sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Eu e a magia dos circos

 




Eu e a magia dos circos

 

Elmar Carvalho

 

Ontem, quinta-feira, dia 11/01/2024, fui assistir à noite a um espetáculo do Circo Kroner, cuja grande tenda se encontra armada nas proximidades do Teresina Shopping.

Pretendia recordar os tempos de minha meninice, em que fui levado por meu pai e minha mãe a assistir a espetáculos de circos mambembes, que aportavam em Campo Maior. Além dos circos encantados de minha infância, meu pai me levou a ver, em meus verdes anos, a exibições de filmes no reino encantado do Cine Nazareth, há muito extinto, mas que, em minha memória, ainda remanesce, como disse num de meus poemas, e a partidas de futebol no Estádio Deusdete Melo, onde se feriam acirradas pelejas, sobretudo entre o Caiçara e o Comercial, nos anos sessenta, áureo tempo do futebol campomaiorense, em que grandes craques do futebol atuaram nesses dois times.

Ao ver os artistas do Circo Kroner, em suas exímias atuações, nos limites de sua destreza, força, concentração mental e perícia, dando o melhor de si, às vezes em situação de perigo, me emocionei à beça, e não posso negar que, em alguns momentos, fiquei com os olhos marejados, porque a magia circense me fez recordar minha infância e os meus saudosos pais.   

Por tudo isso, bati palmas a valer e “de com força”, mas com discrição, com as mãos um tanto baixas. Como eu estivesse numa das cadeiras da frente, na área frontal, o palhaço achou de interagir comigo, e “reclamou”, alegando que eu estava batendo sem força e de forma acanhada. Diante disso, para que ele não “pegasse mais no meu pé”, passei a aplaudir com mais entusiasmo, mas não tanto, para ele não voltar a “inticar” comigo.

Assim, julgo oportuno transcrever abaixo um poema e uma crônica, ambos de minha autoria, do tempo em que meus pais ainda eram vivos, sobre os encantos e magia de um circo:

 

EMOÇÃO NO CIRCO

 

                         Para João Miguel e Elmara Cristina

                                                                             

Pelas mãos tenras

de meus filhos

a magia do circo me chegou.

 

Atropelado por emoção e saudade

meu coração foi atirado de

lado              a                         lado

pelas piruetas de

         capetas e palhaços

infiltrou-se nos malabares

e me trouxe meu pai e o circo

encantado de minha infância.

 

As lágrimas escorriam

e eram estrelas e vaga-lumes

que pingavam da cartola

ensopada de um mago...

 

A lembrança de meu pai

assomou da sombra do passado

suavemente sentou-se ao meu lado

 

tomou-me as mãos

as mãos de uma criança.

 

CIRCO DE SOLEIL E OS CIRCOS ENCANTADOS DE MINHA INFÂNCIA

 

Neste domingo, à tarde, no programa televisivo da Regina Cazé, o Djavan, um tipo mulato, um dos maiores artistas da música popular brasileira, disse ser filho de uma lavadeira e de um representante comercial holandês, louro dos olhos azuis. Falou que no seu registro de nascimento não consta o nome de seu pai. No programa, houve depoimento de várias outras pessoas, filhas de pais ignorados. Algumas disseram que conseguiram descobrir quem era seu pai, e que conseguiram localizar seu paradeiro. Entretanto, outras não tiveram êxito nessa busca, ou, pelo menos, não tiveram um final feliz, pela não aceitação ou má vontade do pai ou suposto pai.

 

Embora não estivesse melancólico nem entediado, resolvi assistir a um filme no Teresina Shopping. Não pude consultar no site apropriado que filme gostaria de ver, em virtude de que a provedora da internet estava sem funcionar, desde o dia anterior, o que é um abuso contra o quase indefeso consumidor. Na fila para compra do bilhete, decidi, em razão do horário e das opções, assistir à película João e Maria: Caçadores de Bruxa. No guichê, declinei o nome do filme, paguei e recebi um bilhete, que não conferi.

 

O porteiro indicou-me o número da sala. Apesar de estar um pouco antes do horário do início, verifiquei que já estava havendo exibição, com as luzes devidamente apagadas. Pensei que meu relógio poderia estar atrasado, ou que se tratasse de um trailer. Logo constatei que a moça me dera um bilhete para o filme Cirque du Soleil – outros mundos. Procurei aceitar o equívoco “numa boa”, sem queixas e sem resmungos. Talvez eu não tivesse falado suficientemente alto, ou a vendedora tivesse alguma deficiência auditiva.

 

Terminei gostando do espetáculo, exibido na telona, em 3 dimensões. De fato é um grande circo, e faz jus à fama que conquistou. Seu plantel de grandes artistas é fabuloso. É claro que eu conhecia quase todos os números. Porém, todos tinham alguma novidade,  seja no equipamento, na encenação, no vestuário, no cenário, ou nos efeitos especiais, que davam um toque de magia, como se fosse um filme de um outro filme ou o sonho de um outro sonho.

