GLÓRIA TARDIA
José Expedito Rêgo (1928 - 2000)
O egoísmo, a inveja e o preconceito da maioria das pessoas fazem com que indivíduos de valor não sejam reconhecidos em vida e alguns somente consagrados vários anos depois da morte. João Sebastião Bach, um dos maiores gênios musicais de todos os tempos, pioneiro de novas técnicas em composição, teve sua maravilhosa obra divulgada e consagrada mais de cem anos depois de seu falecimento, quando foi retirado do fundo do baú esquecido entre trastes, a partitura da PAIXÃO SEGUNDO O EVANGÉLHO DE SÃO MATHEUS, considerada pelos entendidos uma das músicas mais lindas e perfeitas jamais compostas. Deve-se a Mozart, outro gênio da arte de Orfeu, o reconhecimento e propagação da música de Bach mundo afora.
Um quadro de Vicente Van Gogh vale atualmente milhões de dólares. E esse grande pintor holandês teve uma vida atormentada pela pobreza e pela doença, sem que ninguém desse valor às coisas que pintava, tidas na época como loucas e incompreensíveis. É verdade que era neurótico e os quadros refletiam seu estado mental. Mas Freud já mostrou que a obra de arte é a sublimação de impulsos inconscientes recalcados. O fato de artista ser doido e cortar a própria orelha num acesso loucura, não tira o valor do que pinta ou compõe. Van Gogh fez pior ainda, deu um tiro no peito, vindo a falecer em 29 de julho de 1890.
Aqui no Brasil vimos a grande escritora goiana, Ana Linz dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida por CORA CORALINA, lutar contra o ineditismo durante anos. Tinha mais de setenta quando conseguiu que publicassem seu primeiro livro, POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS, hoje consagrado. Agora, depois de sua morte, a Universidade de Goiás pensa em fundar a Casa de Cora Coralina, um museu que relembre a vida e a obra da poetisa que descobriu a beleza na simplicidade.
Na apresentação da 4ª. edição de seu primeiro livro ela diz: “Vai, meu pequeno livro. Que possa sobreviver à autora e ter a glória de ser lido por gerações que hão de vir, de gerações que vão nascer.”
É claro que será lida para sempre quem escreve com tanto realismo e sentimento a morte de um boi:
“Eu vi
o boi deitado, exausto.
Pisado. Mijado. Sujo. Escoiceado.
Quartos escolhidos. Juntas dobradas. Cabo inerte.
Olhar vidrado.
Vencido.
Encosta na paleta a cabeçorra enorme.
Começa a morrer.
Morre devagar... dias, noites...
Arrancos inúteis.
Mugido parco. Lúgubre...
Estrebuchar de agonia."
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