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VIDA IN VITRO
Elmar Carvalho
andavas pelas ruas de
outrora
à procura de ti mesmo
que se encontrava aos
pedaços
bêbedo nos bares
aos trancos e barrancos
se arrastando pelos
lupanares
tortuosamente andando
pelas ruas tortas.
eras infante e juntavas varapaus
no sonho maluco de tocares
a lua cheia que depressa
minguava.
levantaste a túnica da
freira
não por sacrilégio ou
impudência
mas apenas para constatares
se
ela possuía duas pernas e
dois
seios como todas as mulheres.
eras infante e quebraste
o joão teimoso, não por maldade,
mas para descobrir o
misterioso
mecanismo de sua teimosia.
não, não eras doido, não
eras lúcido,
eras apenas um translúcido
menino.
escondias tuas vergonhas,
tuas frustrações
e teus medos, como todos
nós, como se esconde
lixo debaixo dos tapetes de
luxo.
recordas a menina que te
golpeou
com um não, apenas por
capricho e maldade.
recordas a garota que te
amava
e que desdenhavas talvez
por capricho ou vingança.
eras poeta e criaste uma quimérica
amada imortal e imaginária,
inatingível
em sua torre de marfim.
ela talvez também te
quisesse,
mas a fizeste intocável.
enternecido, lembras-te da
empregadinha
que bolinaste, e que por
bondade, amor
ou desejo não te denunciou,
com alaridos
e gritos histéricos,
estridentes.
eras jovem e te julgavas alexandre
e bonaparte, senão mesmo um
deus,
e já seguravas a coroa de
ouro e o cetro
e já acariciava tua fronte
o louro triunfal.
tudo eram conquistas e tudo
conquistavas.
eras jovem e eras frágil
e te sentias impotente quando
contornavas as calçadas de
ouro dos hotéis de luxo
ou quando avistavas a
menina rica e bela,
com as suas jóias e as suas
roupas elegantes e caras.
não sabias de seus desejos,
de suas ânsias
e doenças e de seus nojos de
si mesma.
talvez ela te amasse, mas o
teu orgulho
a fez afastar-se de ti.
ainda procuras o trolley
que desviaste
com teus amigos, para uma
aventura sem fim
até que os trilhos
paralelos
se tocassem no infinito.
ainda assistes a filmes de
bang-bang
só para sentires a emoção
do tempo
em que teu pai te levava
para o reino
encantado e mágico do velho
cine nazaré
que em tua memória ainda
remanesce.
sentes ainda o cheiro
dolorido e pisado dos alecrins
da paixão do senhor morto,
do horto das agonias,
das chagas vermelhas, maceradas,
da túnica
roxa, brilhante, da coroa de
espinhos, dos cravos,
não os de cheiro, mas os de
ferro, que ferem...
eras infante, então, e como
sofreste
e como fizeste sofrer tua
mãe, madona,
mater dolorosa e pietá
sofrida e consoladora
de teus sofrimentos de
então e de sempre.
buscas os cheiros embriagantes
dos
brancos lírios de são josé
e das rosas vermelhas
do velho caramanchão de
antigamente.
os lírios se transformaram
em cálices
de amargura e nas rosas
depositas
o orvalho de tuas lágrimas
pelo mundo
perdido num canto escuro do
passado
e que não restauras, nem mesmo
no
terceiro ou no sétimo dia
de tua agonia.
a magia da música e dos
álbuns de família
te trazem alegres e
pungentes recordações
e te fazem viajar no tempo
e no espaço
do turbilhão das mesmas
emoções.
solitário, no silêncio da
noite
pensas nos segredos, vícios
e incestos existentes na
cidade,
nas feridas abertas pelos
mais acerbos sarcasmos
e nos espasmos de brutais e
homéricos orgasmos.
passeias pelos becos e
logradouros do passado
e eles te conduzem ao tempo
que buscas em desespero.
perdido e cego caminhaste
pelos labirintos,
teseu e minotauro de teu
próprio destino,
nos confrontos que travaste
com teu ego.
esfinge e édipo, não
decifraste
teu enigma, e em vão buscaste
as pitonisas de outrora e de
agora,
e inutilmente foste teu próprio
ilusionista.
mas eras sábio e em algum
momento
te reencontraste, ao te
tornares
mais simples e mais puro,
malgrado as pedras, os
lodos e as quedas.
em vão tapaste os ouvidos
para as palavras que te
feriram
e inutilmente selaste a boca
para as palavras ferinas
que proferiste.
não, não eras anjo nem
demônio,
eras apenas um deus de
barro
e teu sonho secreto e
sagrado
foi sempre a transcendência
mas decepado de uma das asas
foste sempre um anjo torto coxo
capenga no a esmo voo sem
pontaria.
procuras ainda a pedra azul
de tua serra encardida.
esperas ainda no pátio da
igreja
o ônibus que sempre vinha
demasiado cedo ou demasiado
tarde.
lamentas a namoradinha
jovem e esbelta
que envelheceu e engordou.
debalde procuras a sua cintura
para ternamente lhe pousares
as mãos.
antes não mais a tivesses
revisto.
ainda buscas a namoradinha
de uma noite de verão – ou
inverno,
não importa, nada mais
importa agora.
caim arrependido, pedes perdão:
já não suportas o onisciente
olho do senhor.
sofres pesadelo pela matemática
que te torturava, e acordas
suado, ansioso.
procuras o batente da
calçada de outrora
onde te cevaste nos lábios
e nos seios da amada.
reencontraste a mulher que
te amou
sem esperança, em face de
tua indiferença,
e chafurdaste em sua carnívora
rosa de carne,
talvez para feri-la
novamente,
agora com a fúria e com o
tédio.
devias estar feliz.
realizaste teus sonhos
de consumo. tens uma boa
mulher.
teus filhos são maravilhosos.
tens
um bom emprego. no entanto ainda
não estás saciado. esperas um
milagre
mas não sabes se os
milagres ainda existem.
estás perdido: tens inveja
de deus
e não sabes se é virtude ou
pecado.
equilibrista, caminhas com
teus malabares
e alforjes por uma corda-bamba
estendida
de menos infinito a mais infinito.
caminhas para a morte.
muitos dos teus amigos já
são mortos
e te procuram com
insistência.
infante, desejavas crescer
para realizares os teus
sonhos de conquista.
adulto, queres retornar ao
país de tua infância.
não sabes o que queres.
queres apenas morrer, esquecer.
queres viver eternamente
num mundo
que não é o teu.
contudo, tens esperança
e agora teces um poema sem
fim
com o novelo infinito de
tua vida
que se desdobra do nada ao
tudo...
Belíssimo poema, vou gravá-lo
ResponderExcluirÉ bom, mas comprimento. É ver o que Edgar Allan Poe dizer sobre o poema e o grande poema.
ResponderExcluirBela poesia!
ResponderExcluirParabéns. Vasto, profundo e belo.
ResponderExcluirPARABÉNS, POETA!!!
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