APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DA LITERATURA CAMPOMAIORENSE
Elmar Carvalho
1
Convidado por Vagner Ribeiro e Clêuma Magalhães, ambos
professores do Instituto Federal do Piauí – IFPI, unidade de Campo Maior, para
proferir palestra sobre a literatura campomaiorense*, na modalidade virtual,
através do projeto Andança Literária, concebido pelo Conselho Estadual de
Cultura, me preparei com afinco para essa honrosa, porém delicada e um tanto
difícil missão. Passei a ruminar ideias extraídas de leituras e conhecimentos
que já tinha e empreendi novas pesquisas e releituras.
No início esclareci que minha palestra seria parte no
improviso e parte seguiria um breve texto escrito, tudo seguindo um esquema que
denominei de Apontamentos para a História da Literatura Campomaiorense.
Acrescentei que essa história ainda estava por ser escrita, mas que eu gostaria
que surgisse um “sangue novo” que a escrevesse, podendo seguir o meu esquema,
fazendo ou não algumas modificações e adaptações. Farei abaixo uma breve
reconstituição do que disse.
Logo adverti que meu tempo disponível não permitiria que eu
citasse todos os escritores e poetas de nosso município, pelo que faria
referência aos mais conhecidos, aos que mais produziram e mais se dedicaram ao
mister da literatura, sobretudo tomando esta palavra em sentido estrito, ou
seja, poesia, romance, conto, crônica, memórias etc., mas que também me referiria
aos nossos historiadores. Aduzi que a muitos escritores e poetas
campomaiorenses já me referira em textos meus avulsos, como crônicas,
discursos, prefácios e apresentações.
Fiz uma rápida digressão histórica, em que remontei a
Bernardo de Carvalho e à sua quase mítica Fazenda Bitorocara (depois Santo
Antônio) e à construção da primeira igreja de Santo Antônio do Surubim. Disse
que os historiadores Reginaldo Miranda e Valdemir Miranda, com a descoberta de
novos documentos, provaram que o notável historiador campomaiorense Pe. Cláudio
Melo estava certo ao dizer que a fazenda Bitorocara, constante da Descrição do
Sertão Piauí, relatório do padre Miguel de Carvalho, ficava mesmo na
confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo; e que, portanto, se estendia ao
centro histórico de Campo Maior.
Transcrevi os seguintes trechos do padre Cláudio Melo, para
demonstrar que essa comunidade, ainda na primeira metade do século XVIII,
desfrutava de certo fausto, certa prosperidade, o que levava a crer que seu
índice de alfabetização deveria ser acima da média do território que viria a
ser a capitania do Piauí:
“Campo Maior em todo o seu passado
sempre foi uma porção privilegiada da terra e do povo piauienses. Comandou os
fatos mais importantes de nossa história.”
“Por época da criação da Vila em 1762
o Surubim já tinha uma estruturação urbana das mais atraentes de todo o Piauí.
Duas praças em frente e atrás da Matriz, quadro completo de moradias junto às
duas praças, uma pequena quadra de casas chamada rua dos negros na baixa que
fica à direita da matriz e um esboço de rua da praça do Pelourinho em direção
do Rio Surubim.” [Os Primórdios de Nossa História]
Entre as mais importantes figuras históricas mencionei: Mandu
Ladino, principal líder do Levante Geral dos Índios, uma espécie de
confederação. Disse que era possível que ele tivesse nascido em território de
Campo Maior, inclusive porque existe, em Alto Longá, um lugar chamado Ladino, e
que ele perlongou o vale do Longá em suas atividades; Ten. Simplício José da
Silva, herói da Batalha do Jenipapo, que perseguiu Fidié, em verdadeira
guerra de guerrilha. Monsenhor Chaves lhe tinha profunda admiração; Lívio
Lopes Castelo Branco, jornalista e uma das lideranças da Balaiada, até
divergir dos rumos que o movimento estava tomando; e Raimundo Gomes Vieira
Jutaí (dito o Cara Preta), estopim e um dos principais líderes da Balaiada.
Em outro texto de minha autoria, defendi que deveria ser erguido em Campo Maior
um monumento às três raças, com a colocação das estátuas representando Bernardo
de Carvalho, Mandu Ladino e Raimundo Gomes Vieira Jutaí.
