domingo, 31 de março de 2024

LABIRINTO TINTO DE SANGUE

Fonte: Google

 

LABIRINTO TINTO DE SANGUE


Elmar Carvalho

 

Faço um poema

com o sangue ardente

das nascentes de meus dedos:

vertentes de medos e degredos.

Os versos são fios de esperança

que saem de palpos de estranhas aranhas

construindo labirintos em arabescos

tintos de sangue nos afrescos.

Ariadne recolhe o fio

e Teseu surge intacto

com a espada embebida

do sangue do Minotauro que traz

no peito a rosa sangrenta da ferida.

Com esse fio

Penélope tece e destece

um longo manto ensopado

de pranto e quebranto

e se amortalha das dores

de amor de que padece

– amor que lhe pasta e apetece.

O que conclui desfaz peça por peça

e interminavelmente recomeça.

Abaixo, comentário de Frederico Rebelo, enviado por WhatsApp:

O poema "Labirinto Tinto de Sangue" é uma obra que mergulha nas profundezas do labirinto da existência, revelando as complexidades e os mistérios que permeiam o tecido do universo. Através de versos intrincados, o poeta tece uma teia de significados, convidando o leitor a se perder nas veredas sinuosas da sua visão poética de profunda filosofia. Cada palavra é um fio que conduz à compreensão de que a vida é um labirinto sem início e sem fim, um emaranhado de caminhos entrelaçados onde a busca pelo sentido se confunde com a própria essência da experiência humana. Uma espécie de magia, alquimia  ou hermetismo poético.

quinta-feira, 28 de março de 2024

A DÁDIVA DO LIVRO

Fonte: Google

                      

 A DÁDIVA DO LIVRO


Elmar Carvalho

 

Após encerrar umas leituras “sérias”, que vinha fazendo há algum tempo, iniciei a leitura do romance A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón. É um livro sobre livros, sobre a sedução de leituras e livrarias. Logo numa das primeiras páginas, deparo-me com estas frases:

 

“Ele amava os livros sem reservas e, embora negasse categoricamente, se alguém entrasse na livraria e se apaixonasse por um exemplar cujo preço não pudesse custear, o rebaixava até onde fosse necessário, ou inclusive o presenteava, se considerasse que o comprador era um leitor com tradição e não uma mariposa amadora”.

 

A citação me fez recordar um episódio do início de meus anos parnaibanos. Suponho que o fato aconteceu em 1977/1978, quando eu iniciava o meu curso de Administração de Empresas. Fui até uma pequena representação da extinta Fundação Nacional de Material Escolar - FENAME, ligada ao Ministério da Educação e Cultura, que publicava material didático ou paradidático, como livros e atlas. Entrei na pequena loja, situada no centro histórico e comercial de Parnaíba, e comecei a olhar atenta e vagarosamente as publicações, até que decidi comprar determinado volume.

 

Quando fui pagar, o responsável pela livraria, um homem franzino como Dom Quixote, disse que me daria o livro. Expliquei-lhe que não era apenas estudante, mas que trabalhava e poderia pagá-lo. Mas o dono do negócio insistiu em me oferecer o exemplar, perguntando: “Será se eu não posso lhe dar um livro?”.

 

Acredito que ele soubesse que eu, ainda bem jovem, fosse um poeta, universitário, que andava publicando seus textos nos jornais Folha do Litoral, Norte do Piauí e Inovação, e quis distinguir-me com um gesto que fosse sinal de seu apreço. Sem dúvida percebeu que eu “era um leitor com tradição e não uma mariposa amadora”. Esse fato teve um valor simbólico para mim muito grande, tanto que passadas várias décadas nunca o esqueci, assim como não esqueci nem a imagem nem o nome do livreiro, de quem nada mais sei.

 

Nem mesmo sei se ele amava tanto os livros como Gustavo Barceló, o livreiro de A Sombra do Vento, ao qual se refere o trecho citado, que ademais era rico e tinha a livraria apenas por paixão. Chamava-se Ulisses, como as personagens de Joyce e de Homero. Com efeito, só poderia ser mesmo uma figura extraída das páginas de uma obra de ficção.

 

Afinal, qual o comerciante que, em lugar de vender, entregaria dadivosamente o seu produto a alguém que sequer o conhecia? Ulisses, seguindo o impulso de sua bondade e de seu coração, assim o fez. E o seu gesto tão simples, mas tão cheio de significado e simbolismo, eternizou-se em minha alma. 

20 de julho de 2010

quarta-feira, 27 de março de 2024

terça-feira, 26 de março de 2024

ANDARILHO


 

ANDARILHO


Alcione Pessoa Lima


A natureza exuberante contrasta...o

O andarilho, que se arrasta...

Mede o mundo em passos...

E sobre os ombros a mochila cansada de guerra...

Seres largados; destinos indefinidos...

