quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Rosas e dálias para Amália

Elmar e Fátima, ladeando a professora Amália, na festa comemorativa de seu Centenário



 

Rosas e dálias para Amália (*)

 

Elmar Carvalho

 

Soube de notícias sobre Oeiras ainda nos longes de minha infância, através de leitura no livro didático Nosso Tesouro. Mas só a conheci nos anos de 1980, através de viagens como fiscal da extinta Sunab e quando participei de Encontro de Escritores, que fiz realizar entre os anos 1988 e 1990, quando tive a honra de ser o segundo presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE/PI, em sua segunda fase, a fase de sua reativação. E sempre me encantei com a sua beleza singela, sóbria, colonial, quase uma pintura emoldurada pelos seus morros. Aliás, a sua pintura foi emoldurada, sim, através das lindas telas de Zuleica Tapety, que serviram para ilustrar o clássico livro de Dagoberto Carvalho Jr., Passeio a Oeiras, cuja sexta edição prefaciei, para gáudio meu.

Em inúmeros eventos culturais e literários de que participei na velhacap estava sempre presente o amigo Carlos Rubem. No Encontro de Escritores lá estava ele, dando apoio a seu padrinho Dr. Expedito Rêgo, que proferiu uma magnífica palestra sobre a imprensa oeirense, tendo sido ele próprio o fundador do jornal O Cometa, de cunho literário e cultural.

Em todos as vezes em que estive em Oeiras, o Carlos Rubem foi uma espécie de cicerone ou guia, e me levou a ver os principais pontos turísticos de Oeiras. Nessas oportunidades discorria sobre pontos interessantes da rica História de Oeiras, por vezes contando fatos jocosos, curiosos ou insólitos.

Numa dessas vezes me levou a uma das “verdes quintas do Mocha”, pertencente ao Hermínio, onde existia uma espécie de museu de carros velhos, na verdade uma espécie de cemitério de carcaças de antigos veículos, fincadas na areia, expostas ao sol, à chuva e ao relento, que me fizeram viajar no tempo. Quando adentramos a casa do Hermínio, para vermos as suas parafernálias e bugigangas diversas, fomos saudados por uma rumorosa revoada de morcegos, que eram as suas “aves” de estimação.  

O meu livro Noturno de Oeiras, primeira edição, um verdadeiro álbum com ilustrações de Francisco Leandro e prefácio do hoje diácono Gutemberg Rocha, foi lançado no adro da Catedral de Nossa Senhora da Vitória, lugar assaz apropriado. O Carlos Rubem foi um incentivador dessa publicação, bem como foi quem organizou esse evento literário. Fiquei emocionado, sobretudo quando ouvi a saudosa professora Rita Campos, irmã da centenária professora Amália, nossa homenageada, recitar o meu poema com tanta emoção e entusiasmo. Aqui encerro esse périplo oeirense, cheio de peripécias e deslumbramentos, e entro no que pretendo seja o mérito desta crônica, em que me repito sem tentar me repetir.

Fui à casa das irmãs Campos, pela primeira vez, levado, claro, pelo Carlos Rubem. Fui muito bem acolhido por todos. Fui tão tem acolhido, que fui convidado a participar do almoço domingueiro, na verdade um farto, variado e delicioso banquete. Aqui peço licença e abro parênteses e parágrafo para contar um fato engraçado, que aconteceu nessa já distante ocasião.

Entre as diversas iguarias, havia uma tenra carne suína assada com esmero, levemente tostada; parte dela deixei para o final de minha lenta degustação, como um corolário ou apoteose gastronômica. De soslaio, notei que a estimada amiga Rita Campos deu uma rápida e sorrateira olhada para meu prato. Fiz que não vi a furtiva espiada, e continuei mansamente a desbastar o meu volumoso prato, sem nenhuma pressa. A Rita não se conteve e terminou me pedindo um pedaço da carne que eu reservava ciosamente; sorri e lhe compartilhei, como se diz hoje, um bom pedaço. A Conceição, irmã do Carlos e minha amiga, fingiu certo aborrecimento, e “repreendeu” a tia, alegando que eu guardara o quitute exatamente para o final, como um ápice da ágape, para engendrar uma aliteração trocadilhesca. Eu e a Rita sorrimos e trocamos um olhar de pura cumplicidade. 

