Carlos Rubem
Idealizado por Dagoberto Carvalho Júnior, o Instituto Histórico de Oeiras — IHO — foi criado no dia 06.01.1972. Raimundo da Costa Machado, Possidônio Queiroz, José Expedito Rêgo, Monsenhor Leopoldo Portela, Padre David Ângelo Leal, Desembargador Antônio Santana, Professora Alina Ferraz, dentre outros, foram os seus membros fundadores. No dia 24 de Janeiro daquele ano, foi solenemente instalada aludida instituição cultural.
Frangote, de tudo tomei conhecimento, inclusive através do jornal “O Cometa”, que circulou de 1971 a 1976. Importante mensário.
Passei, desde então, assistir às suas instrutivas sessões solenes. A começar pelas substanciosas conferências havida durante as celebrações do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972), no pátio interno da Escola Normal.
Nos seus albores, destaco três iniciativas forjadas no seu seio que tiveram reconhecimento público: a restauração da Casa da Pólvora, a adoção dos símbolos municipais (Bandeira, Brasão e Hino - Lei nº 900, de 30.10.1972) durante a gestão do prefeito Juarez Tapety e a instituição do dia da emancipação política de Oeiras — 26 de dezembro — em face da Lei nº 1.135, de 22.08.1979, sancionada por Waldemar Freitas, alcaide.
No próximo ano (2022), será comemorado o seu cinquentenário, condignamente. A atual Diretoria já se mobiliza no planejamento desta efeméride. Necessidade há do engajamento de todos seus sócios, apoio do setor público e privado. Não temos tempo a perder.
Fui levado ao IHO pelas mãos do seu citado idealizador, em 1981. Tornei-me Presidente deste Sodalício por dois mandatos consecutivos (2000 a 2003). Experiência exitosa, modéstia inclusa.
A sua Revista é uma publicação respeitável. A primeira edição — especial — versou sobre o centenário de nascimento do Sr. Dagoberto Ferreira de Carvalho (1876 - 1951), que foi Promotor Público de Oeiras por mais de 20 anos. Militou, também, na advocacia aqui e nas cidades vizinhas. Cumpriu-se vasta programação. Muitos oradores. Laudatórios discursos.
Com efeito, o General Abimael Carvalho, filho do homenageado, desejava que o Dr. Costa Machado, amigo de infância, fosse o orador quando da aposição do retrato seu pai na sede do IHO.
Acontece que, com a saúde abalada, Dr. Machado declinou do convite. Possidônio Queiroz, Presidente à época do IHO, no dia 14.07.1976, invocando Ruy Barbosa, escreveu-lhe uma carta para “fazer um apelo, um veemente, um dramático apelo para que o caro amigo não deixe de aceitar a alta incumbência de dizer a oração no ato da aposição do retrato do Major Dagoberto Carvalho na sede do Instituto Histórico de Oeiras.”
Alquebrado, no mesmo dia e de forma manuscrita, respondeu-lhe: “Como bom cristão que sempre tem sido, Você saberá compreender o meu tormento que tentei explicar acima, e desculpar caridosamente a descortesia e ingratidão, ou seja, a impossibilidade de mudança de resolução deste seu amigo e admirador
Raimundo da Costa Machado.”
Essas missivas revelam a grandeza humana desses dois literatos que muito contribuíram para o engrandecimento moral de Oeiras.
X - X - X - X - X
Oeiras, 14 de junho de 1976
Caríssimo Confrade
Compadre Machado
Nesta Cidade
Caríssimo
Alguns homens de pensamento acham que devemos, para obtenção das cousas, ser indormidos; que devamos insistir, persistir e não desistir. Parece, que noutras palavras, é esse também o pensamento do Apóstolo das Gentes.
Ontem, pouco depois das dez do dia, tivemos, o caro compadre, o Dr. Dagoberto e eu, uma conversa, na qual lhe fizemos, ao caríssimo Costa Machado, um apelo, um veemente, um dramático apelo para que o caro amigo não deixe de aceitar a alta incumbência de dizer a oração no ato da aposição do retrato do Major Dagoberto Carvalho na sede do Instituto Histórico de Oeiras.
Agora, rogando-lhe confiante, um pouco de atenção, e indulgência, quero voltar ao assunto. E o faço alinhando aqui, algumas razões, para as quais peço meditação.
Depois que o caro Compadre foi para casa, fiquei a pensar na cousa, algo ressabiado, muito pesaroso, porque a sua recusa vem alterar, ressentidamente, os planos de um ilustre e caro filho de nossa terra, a quem todos queremos, respeitamos, veneramos.
