BURROS NÃO SE REPRODUZEM, MAS A ASNICE, SIM
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Será que terão mais sorte do que seus irmãos tortos,
os jumentos? Estes, há muito vêm sendo desprezados pelos donos, que preferiram
substituí-los por motocicletas, senão mais possantes, bem mais rápidas, que vão
aonde aqueles iam e sujam menos. Tanto é assim, que os coitadinhos dos jegues
estão quase virando manjar na China. Comenta-se que a terra dos mandarins, há
muito, tem potencial para importar até um milhão deles por ano, para torná-los
fina iguaria. Lá naqueles praianos municípios mafrensinos, fala-se que os
bichinhos andariam desaparecendo na mesma proporção em que as dunas aparecem; não,
não estão sendo por elas soterrados, talvez estejam sendo transformados em
kituts ou embutidos.
Há algum tempo, um candidato a prefeito – teria,
acaso, querido ser irônico como aquele ex-governador que, enquanto titular do
executivo, levou os burros e seus donos para pastarem e visitarem o palácio de
onde despachava ordens e decisões governamentais? – ou um tipo quixotesco como
outro governante, trabalhador incansável, projetista e criador de obras
oníricas, como barca do sal, asfalto branco, praia artificial e que tais? -,
como promessa de campanha – da qual sairia vitorioso -, segundo ele, visando
minimizar o maltrato aos animais domésticos, inclusive, os que atuam como força
motriz ou instrumento de trabalho, informou a seus pretensos eleitores,
críticos e adversários, que pretenderia retirá-los da frente das carroças, que
passariam a ser motorizadas. Haja burro desempregado e carroceiro sem ganha-pão,
se houvesse a proposta sido levada a sério, o que não ocorreu, para o bem dos envolvidos
e tristeza dos humoristas. Talvez não tenha conseguido incutir na cabeça de
correligionários e simpatizantes o modus operandi que utilizaria para fornecer
crédito àqueles profissionais - os donos das carroças, desde sempre, indivíduos
que apenas sobrevivem com o que conseguem graças a seus burros -, a fim de que adquirissem
os motores, se é que motores haveria em quantidade suficiente para substituir tantos
animais. Fato é que a proposta malogrou; entrou pelo bico do pinto, saiu pelo
bico do pato e virou “estória de trancoso”.
A proposta que ora temos, envolvendo carroceiro e seu
companheiro animal, diverge um pouco daquela: não se pensa em substituir o
defasado, cansado e, por pouco, não superado quase ex-motor de carroça, o velho
e bom burro - Um parêntese: desde tempos imemoriais, portanto, antes da
invenção da roda de metal e pneumáticos de borracha, carros de tração animal
com rodas feitas de tronco de madeira ou material semelhante, já percorriam
campos e cidades, puxados por boi, jegue e, enfim, pelo mais famoso, entre nós,
o burro; o que pretende o autor da proposta de projeto legislativo é que o
poder público subsidie, com o dinheiro do contribuinte, obviamente, o descanso
semanal do sacrificado animal e, claro, também o do seu patrão. A ideia, que, a
propósito, parece não ter caído no gosto do dono da carroça e, por conseguinte,
não causará surpresa se, como sua precursora, de repente, vier a ser descartada,
até onde se sabe, resume-se no seguinte: um valor bem pequeno, na verdade, um
óbolo, como, vez ou outra, costumam demagógicos gestores público dispensar aos
cidadãos mais desafortunados, seria pago aos carroceiros em troca dos merecidos
e ociosos descansos semanais que deveriam dar a seus animais de trabalho. O
bicho pegou a partir do momento em que se meteram a discutir o valor da
pecúnia, e como ou quando a mesma seria disponibilizada.
Como daqui a pouco virão novas eleições, quem sabe,
até lá, um iluminado empreendedor crie a associação profissional dos burros
carroceiros e lance alguns dos filiados à carreira política. Burro para
governador, deputado, senador e até presidente da república, já imaginaram? No
passado, houve macaco candidato – e muito bem votado - papagaio, jabuti. Os
asnos, muares ou mulas, como conhecemos nossos incansáveis burros, sabidamente,
extremamente produtivos e trabalhadores, certamente, fariam a alegria de seus
prepostos. Com bons conselheiros e marqueteiros, poderiam ir longe.
Não poderia encerrar este arrazoado sem questionar
minha condição de ser inteligente: é que só consigo pensar em hipocrisia ou
demagogia sempre que vejo, leio ou escuto certas idiossincrasias, como essa,
advinda de alguém instruído, informado, dando a entender que um trabalhador
comum desempenhar sua atividade profissional nos finais de semana, como fazem
médicos, dentistas, policiais, seguranças, garçons, garis dentre outras
categorias, senão por diletantismo, por necessidade, ainda assim, não os estaria
sujeitando a maus tratos; todavia, para fazer o mesmo, um carroceiro,
precisaria, sim, maltratar seu animal de trabalho.
Quer dizer, se tal proposta viesse a ser aprovada, legalmente, quem garantiria que outros beneméritos da vida animal não se metessem a pensar em estabelecer um tempo de trabalho que, uma vez cumprido, asseguraria aos burros de carroça direito à inatividade, à aposentadoria, obviamente, remunerada? Menos mau que não haveria a fonte pagadora de se preocupar com a possibilidade de pensão aos herdeiros: é que burro não se reproduz; mas asnice, sim.
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