A CIDADELA DO ESPÍRITO
José Expedito Rêgo (1928 - 2000)
As más línguas costumam parolar que determinados escritores têm por hábito rasgar seda entre si, toda vez que uma obra nova é publicada. Não é bem assim. Não me considero crítico literário, mas a leitura de certos livros me deixa uma coceira mental, um impulso irreprimível de comentário. Assim aconteceu com A CIDADELA DO ESPÍRITO – um estudo sobre a arte sacra na obra de Eça de Queiroz – de autoria do oeirense, DAGOBERTO CARVALHO JR.
Desde que li Notre-Dame de Paris, ainda no tempo de ginásio, achei simplesmente paulificante a descrição interminável que Victor Hugo faz da esplêndida catedral. Há quem diga que se, por desgraça, o famoso templo, algum dia, ruísse e por terra, poderia ser refeito, igualzinho, graças ao relato do mestre francês. Pode ser. Mais que eu achei maçante, achei. Fiquei, então, prevenido contra estudos descritivos de igrejas ou qualquer outra estrutura arquitetônica.
Comecei a mudar de opinião ao conhecer a dissertação de mestrado de Dagoberto, A TALHA DE RETÁBULOS NO PIAUÍ. E agora confesso que tive um prazer muito grande na leitura do novo ensaio eciano. O autor conhece a fundo a arquitetura sacra de Portugal, em todos os tempos, e, sem cansar o leitor, vai mostrando, com muita erudição, sem contudo abusar de terminologia técnica, toda a beleza desse maravilhoso mundo artístico. Descobrindo que a obra de Eça encontra-se impregnada pela arte sacra portuguesa, com edificações dum estilo jesuítico... imagens de Cristo cheio de chagas roxas sobre a sua cruz de pau-preto... fachada de igrejas negra e muda... a castíssima Senhora do Patrocínio e todas suas estrelas... E não só Portugal, também Nápoles de rugas escuras, quentes, com retábulos da Virgem, e cheirando a mulher... Mais ainda o Cairo e suas quatrocentas mesquitas, onde floresce a graça do minarete esbelto.
Quando um crítico não aprecia o modo de escrever de algum autor, mas deseja elogiá-lo, por cortesia ou bajulação, diz que o tal fulano tem um estilo escorreito e enxuto. Enxuto coisa nenhuma! Secura não à boa qualidade na arte literária. O estilo de Dagoberto é rorejado de tenro orvalho, a humidade necessária para aumentar o brilho a graça das observações oportunas e inteligentes.
Todo o contexto do livro é um vasto campo perolado, do mais fino lavor da prata antiga, onde se incrustam, realçando como pedras preciosas, as gemas coloridas das citações ecianas.
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