O general Abimael Carvalho quando escolheu a pessoa do caro compadre para proferir algumas palavras, no ato da aposição de retrato do seu ilustre pai (dele), o fez baseado em antiga amizade do velho companheiro de folguedos infantis, na amizade de cidadãos, cujas idades se bitolam quase pela mesma medida, e que, por isso mesmo, foram partícipes dos mesmos folguedos, foram aos mesmos banhos, passearam satisfeitos pelas mesmas ruas e arredores da velha Oeiras, nos seus carneiros possantes, etc.
Isso levou o nosso emitente conterrâneo a escolher o caríssimo Costa Machado, sem ocorrer, nunca, não era mesmo possível, ao nosso Caixas, a possibilidade de uma recusa por mais delicada que seja, a não ser se se tratasse de moléstia grave.
Pensei em tudo isso. À noite, antes da missa do nosso saudoso e sempre lembrado Ribamar Matos, estive com o nosso preclaro Diretor Dr. José Expedito, a quem expus tudo e a quem disse que voltaria à sua presença.
Depois da missa estive em cada do Des. Santana e conversei com a Professora Alina e com o nosso caro amigo Dagoberto, mais tarde estive com o Des. Santana, a quem achei muito abatido, com a atitude do caro Costa Machado.
Antes de conversar com o Dr. Expedito, Professora Alina, Dagoberto e com o Des. Santana, havia deliberado bater à porta do caro amigo para pedir-lhe uma cousa: que fosse VOCÊ quem desse ao General a notícia de sua recusa. Pensei que não teria muita coragem de fazê-lo, face à confiança com que o mesmo General indicou o seu nome. O General Abimael talvez nem acreditasse em tal notícia dada por outrem que não o caríssimo Costa Machado.
Bem. Dizia, estive com Dagoberto, e este deu-me a notícia pesarosa de que o Des. Santana quando soube da sua recusa, – da recusa do amigo –, teve o estado de saúde agravado, e ficou sem poder falar algum tempo.
Mais tarde, como disse atrás, estive com o Desembargador. Fomos encontrá-lo em casa do irmão “Seu Né”, pensativo, triste. Acertei com ele e Dagoberto que iria fazer ainda um apelo a VOCÊ, e hoje a gente teria uma notícia, talvez alvissareira.
Na conversa com a Professora Alina e Dagoberto (peço-lhe atentar nisso) discutimos uma cousa: VOCÊ aceitaria que seu nome figurasse no programa, por várias razões, que bem as surpreende pelo que não há mister discuti-las ou explaná-las aqui. Se no dia, por qualquer motivo não pudesse comparecer, então algum companheiro, dizendo da razão justa do seu não comparecimento, pronunciará algumas palavras no ato, para o qual estão convidadas poucas pessoas, de vez que não se trata de sessão solene. O que desejaríamos era que o seu nome não deixasse de figurar no programa.
Certamente não precisa um pronunciamento longo, em que poderia cansar-se, algumas palavras, a que agradecerá, em nome da família, o Dr. José Luiz, e teremos, realizado uma bela programação do nosso Instituto Histórico.
Fica ai mais uma vez, o apelo. Medite. Não será o pronunciamento que lhe pedimos em nome do Instituo, o seu canto de cisne. Você bem sabe. Ainda este ano terá de fazer, pelo menos, mais um, e talvez logo no próximo mês de julho.
Encerro esta carta com as seguintes palavras do Companheiro DANTAS, em 1879, a RUY BARBOSA. “Ruy, faze um dos teus milagres”. Tratava-se de responder a uma terrível interpelação do formidável SILVEIRA MARTINS. Ruy estava convalescendo de grave moléstia. Demos a palavra ao Des. Homero Pires:
“Ruy convalescia do tifo, ainda com um cáustico aberto no fígado, quando Conselheiro Dantas lhe exigiu que aceitasse a perigosa incumbência de responder a Silveira Martins. A célebre frase: ‘Ruy, faze um dos teus milagres’, esbarrava, porém, desta vez em dois escolhos: uma impossibilidade material, pela enfermidade, e uma impossibilidade moral, porque no íntimo Ruy estava desgostoso com a orientação de Sinimbu, não podendo atacar Silveira Martins em pontos em que estava no íntimo de acordo com ele.
Dantas colocou a questão no terreno da confiança partidária. Ruy teve de obedecer. Declarou, porém ao seu chefe que não entraria o merecimento do debate. Limitar-se-ia a mostrar que Silveira Martins com ou sem razão, não podia de modo algum atacar um gabinete de que saíra na véspera.”
Ao prezado Machado, em nome do Instituto Histórico de Oeiras, faço o apelo, tamando de empréstimo as palavras do Conselheiro Dantas, faço o apelo que em dias do Império, fez aquele grande político à Águia de Haia. Ali, foi um apelo em nome de uma entidade partidária. Aqui é um apelo em nome de uma entidade cultural, que você ajudou a criar e que conduziu galhardamente durante os três (3) primeiros anos de vida.
