sexta-feira, 4 de agosto de 2023

ENTRE FARISEUS E SAMARITANOS




                         

ENTRE FARISEUS E SAMARITANOS  


Elmar Carvalho

       

No domingo, degustando um chopp no shopping, conversei com o Paulo Nunes, que foi meu colega no curso de Direito da velha UFPI. Estávamos no simpático Botequim, de propriedade de sua mulher. Ele é aposentado como agente da Polícia Federal e é o chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública.

Contou-me ele um caso curioso, que bem mostra como às vezes pode ser difícil o mister de um julgador, e que demonstra que cada caso é um caso, como diz o jargão jurídico, com as peculiaridades e nuanças próprias. Ele fazia parte de uma blitz da PF, quando os agentes abordaram um caminhoneiro gaúcho. Encontraram no veículo uma razoável quantidade de maconha.

O motorista, desesperado, chorou e soluçou copiosamente, e terminou confessando que fizera o transporte da droga porque estava desesperado, com quatro prestações do carro em atraso, e que já havia sido notificado de que a empresa concessionária iria entrar com uma ação de busca e apreensão. Mostrou o carnê com as prestações atrasadas e o aviso de que a ação seria ajuizada. Foi-lhe permitido fazer as ligações de praxe para os seus familiares.

Posteriormente, no cárcere, contou para o Paulo que a sua mãe iria vender o pequeno imóvel agrícola, do qual seus parentes tiravam o sustento, para contratar um advogado do Rio Grande do Sul. Condoeu-se Paulo com o drama que se delineava, e resolveu ligar para a mãe do motorista. Pediu-lhe que tivesse paciência, e não vendesse a propriedade, pois tentaria encontrar um advogado de Teresina, que cobrasse honorários mais em conta e parcelasse o pagamento.

Contactou o César Feitosa, que aceitou a causa do caminhoneiro, que acabou sendo solto três meses após. O motorista e sua família cumpriram fielmente o acordado. Além disso, o caminhoneiro tinha a virtude da gratidão, e todos os anos, na época do Natal, liga para o seu benfeitor, ainda reconhecido pelo gesto de bondade e compreensão.

Paulo cumpriu fielmente o seu dever, mas soube compreender as vicissitudes e tragédias a que todos somos suscetíveis, na fragilidade e instabilidade da condição humana. Sem dúvida, entendeu que aquele homem não era propriamente um bandido, mas alguém que, num momento de fraqueza e de desespero, cometera um crime, do qual se arrependera amargamente.

Aposentou-se sem nunca ter sofrido uma pena disciplinar. Certamente, muitos fariseus, que se acham mais catões do que o próprio Catão, jamais fariam o gesto de solidariedade e compreensão humana que o Paulo fez, sem outro interesse senão o de mitigar o sofrimento do próximo, como se fora o samaritano da parábola de Cristo.  

1º de junho de 2010

5 comentários:

  1. ...e hoje, mais do que nunca a indiferença afastam possibilidades de empatia.

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  2. A indiferença, muitas vezes, é um mal terrível.

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  3. Indiferença, ranço, falta de empatia, maldade, petulância, egoísmo... Todos os dias desfilam nas avenidas do nosso destino, nas vilas da nossa iincompreensão.
    Wilton Porto

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  4. Senso de Solidariedade e Compaixão!... Durante a leitura do Caso, eu me transportei justamente para a parábola Cristã do "Bom Samaritano".
    Lindo Exemplo de Vida, Elmar!...

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  5. Infelizmente, o amigo Paulo Nunes de Almeida faleceu há três anos. Deus o tenha no seu Reino de Glória.

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