Ou, anunciados...filhos da terra!

O cão tatuado o acompanha...e os pensamentos.

A criatura esquecida tem desejos; talentos...

Talvez só lhe falte quem o diga: te amo! 

E segue aquela alma vazia na sua rebeldia...

Os olhos captam as chuvas; o verão dos corações sombrios...

Certo de que vencerá as tempestades, consequência de seu modo arredio.


Quando se depara com uma flor...aflora o amor contido...

E vem à tona desejos refinados...o ego se digladia...

E sob o choro que lava o corpo embotado...

Liberta-se, no silêncio de um caminho...

É apenas um ser que busca na trajetória da vida, carinho.

Pode tombar na primeira curva; pode sonhar e escancarar o sorriso;

E transformar o inferno em seu particular paraíso.

Pode seguir em frente...ou, de repente, abreviar a dor...

E na encruzilhada escolher, como via única: o amor!

Um espírito maltrapilho, sem rédeas, sem correntes, que escolheu

Somente ser um ANDARILHO.

domingo, 24 de março de 2024

VENTO NA ALMA E NOS CABELOS

Fonte: Google

 

VENTO NA ALMA E NOS CABELOS


Elmar Carvalho

 

De Parnaíba jamais esquecerei

o vento dedilhando a harpa eólia

da palma dos coqueiros

e uma música divina destilando.

Jamais esquecerei a ventagonia fiando

e desfiando os novelos de meus cabelos

encrespados em espumas e salsugens

e arrastando minha alma

  veleiro de aventureiros e corsários

        bandoleiros e libertários –

pelo largo mar onde

                           onda após onda

o sonho vai quebrar.

 

           Pba. 29.07.89

sexta-feira, 22 de março de 2024

O PIAGÜÍ – UM JORNAL CULTURALISTA

Uma das edições de O Piagüí

                      
 

O PIAGÜÍ – UM JORNAL CULTURALISTA


Elmar Carvalho

 

Recebi o jornal culturalista O Piagüí, ano III, nº 33, cujos diretores de conteúdo são Daniel Castelo Branco Ciarlini e Claucio Ciarlini Neto. Admiro sua linha editorial. Noto que é desprovida de interesses menores, alheia a ciúmes existentes em grupos, e sobretudo tenho observado que os seus diretores não são obsessivamente ciosos de suas próprias produções; ao contrário, sabem reconhecer o valor dos outros, sem importar a que gerações pertençam. Até mesmo escritores já falecidos e um tanto esquecidos têm sido lembrados em suas páginas.

 

Tenho visto o esforço desse órgão de comunicação em preservar a memória histórica do Piauí, através de matérias que sintetizam a história de vários municípios, assim como outras que tem divulgado os sítios arqueológicos e espaços culturais de nosso estado. Em suas folhas têm sido estampados contos, crônicas e poemas, além de pequenos ensaios e entrevistas.

 

O periódico tem envidado notável esforço em preservar a lembrança dos homens ilustres do Piauí e de Parnaíba, que se destacaram nos mais diferentes campos da atividade humana, seja empresarial, político, cultural, artístico ou literário. Considero os que fazem O Piagüí, tanto o jornal impresso como o portal de mesmo nome, como jovens idealistas, despojados de mesquinhas vaidades, egoísmos e egolatrias, que através da arte e da cultura buscam um mundo melhor, mais justo e mais fraterno.

 

Inevitavelmente, observados a contextualização histórica, as idiossincrasias de cada componente, a grande diferença tecnológica dos dias atuais e a dos anos 70 e 80 do século passado e o regime político de então e de hoje, comparo esses moços de boa vontade aos que fizeram o jornal Inovação, pela força de vontade, abnegação e idealismo. Muitos dos componentes de ambos os jornais são ou foram literatos – contistas, cronistas, ensaístas e poetas.

 

Dentro da realidade parnaibana, é como se, simbolicamente, os “inovadores”, na corrida de revezamento da vida e das gerações, tivessem passado o fogo sagrado da cultura e do idealismo aos “piaguienses”. Para mim, com sinceridade devo confessar, a equipe do Piagüí é a mais brilhante geração surgida após o Inovação, sobretudo porque infensa a radicalismos e individualismos tacanhos e improdutivos. 

16 de julho de 2010

domingo, 17 de março de 2024

MAR(ULHO) NO TABOCAL

 

Fonte: Google

MAR(ULHO) NO TABOCAL


Elmar Carvalho

 

Manhosa

manhã de domingo.

Sorvendo

solvendo uma cerveja

estupidamente gelada

sob a sombra redonda

redoma levemente

verde-transparente

o sol ruiva

o vento uiva

            ondula e marulha

nas afiadas espadas e agulhas

            do tabocal

e me emerge um mar

            imerso no temporal

quebrado nos arrecifes

            esvaído no tempo

e nas distâncias esquecidas.