Todavia, devo confessar, só passei a conhecer mais a professora Amália do Espírito Santo Campos há um ano, com a proximidade de sua centúria, através de textos e crônicas, que me foram sendo enviados pelo seu dileto sobrinho Carlos Rubem, Promotor de Justiça (e de cultura, como gosto de repetir e enfatizar), inquieto e dinâmico, quase hiperativo, quando se trata de defender e divulgar a cultura, as artes, a história e a literatura de sua amada Oeiras.

Assim, em apertada síntese, posso afirmar que ela nasceu em Oeiras, no dia 10 de setembro de 1923, filha de Joel Campos e Maria de Jesus Nogueira Campos, mais conhecida pela alcunha de Bembém. Amante da cultura e das artes em geral, não posso deixar de dizer que era sobrinha de Benedito Francisco Nogueira Tapety e irmã de Gerson Campos, dois notáveis poetas de Oeiras e do Piauí, cujos vultos, ditos e gestos ainda povoam com nitidez a sua memória.

Estudou as primeiras letras, com a consequente alfabetização, na escola particular de Ana Leonor de Sousa Brito (Donana), mestra de várias gerações, prima de seu pai. Cursou o primário no Grupo Escolar “Costa Alvarenga”, recentemente inaugurado, no período de 1931 a 1935, que inicialmente funcionou no sobrado João Nepomuceno, hoje sede do Museu de Arte Sacra. Nesse colégio, após a aula de Português, em que eram feitos leitura, ditados, cópias e composições de textos, análise gramatical e sintática, segundo a longa crônica biográfica Centenário da Esperança, da autoria de Carlos Rubem e de sua irmã Amada de Cássia Campos Reis:

“Em um segundo momento, após o pequeno intervalo do recreio eram ministradas as demais disciplinas como Matemática, História, Geografia e introdução à Ciência, além de receber das professoras noções de boas maneiras e bom comportamento, entoar hinos e cânticos, decorar e recitar poesias, orientação religiosa e produção de trabalhos manuais, utilizando-se do método conhecido como “lições de coisas” que visava ativar os sentidos dos alunos para a ação, partindo do concreto para o abstrato.”

A disciplina de sua predileção era História do Brasil, sendo que sua professora utilizava para seu mister e ministério o livro Nossa Pátria. Era diretora do educandário Eva Feitosa, que foi também sua professora, juntamente com as mestras Francisca Romana de Sá e Elizabete Carvalho Sá. Concluído o primário, fez o preparatório para o implacável Exame de Admissão (ao Colégio da Irmãs, em Teresina), tendo sido seu preceptor o Juiz de Direito Pedro Amador Martins de Sá. Tendo sido aprovada, fez o ginásio no Colégio Sagrado Coração de Jesus, como interna, no período de 1937 a 1940. Em seguida, ingressou na Escola Normal Oficial, em Teresina, cujo curso pedagógico concluiu em 1944.

Em 1946, iniciou sua carreira magisterial, que encerrou no ano de 1976. Portanto, lecionou durante 30 anos. Foi professora do Grupo Escolar Armando Burlamaqui, do Ginásio Municipal Oeirense, inaugurado em 1952, a convite do padre Balduíno Barbosa de Deus, seu diretor, tendo feito parte de seu primeiro corpo docente, e da Escola Comercial “Dom Expedito Lopes”.

Na referida crônica, tomei conhecimento de que ela aperfeiçoara seus “estudos musicais quando aluna do Colégio das Irmãs”, e que se tornara violinista, mas que abandonou essa arte, nos caminhos da vida, “há muito tempo, sem motivo aparente”. Também cultivou a pintura, mas depois deixou de lado os pincéis, sem que se saiba, ao certo, os motivos. Tendo sido uma de suas disciplinas o Desenho Geométrico, inovou em suas aulas, ao utilizar, como instrumento de trabalho, “um grande par de esquadro, compasso e transferidor”.

