terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Por favor, entre, Menino Jesus.

Fonte: Google


Por favor, entre, Menino Jesus

 

*Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

Dizem que Freud, no “Além do Princípio do Prazer”, apresentou um conceito intrigante, embora o tenha chamado de especulativo, quando pensou sobre a inclinação na natureza de retornar ao seu estado original.

 

Uma compulsão de cada minúscula célula para reverter ao plano inanimado, um estado anterior à perturbação que originou a vida. Numa tensão que nos levaria a um relacionamento com a morte.

 

A morte nos atrai e nos afasta simultaneamente, e é sobre ela e sobre aqueles que ainda irão atravessar para a outra margem do rio que vamos falar. A morte de alguém próximo, que por mistério, ainda não morreu.

 

Com relativa lucidez, é difícil aceitá-la, mesmo que o Livro Sagrado, também, nos ensine "Do pó viemos, ao pó voltaremos".

 

Por que retornar ao pó tão cedo? Imaginemos um irmão jovem e carinhoso, vivendo na mesma vizinhança, rua ou bairro. As incessantes procissões da casa ao hospital, e do hospital à casa, chegarão ao fim devido à doença terminal.

 

Além da tensão celular, existe igualmente a das memórias e espírito (ou alma), essa parte intangível e invisível que pode se expressar, desvanecer ou transcender para outro plano. O cheiro bom de passado, cheiro de irmão, entrelaçando-se em nossas memórias.

 

Sente-se o luto antes do início do definhamento. Este luto já se manifesta na inquietação causada pela perda de nossas lembranças comuns deslembradas.

 

Você se recorda daquele dia com o estilingue? Você o esqueceu na floresta e ainda hoje rimos dessa lembrança. São memórias siamesas que, ao se afastarem, levam consigo um pedaço de nós.

 

A palavra “partir” ameniza a realidade, transpondo-nos para lugares poéticos como Pasárgada, Valhalla, Zanzibar, o Jardim do Éden, ou até mesmo a infância fraterna, como um simples regresso.

 

Alguém poderia afirmar: "Infelizmente, ele partiu num minuto devido a um infarto, e não sofreu". Essa é uma concepção que alguns indivíduos, inclusive a ciência, podem compartilhar. No entanto (e acrescento que sempre existe um "porém"), questionamos se houve tempo suficiente para despedidas ou pedidos de perdão.

 

Justa ou não, ela chegará, e nossas ações (ou omissões) serão lembradas, seja no breve velório, num texto, nos anos futuros, décadas, milênios, ou na eternidade, como anunciado pelo Cristo.

 

Sentado no banco da igreja, busco um milagre. Porquê? Porque a ciência é incapaz de iluminar tudo. Mas, já conhece a força da fé na cura, ainda bem.

 

O tranquilo padre continua misterioso e mudo na liturgia. É uma época de silêncio.

 

Dirijo-me de joelhos ao Cordeiro de Deus e suplico em silêncio: "Menino Jesus, por gentileza, visite o lar dos enfermos e traga-lhes luz.".

 

Feliz e Iluminado Natal.

 

(*) cronista e contista.

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