Demonstrei que Campo Maior já fora muito importante, com as
suas ricas fazendas de gado bovino, tendo o seu apogeu no extrativismo
econômico, mormente no auge da cera de carnaúba. Falei que várias cidades do
seu entorno dependiam de seu comércio, de sua prestação de serviços,
principalmente nos campos da educação e da saúde. Mas que, com a decadência do
extrativismo, da pecuária, da transformação de vários de seus povoados em
cidades e municípios, da construção de estradas asfaltadas ligando essas
cidades a Teresina, a nossa cidade começara a entrar em decadência. Aproveitei
para denunciar a demolição de vários solares e sobrados antigos e da vetusta e
colonial igreja de Santo Antônio do Surubim, construída por Bernardo de
Carvalho a pedido do padre Tomé de Carvalho, um dos fundadores de Oeiras, bem
como dos casarões da Zona Planetária, o mais lindo nome do mundo de uma zona
meretrícia, que cantei no meu épico A Zona Planetária, cujos versos iniciais
transcrevo:
Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
Nesse cortejo de destruição foi literalmente tombada a
Fazenda Tombador, em cuja sede se refugiara Fidié, após a Batalha do Jenipapo,
conforme relatei em versos:
“Quando literalmente tombaram
a Fazenda Tombador,
nenhuma voz se levantou,
nem mesmo a voz de alguém,
que clamasse no deserto, clamou.
E a Fazenda Tombador
literalmente tombou.”
2
Após dizer que toda lista de nomes é um tanto arbitrária, e
que sempre alguém poderia alegar que teria havido inclusão ou exclusão
indevida, falei que procurara levar em conta a qualidade e a dedicação dos
literatos que mencionaria. Mesmo nas histórias literárias e nas antologias o
espaço destinado aos escritores são maiores ou menores, conforme a importância
que o historiador ou antologista atribui a cada um. De todos ou quase todos os
literatos e historiadores a que me referi, fiz breves comentários biobibliográficos
ou críticos, que não constam nesta síntese, com raríssimas exceções:
Entre os escritores mais antigos e já falecidos citei: Lívio
Lopes Castelo Branco, Miguel Borges Leal Castelo Branco, Valdivino Tito de
Oliveira (jurista, poeta, jornalista, orador), Moisés Eulálio (professor,
rábula, promotor de justiça, poeta e compositor de hinos), Marion Saraiva
Monteiro (professora, historiadora, poetisa, pintora e contista), Briolanja
Oliveira (professora, poetisa, pintora, autora de Diários [inéditos], colaboradora
de Estímulo e Almanaque da Parnaíba) e Joel Oliveira (historiador, jornalista, autor de Diários e de O Piauí no Congresso
Nacional). De todos eles, neste ou em outro momento, assinalei pontos biobibliográficos,
que entendi relevantes.
Referi os campomaiorense que foram patronos ou ocupantes de
cadeiras da Academia Piauiense de
Letras: Antônio Borges Leal Castelo Branco (15), Miguel de Sousa Borges Leal
Castelo Branco (22), Antônio Bona, desembargador e jurista (30), Cláudio
Pacheco Brasil (30), Monsenhor Chaves (23), Raimundo Nonato Monteiro de Santana
(32), Pe. Cláudio Melo (34) e Elmar Carvalho (10).
Tracei um rápido histórico do Jornal A Luta, fundado em 19/nov./1967
por Raimundo Antunes Ribeiro (Totó Ribeiro), e extinto em 30/set./1979. Era impresso no tamanho tabloide.
Sua impressora era rudimentar, movida a um pedal (e não a eletricidade), que
movimentava a prancha com a composição tipográfica. As ilustrações ou
fotografias eram feitas por meio de clichês. Mencionei o importante livro “A
Luta: falando de trocas e meios”, de José Ribamar de Sena Rosa, fundamentado em
sua dissertação de mestrado sobre esse jornal. Nele foram publicados matérias
informativas, notícias sociais, crônicas memorialísticas e outros textos,
inclusive contos e poemas. Foi nele que, aos 16 anos, vi publicados meus
primeiros trabalhos literários (contos e crônicas).
Dentre outros, citei os seguintes colaboradores: Antônio
Andrade Filho (Irmão Turuka), Octacílio Eulálio, José Francisco Bona, Mário da
Costa Araújo, Marion Saraiva, Totó Ribeiro, José Miranda (que chegou a acolher
o jornal em sua residência), José Miranda Filho (romancista e compositor
musical), Cleusy Miranda, Áurea Paz, Teresinha Nascimento, Mons. Mateus Cortez
Rufino, Celso Barros Coelho, Ernâni Napoleão, Zeferino Alves Neto (ZAN), Sílvia
Melo, Miguel Carvalho (meu pai) e Elmar Carvalho.