Não há cogitar de mais argumentos. Resta-nos, somente esperar, e esperar confiantemente.
Do confrade, amigo, admirador
Possidônio Queiroz
X - X - X - X - X
Oeiras, 14 de junho de 1976
Caro compadre Possidônio
Nesta cidade,
Acabo de receber uma gentilíssima carta.
Desde dezembro de 1974,venho falando a você a aos demais companheiros do IHO (cuja antiga amizade esta patriótica instituição avivou e robusteceu), venho falando do meu crescente mau estado de saúde. Dizia então que por isso, não me sentia estar presidindo bem, como desejava, o dito Instituto.
Vocês, excessivamente generosos, procuraram reanimar-me, e me persuadiram a prolongar o mandato por mais um ano. Submeti-me, mas ao novo período minha saúde continuou piorando, malgrado e incessante esforço próprio para me iludir, assim me mostrando imensamente forte aos confrades.
Em dezembro último consegui que nem mais de meu nome se cogitasse na eleição. E dessa maneira pude programar e realizar com todo prazer, em 24 de Janeiro, a posse solene dos que haviam sido eleitos a 26 de dezembro – certo de que estava segurando ou consolidado um futuro promissor ao passo arrojado que havíamos dado em 1972.
Supunha eu que, liberto das preocupações diretas, alcançasse a desejada melhora de saúde. Talvez meus nervos... Infelizmente ao contrario, acelerou-se meu mal-estar. Não foi possível por em dia minhas atividades particulares. Qualquer emoção me rebate. Já não controlo o plano de trabalho...
Tenho evitado sair à rua para que os conhecidos não percebam a minha frequente irritabilidade. E, o pior, irritabilidade desarrozoada. Aqui mesmo em casa já não sou o homem compreensivo que fingia não notar pequenas faltas, ou era demasiado paciente na hora de aconselhar.
Recentemente, quando Zé Barbosa veio me buscar para a justa homenagem que os Poderes Legislativo e Executivo Municipais prestavam a Você – veio em nome de Dr. Pedro; eu ignorava que seria naquela noite, eu não estava passando bem. Prontamente, porém, fiquei alegre; preparei-me às pressas e fui. Mas, lá chegando não me tardou a prostração...
(Lembre-se de que, na Secretaria, você me falara dias antes. Sem ter ouvido bem, compreendi que era a respeito da solenidade, e que a data seria marcada posteriormente. Pus lá e "ciente" e trouxe o ofício, mas só depois; lendo-o, verifiquei que ele versava sobre outro assunto).
Na solenidade, quando franqueada a palavra, embora deveras emocionado, tentei cumprir o dever da amizade. Considerando temerário qualquer improviso, recitei um soneto e só no fim percebi que fora declamado, não o minuto antes, digo, o que dois minutos antes escolhera, mas outro. Estive prostrado toda a semana seguinte. Noutra ocasião parecida, minha presença seria ainda pior.
É esta a minha penosa situação. Estou me externando, como sempre, com toda a sinceridade. Dizem-me raramente se acredita na plena sinceridade do próximo. É doloroso isto. E eu lhe digo, Compadre, que sempre falei assim, e como seu amigo sempre procurei respeitar sua vontade. Agora, deploravelmente, me sinto esgotado. Embora o nosso Dr. Expedito assevere que continua normal meu coração já não possuo coragem para nada, já sou um homem de nada. Quase de tudo sem ânimo para ler e escrever, mesmo as cartas de meus bons amigos e parentes. Já passo dias sem me aproximar da Pioneira, da Voz do Brasil e da Voz da América que tanto me vinha divertindo.
Eu não saberia dizer a outra pessoa o que estou garatujando nestas linhas, num enorme esforço.
Meu desejo é um desejo covarde como eu consideraria outrora – isto é, evitar a tortura de assumir qualquer espécie de compromisso mental, e assim aguarda a hora do eterno descanso, que já não haverá tardar muito.
Esquisito: tudo isso foi chegando sem que eu tenha mágoa ou ódio de alguém ou que tenha deixado de venerar e amar as pessoas a quem sempre amei e respeitei. Creio em Deus e continuo bendizendo a vida, e recebo ou curto os pesares com meios eficazes de aperfeiçoamento espiritual.
Como bom cristão que sempre tem sido, Você saberá compreender o meu tormento no que tentei explicar acima, e desculpar caridosamente a descortesia e ingratidão, ou seja, a impossibilidade de mudança de resolução deste seu amigo e admirador
Raimundo da Costa Machado
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