Fica emocionada quando um ex-aluno dela se aproxima, para lhe render as devidas homenagens. Dessa forma, ficou muito comovida quando um grupo de estudantes do extinto Ginásio Municipal de Oeiras lhe entregou, assim como a outros professores, uma placa de “Honra ao Mérito”. A homenagem foi liderada por Pedro Ferrer Mendes de Freitas e Antônio Madeira Barbosa.

Afeita às artes, à cultura e ao saber, é membro do Instituto Histórico de Oeiras. Juntamente com suas irmãs Aurora, Auristela, Alice, Aldenora e Rita Campos, é uma das instituidoras da Fundação Nogueira Tapety – FNT, entidade que, sob a presidência de Carlos Rubem, tem promovido importantes eventos culturais e publicações de obras literárias, inclusive livros da autoria de Gerson Campos e Nogueira Tapety. Agora, essa entidade vem envidando esforços para restauração, conservação e revitalização da antiga sede da Fazenda Canela, onde viveu e morreu o excelso poeta Nogueira Tapety.

Não obstante tenha se aposentado em 1976, continua interessada nos assuntos relacionados com a Educação, com os seus avanços e recuos, com as novas metodologias, com as novas tecnologias empregadas na pedagogia. Também se preocupa com as noções de civismo, moral, ética e patriotismo, que possam e devam ser transmitidas aos jovens alunos. Entende que ensinar e aprender são faces de uma mesma moeda, e que só a arte e a cultura podem modelar as pessoas. Talvez por isso, leitora voraz, continua lendo com regularidade, diariamente, e comenta com pertinência e lucidez o que absorve de suas variadas leituras.

Recentemente, em Mensagem às Crianças do Brasil, de forma enfática exortou:

“Sou vocacionada a alfabetizar crianças. Abracei o meu labor como missão, um apostolado, sempre ensinando e aprendendo. É apaixonante ver a vivacidade, a evolução intelectual do alunato. // Não posso me furtar de dirigir algumas palavras às crianças nesta data em que se comemora o Bicentenário da Independência do Brasil. // Todos esperamos de vocês, crianças, que se dediquem aos estudos com afinco. A nação brasileira confia em vocês. // Lembrem-se que somente a educação, a formação espiritual, o privilégio às artes, o atendimento aos princípios patrióticos, nos conduzirão a uma sociedade justa e igualitária.”

Ao ajudar no planejamento das festividades e comemorações alusivas ao seu Centenário, declarou que, após a missa gratulatória, a ser celebrada na vetusta Catedral de Nossa Senhora da Vitória, marco imponente dos primórdios da Velha Mocha e do Piauí, por onde ainda sentimos perpassar o vulto emblemático do vigário Tomé de Carvalho, pretende usar um vestido rubro, a combinar com os sapatos de igual cor, em homenagem ao Divino Espírito Santo, de que é devota fervorosa.

Nesse momento apoteótico e festivo, gostaria que uma linda corbélia de rosas e dálias vermelhas lhe fosse entregue, como corolário de uma vida luminosa, que se dedicou a fazer e a estimular o bem, a bondade e a beleza, e que, no palmilhar de sua longa estrada, espargiu flores e rosas. 

(*) Este texto foi publicado no livro coletivo "Centenário da Esperança: Amália Campos 1923-2023", organizado por Carlos Rubem, e lançado em Oeiras, por ocasião da festa do Centenário de Amália Campos.

6 comentários:

  1. Admirável trabalho literário. Fiquei encantada e identificada !

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  2. Muito obrigado aos caros amigos comentaristas.

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  3. Parabéns pela dedicação a cultura e ao saber. Como sempre, o senhor e companheiros nessa missão nobre, resgatando a memória de grandes seres humanos.
    Como grandes seres que também são. 🙌

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  4. Obrigado, embora não mereça na íntegra suas palavras.

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