Disse que nos anos 1971/1972 existiu o Jornal Mural do
Colégio Estadual, que tinha entre seus colabores Celson Luis Jorge de Oliveira
e João de Deus Netto. O Netto sempre foi muito inteligente, mestre da pintura,
do desenho e da música. Nele eram estampadas charges, notícias sociais e
outras, além de matérias humorísticas. Era feito por alunos do terceiro ou
quarto ano ginasial.
Fiz um breve relato histórico da Academia Campomaiorense de
Artes e Letras – ACALE, fundada em 26/11/2003. Discorri brevemente sobre seus
fundadores e sócios. Disse que ela já publicara livros e revista, além de ter
promovido eventos, como solenidades de posse, lançamento de livros etc. Em razão
de meu tema, dei ênfase aos literatos, dos quais citei os seguintes: João Alves
Filho, Domingos José de Carvalho, Antônio Manoel Gayoso e Almendra Castelo Branco
Filho, Helano Lopes, Raimundo José Cardoso de Brito, Corinto Araújo Filho,
Anfrísio Lobão Castelo Branco (Abelheiras – 300 anos de história e Mandu
Ladino), João Borges Caminha, Avelina Rosa, Ana Maria Cunha, Lisete Napoleão,
Rosa Ribeiro de Carvalho, Cunha Neto (Nossa Terra, Nossa Gente, contendo os
poemas Saudade da Saudade, Carro Velho e Lagoa do Corró), Sílvia Melo
(Recordações e Educação e Educadores de Campo Maior), Heitor Castelo Branco (Paz
e Guerra na Terra dos Carnaubais), Marcos Teodorico Vasconcelos (Raízes de
Pedra), Joaquim Pereira de Oliveira (Estrelas no Chão), José Omar, Antônio
Araújo Loiola, Valdeci Cavalcante, Edilson Costa Araújo, Francisco Cardoso,
José Cardoso da Silva Neto (Zé Didor), Maria de Jesus Andrade e Moacir Ximenes.
Anfrísio, Heitor e eu somos membros da APL. Como uma homenagem ao poeta Cunha
Neto, pessoa da amizade de meu pai e minha, recitei as duas seguintes estrofes
de seu poema Saudade da Saudade:
“Foi tirada da saudade
Esta saudade maldita
Que no peito palpita
Com tamanha crueldade
Vejam que grande tolice
Do tempo da meninice
Ainda sinto saudade.
(...)
Tenho saudade de tudo
Saudade até da saudade
Digam que seja maldade
Mas sou um sentimental
Sou caboclo do sertão
E não troco o meu sertão
Por qualquer um cabedal...”
Não pertencentes à ACALE, referi os seguintes escritores e
poetas nascidos em plagas campomaiorenses: Antônio Francisco dos Santos (Cão
Dentro), Olavo Pereira da Silva Filho (Carnaúba, pedra e barro na capitania de
São José do Piauhy e Varandas de São Luís – Gradis e azulejos), José Ataide
Torres Filho, Afonso Lima, Halan Silva (Pedra Negra, Cambacica, Auto do Cônego,
Auto da Revolta e As formas incompletas: apontamentos para uma biografia [de H.
Dobal]), Luiz Filho de Oliveira, Jonas Braga (O ególatra), Ricardo Reis e José
Francisco Marques (cronista, compositor, cantor e instrumentista).
Abordei os seguintes grandes historiadores, já falecidos:
Mons. Chaves, Pe. Cláudio Melo, Joel Oliveira, R. N. Monteiro de Santana,
Cláudio Pacheco e Reginaldo Gonçalves de Lima. Chaves e Melo são considerados
dois dos mais importantes historiadores do Piauí. Pacheco escreveu a mais
importante obra sobre a história do Banco do Brasil. Santana é um dos mais
notáveis historiadores da economia piauiense. E Reginaldo Gonçalves de Lima
escreveu a mais completa obra sobre a História de Campo Maior – Geração Campo
Maior: anotações para uma enciclopédia – que ainda discorre sobre a história
social do município, seu potencial turístico e econômico, suas manifestações
culturais e artísticas, seus costumes, sua religiosidade, seu esporte, mormente
o futebol, sua literatura e suas figuras históricas, populares e folclóricas.
Evidenciei que o Curso de História da Universidade Estadual
do Piauí (Campus de Campo Maior) certamente contribuíra e iria continuar
contribuindo para o surgimento de novos pesquisadores. Entre os mais destacados
historiadores da atualidade mencionei os seguintes: João Alves Filho, Áurea
Paz, Natália Oliveira (Da Matriz vejo a cidade: a igreja de Santo Antônio em
Campo Maior), Celson Chaves, Assis Lima, Marcus Paixão e Heldo Paz (A vila de
Campo Maior e os Paz – 1838/1960).