 

Uma singela história romântica permeava a fita, como se alinhavasse os diferentes quadros, na qual uma moça procurava, com um cartaz, um acrobata, que encerrou o filme com ela, numa performance coreográfica, ambos dependurados numa tira de pano, a oscilar de um lado para outro, quase como se tivessem asas. Na saída, ouvi uma jovem comentar para a amiga que esperara mais do enredo, como se não tivesse atentado para o fato de que o importante fora a exibição de números circenses, realmente de alta qualidade.

 

Alguns trapézios eram muito grandes, tinham movimento próprio, mecânico, aparência inusitada, e comportavam vários artistas, que executavam verdadeiras coreografias aéreas. O jogo de luz transformou uma banheira semiesférica, vertiginosamente alta, numa lua. Uma linda moça executou caprichosos e ousados movimentos dentro e fora da água, equilibrando-se perigosamente na borda da banheira, sem medo da queda no abismo. Quando a jovem mergulhou na espumante água, como se fosse um golfinho, ou melhor, uma sereia, um jogo de luz, quase como se fora um feitiço, fez o cenário tomar o aspecto de transparente fundo de mar.

 

Logo vários acrobatas, dependurados em fios, vestindo roupas que simulavam animais marinhos, como águas-vivas, medusas, polvos, camarões ou similares, passaram a se movimentar nesse cenário encantador e encantado. Em outro momento, foram apresentadas belas acrobacias e coreografias, com os artistas se movimentando, para um lado e para outro ou para cima e para baixo, dependurados em tiras de tecido, em notável bailado aéreo, em que interagiam entre si.

 

Seria uma tarefa quase impossível e inglória tentar descrever todos os números do Cirque du Soleil. Só fiz as referências acima, para que o leitor tenha uma pequena ideia do espetáculo. É importante dizer que a companhia tem engenhosas engenhocas, como o velho velocípede, que se movia sozinho; picadeiros altíssimos, que se assemelhavam a despenhadeiros; plataformas para trapezistas e acrobatas, que simulavam montanhas e abismos. A rede de proteção era uma enorme piscina, para a qual os artistas pulavam, muitas vezes fazendo pulutricas. Os cenários e as luzes executavam efeitos especiais, em que o cenário parecia obra de um poderoso feiticeiro.

 

Ao ver os prodigiosos números do Cirque du Soleil, recordei os pequeninos circos encantados de minha infância, que aportavam na pequenina Campo Maior dos anos 60. Lembrei-me dos palhaços, dos trapezistas, dos malabaristas, dos contorcionistas, dos acrobatas, dos mágicos, que povoaram a minha meninice de magia e encantos. Lembrei-me dos palhaços, encarapitados em magras e altíssimas pernas de pau, a puxar um magote de moleques, que lhes respondiam a cantilena, como se fora um responso algo sacrílego, por vezes fescenino. Alguns desses circos mambembes tinham a lona cheia de buracos e remendos, e outros sequer tinham cobertura, de tão pobres que eram. Mas todos tinham o sortilégio e a riqueza de uma arte soberba, que magnetizava adultos e crianças.

 

Já adulto, ao levar meus filhos a um espetáculo circense, chorei de emoção e saudade. Emocionava-me ver os artistas, na quase exaustão de sua força, focados, se esmerarem em suas apresentações, tão belas e tão efêmeras. Emoção porque no passado eu tinha meus pais para cuidarem de mim, e agora era eu que cuidava de meus filhos. A saudade, como disse o poeta, jorrou-me em ondas... A saudade do tempo em que meu pai me levava para o circo e para o estádio, para o ludismo do trapézio e dos malabares e do encanto do futebol. Devo confessar que chorei. Minha mulher notou, e comentou esse fato. Tomado ainda de viva emoção, escrevi o poema Emoção no Circo.

 

Ao assistir ao filme do solar Circo de Soleil, tive rápido momento de nostalgia pela minha infância irremediavelmente perdida. Mas me alegrei, logo em seguida, porque tive pais bons e presentes, que me deram pão e circo, advertências e conselhos, liberdade e limites. E me disciplinaram com amor e com afeto. Lembrei-me do programa da Regina Cazé, e senti tristeza por aqueles que nunca conheceram a figura de um pai, de um pai realmente pai.

 

Não pude deixar de me lembrar do seguinte texto memorialístico do velho bardo Manuel Bandeira: “Quando meu pai era vivo, a morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia que pondo minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de enfrentar”. É assim que eu me sentia, quando meus pais me levavam aos circos encantados de minha infância. Eu me sentia alegre, confiante, seguro e nada me parecia faltar. Agradeço a Deus por ainda tê-los vivos e lúcidos, ao alcance de meu querer e bem-querer.

2 comentários:

  1. "Quando meu pai era vivo, a morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia que pondo minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de enfrentar"
    Nossa geração maravilhosa com pais realmente amorosos e responsáveis que nos davam segurança, realmente lembranças que nos faz querer voltar no tempo.

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  2. Muito obrigado por sua leitura atenta.

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