Por favor, entre, Menino Jesus
*Fabrício Carvalho Amorim Leite
Dizem
que Freud, no “Além do Princípio do Prazer”, apresentou um conceito intrigante,
embora o tenha chamado de especulativo, quando pensou sobre a inclinação na
natureza de retornar ao seu estado original.
Uma
compulsão de cada minúscula célula para reverter ao plano inanimado, um estado
anterior à perturbação que originou a vida. Numa tensão que nos levaria a um
relacionamento com a morte.
A morte
nos atrai e nos afasta simultaneamente, e é sobre ela e sobre aqueles que ainda
irão atravessar para a outra margem do rio que vamos falar. A morte de alguém
próximo, que por mistério, ainda não morreu.
Com
relativa lucidez, é difícil aceitá-la, mesmo que o Livro Sagrado, também, nos
ensine "Do pó viemos, ao pó voltaremos".
Por que
retornar ao pó tão cedo? Imaginemos um irmão jovem e carinhoso, vivendo na
mesma vizinhança, rua ou bairro. As incessantes procissões da casa ao hospital,
e do hospital à casa, chegarão ao fim devido à doença terminal.
Além da
tensão celular, existe igualmente a das memórias e espírito (ou alma), essa
parte intangível e invisível que pode se expressar, desvanecer ou transcender
para outro plano. O cheiro bom de passado, cheiro de irmão, entrelaçando-se em
nossas memórias.
Sente-se
o luto antes do início do definhamento. Este luto já se manifesta na
inquietação causada pela perda de nossas lembranças comuns deslembradas.
Você se
recorda daquele dia com o estilingue? Você o esqueceu na floresta e ainda hoje
rimos dessa lembrança. São memórias siamesas que, ao se afastarem, levam
consigo um pedaço de nós.
A
palavra “partir” ameniza a realidade, transpondo-nos para lugares poéticos como
Pasárgada, Valhalla, Zanzibar, o Jardim do Éden, ou até mesmo a infância
fraterna, como um simples regresso.
Alguém
poderia afirmar: "Infelizmente, ele partiu num minuto devido a um infarto,
e não sofreu". Essa é uma concepção que alguns indivíduos, inclusive a
ciência, podem compartilhar. No entanto (e acrescento que sempre existe um
"porém"), questionamos se houve tempo suficiente para despedidas ou
pedidos de perdão.
Justa
ou não, ela chegará, e nossas ações (ou omissões) serão lembradas, seja no
breve velório, num texto, nos anos futuros, décadas, milênios, ou na eternidade,
como anunciado pelo Cristo.
Sentado
no banco da igreja, busco um milagre. Porquê? Porque a ciência é incapaz de
iluminar tudo. Mas, já conhece a força da fé na cura, ainda bem.
O
tranquilo padre continua misterioso e mudo na liturgia. É uma época de
silêncio.
Dirijo-me
de joelhos ao Cordeiro de Deus e suplico em silêncio: "Menino Jesus, por
gentileza, visite o lar dos enfermos e traga-lhes luz.".
Feliz e
Iluminado Natal.
(*) cronista e contista.
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