Acrescentei que em nossa cidade nasceu Francisco Pereira da
Silva, um dos maiores teatrólogos do Brasil. Informei que uma de suas obras
fora transformada em filme e que uma de suas peças ficara em cartaz na Alemanha
por cinco ou mais anos. Lamentei que uma lei estadual, determinando a criação
do seu memorial, nunca fora posta em execução. Disse ainda que Abdias Silva,
além de excelente cronista, era um dos maiores jornalista do Brasil, tanto que
era o substituto de Carlos Castello Branco, na célebre e festejada Coluna do
Castello.
3
Na parte escrita, ou seja, em que não fiz nenhum tipo de
improviso, teci as seguintes explicações e considerações, tentando elucidar e
justificar certos aspectos da literatura feita em Campo Maior, em sua já longa
história:
De forma objetiva, sem nenhum tipo de valoração ou
subjetivismo, nota-se que a literatura campomaiorense, apesar do expressivo
número de autores e do seu valor estético, tem pequena presença nas antologias
piauienses e nos livros de história da literatura feita no Piauí. Basta uma
rápida consulta a esses livros.
Na Antologia de Sonetos Piauienses, de Félix Aires, salvo
engano, aparecem apenas três autores de Campo Maior: Antônio Francisco dos
Santos (Cão Dentro), Moisés Eulálio e Valdivino Tito. Na Antologia da APL
obviamente constam os oitos campomaiorenses que pertencem a essa entidade
literária, como não poderia deixar de ser.
Contudo, em outras antologias e em livros sobre a história da
literatura piauiense a presença de autores nascidos em Campo Maior é muito
acanhada, não há negar, por fatores diversos que tentarei justificar, através
de ilações minhas.
A explicação que encontro para que muitos de nossos autores
do passado não sejam citados nos livros de história da Literatura Piauiense e
não tenham seus textos inseridos em antologias é que muitos não foram literatos
em sentido estrito, isto é, não escreveram romances, poemas, crônicas, contos,
memórias etc., e também porque não enfeixaram suas produções em livros, mas
apenas as publicaram em jornais, almanaques ou revistas, ou mesmo as tenham
deixado inéditas.
Muitos exerceram a literatura de forma bissexta, de modo
muito esporádico. Alguns até publicaram livros, porém de caráter técnico, como
relatórios, exposições e obras jurídicas, que com o avançar do tempo perderam o
interesse, inclusive pelas revogações de leis e pelo surgimento de novas
jurisprudências e doutrinas.
Muitos escritores e poetas campomaiorenses não tiveram
condição financeira ou apoio do poder público para a publicação de seus
escritos. Alguns poucos até publicaram, mas muitas vezes em pequena tiragem,
com circulação restrita ou mesmo apenas local. Quase a totalidade desses poucos
livros publicados não foram reeditados, seja por falta de zelo dos órgãos
públicos competentes ou pela falta de interesse e/ou condição financeira de
descendentes e familiares.
Por outro lado, as matérias literárias publicadas em
periódicos, pelos mesmos motivos já expostos, nunca foram recolhidas em livros,
para serem conhecidas pelas gerações atuais, e assim ficaram praticamente
perdidas em arquivos esconsos e de difícil acesso.
Talvez a digitalização desses livros e dessas peças
literárias avulsas possibilitem o ressurgimento e a revisão de algum desses
autores, e, dessa forma, a literatura feita em Campo Maior possa ser conhecida
e apreciada em toda a sua pujança e esplendor.
De capital importância seria a publicação de uma antologia,
em prosa e verso, com a presença de autores do passado e do presente, no
formato impresso e virtual, para que a Literatura de Campo Maior possa ser
melhor fruída e seus autores mais bem divulgados, ainda mais agora em que a
Literatura Piauiense voltará a ser ensinada em nossas escolas e faculdades.
(*) A palestra se encontra no You Tube, na parte inicial da postagem intitulada Andança Literária em Campo Maior.
Campo Maior e Piracuruca possuem um potencial cultural para um projeto de Roteirizacao Cultural Turístico. Certa vez fui contratada pelo Sebrae para desenvolver um roteiro histórico de passagem, já que o fluxo entre Teresina à Parnaíba é muito intenso durante as férias. Fiz um levantamento em Piracuruca, mas tudo dependia da gestão política da época, e ficou sem retorno.
ResponderExcluir