mulher enérgica, de temperamento
muito forte, por causa de um desentendimento com Alcenor, insuflava o marido
contra seu desafeto tocando na vitrola música de Ataulfo Alves e Mário Lago,
que dizia, em suas belas letra e melodia: “Covarde sei que me podem chamar /
Porque não calo no peito essa dor...” Suponho que esse incitamento não tenha
ocorrido desse modo, uma vez que Alcenor a ele não se refere em seu livro.
O velho professor Clodoveu foi absolvido. Clodoveu Filho e
sua mãe, Jamacy, nunca foram julgados. Veudacy foi condenado a seis anos de
prisão. Alcenor, em seu livro, relata que Jamacy atirou contra seu pai quando
este se encontrava de costas para a família, que se encontrava em um jipe,
perto da esquina em que ele dobrou, já nas proximidades da Catedral de N. S.
das Graças, vindo de sua casa, que ficava a apenas um quarteirão.
No corpo tombado foram encontradas as marcas de nove tiros de
revólver, cortes de faca ou punhal e hematomas de coronhadas. Tinha Alcenor 45
anos de idade. Deixou quatro órfãos menores e a viúva, professora Maria de
Lourdes Castelo Branco Candeira. O poeta era aluno dos Clodoveus, pai e filho,
e na semana anterior ao crime lhes assistira as aulas. Não procurei informações
sobre a situação atual da família Cavalcante.
Sei que Alcenor Candeira Filho, sempre galgando posições e
conquistando seu espaço, através do estudo e do trabalho, tornou-se procurador
federal, exercendo a chefia de Previdência Social em Parnaíba por vários anos,
professor da Universidade Federal do Piauí, e mestre de Literatura na rede
particular, precisamente na Unidade Escolar Alcenor Candeira (Colégio Cobrão).
Seu pai deu nome à rua na qual ficava a sua residência.
Hoje, o bardo é o secretário de Educação do Município de Parnaíba. Mas, sobretudo, é o intelectual, escritor e poeta, que todos admiramos e respeitamos, e que ocupa uma cadeira na Academia Piauiense de Letras, mercê de sua competência e dedicação ininterrupta às letras.
18 de fevereiro de 2010
História intrigante e entremeada de mistérios, mas narrada com a maestria de sempre.
ResponderExcluirUma história muito triste e que deve ter pesado muito sobre os ombros do poeta Alcenor durante toda a sua vida. Uma narrativa desapaixonada, mas muito bem conduzida por você, mestre, a ponto de causar certo estupor a quem a lê agora, já decorrido tanto tempo do seu acontecimento. E ainda mais por ter restado quase impune.
ResponderExcluirFico comovido com as excelentes palavras do professor Marcelino e do escritor Araújo.
ResponderExcluirCreio que esse crime foi muito marcante, tendo em vista o tamanho da cidade na época, com uma absoluta tranquilidade,típica de uma cidade pacata. Ainda mais se formos observar que o homicídio ocorreu com o uso de arma de fogo, que até há pouco tempo não era tão comum. Triste episódio, onde participaram todos os membros de uma família! Belo texto de um triste recordação!
ResponderExcluirElmar Carvalho, desde da minha adolescência em Parnaíba já se ouvia falar desse crime. Minha prima Maria das Graças, disse-me, por volta dos seus 17 anos de idade, quando trabalhara de babá na casa dos ricos na Rua Grande (atual Avenida Presidente Vargas) que no dia do assassinato foi uma comoção muito grande na cidade, em especial, no centro da cidade onde ela trabalhara. Houve uma verdadeira caçada aos criminosos na época, como ela era uma adolescente pouco se interessou pelo fato. De certo que sabia que se tratava de gente importante da Parnaíba. Agora com a sua escrita, entendi um pouco mais o que aconteceu, pois não tive a oportunidade de ler o livro escrito pelo filho da vítima e escritor/poeta Alcenor Candeira Filho. Minha prima não está mais aqui nessa dimensão entre nós para comentar comigo essa história. Ela faleceu em dezembro do ano passado.
ResponderExcluirAbraços,
Everardo Oliveira-Parnaibano