 

           Te. 23.06.91

quarta-feira, 13 de março de 2024

Mons. Boson, virtuoso sacerdote e educador

Praça Monsenhor Boson.  Anos 60

Praça Monsenhor Boson.  2023
Patronato Mons Boson, onde funcionava a Escola São Pedro Nolasco e um Internato para moças. Obras de Mons. Uchoa. Anos 60
Auditório Mons. Uchoa, anexo ao Patronato Mons. Boson.


                        Todas as fotos me foram enviadas pelo Prof. Monte Filho, que lhes fez as legendas


Mons. Boson, virtuoso sacerdote e educador

 

Elmar Carvalho

 

Recebi das mãos do Des. Arnaldo Boson Paes o primoroso livro Monsenhor Boson: o missionário da educação, de sua autoria. Edição esmerada da Bienal Editora. Capa do notável artista plástico Paulo Moura e projeto gráfico de Irmão de Criação. Arnaldo, nascido em Campo Alegre de Lourdes (BA), foi meu colega no curso de Direito, na UFPI. Era bem jovem, simpático, alegre, dotado de senso de humor e de aguçada inteligência.

Logo após a conclusão do curso, em que se houve com invulgar brilhantismo, posto que inteligente e estudioso, logo foi aprovado em concurso público para Juiz do Trabalho. Não demorou muito foi alçado a desembargador dessa Justiça especializada. Foi presidente do Tribunal da 22ª Região, em que ainda exerce as suas funções judicantes.

O livro tem como tema a vida exemplar e a notável obra educacional do Monsenhor Constantino Boson e Lima. Logo que se estabeleceu em Teresina para fazer seus estudos no ensino médio e em curso superior, e ao tomar conhecimento da importante atividade magisterial de seu parente, o autor desejou dedicar-lhe uma biografia, que lhe imortalizasse as realizações.

Contudo, os relatos dos atos e fatos de Mons. Boson se encontravam dispersos em esconsos arquivos, em quase inacessíveis hemerotecas, em matérias avulsas, publicadas em velhos jornais, revistas e outros periódicos. Além do mais, o autor se encontrava, como ainda se encontra, no auge de seu labor profissional, a proferir decisões interlocutórias, relatórios e votos, fora o tempo em que exerceu atividades administrativas.

Com a evolução tecnológica e o surgimento das ferramentas digitais, pôde ele executar o seu projeto. Ele próprio esclarece: “Recentemente, ao entrar em contato com o acervo disponibilizado pela Hemeroteca Digital, ferramenta desenvolvida pela Biblioteca Nacional, finalmente encontrei a matéria-prima que tanto buscara. Seguindo as trilhas apontadas pelo acervo digital, parti para a pesquisa de campo.”

O livro nos informa que os ancestrais de Constantino Boson e Lima viviam na região situada entre o rio Poti e a serra da Ibiapaba, que constituía a vila de Príncipe Imperial, que até o ano de 1880 pertenceu ao Piauí, e que hoje forma o município de Crateús (CE).

O padre Sebastião Ribeiro Lima, nascido em 20 de janeiro de 1824, na fazenda Boa Vista, situada nessa região, se tornou o vigário da freguesia de São Raimundo Nonato, na província do Piauí. Foi nessa condição que, no final da década de 1840, o padre Sebastião foi rever o seu pago natal, onde visitou parentes e fez celebrações do ritual católico.

Retornou à sua igreja, levando em sua companhia jovens irmãos, entre os quais José Coriolano de Sousa Lima (1829-1869), que veio a se tornar um grande poeta, de dicção popular e romântica, pertencente à literatura do Piauí e do Ceará, e Jerônimo de Sousa Nogueira Boson Lima, falecido em 1876, que se tornou fazendeiro, tenente-coronel da Guarda Nacional e promotor público em São Raimundo Nonato, onde se casou com Francisca Adelina Lopes de Sousa Lima, com quem teve dez filhos, entre os quais o nosso Mons. Boson, o caçula dessa prole, nascido nessa localidade em 15 de outubro de 1868.

Preparando-se para ser sacerdote, Boson fez seus estudos em São Luís, capital do Maranhão, a cuja Diocese o Piauí era vinculado; primeiro no Seminário das Mercês, após aprovação em exame de admissão, e, depois, no Seminário de Santo Antônio, em que cursou Teologia e Filosofia, vindo a concluir seus estudos em 1891.

Além de funções sacerdotais em São Luís, o padre Boson exerceu atividades administrativas, e veio a se tornar, em 30 de abril de 1897, por ato do bispo Dom Alvarenga, reitor do Seminário de Santo Antônio. Em 1901, “retirou-se para o Piauí para assumir a paróquia de Barras”, encantadora e bucólica cidade, quase uma ilha, enlaçada pelo Marataoã e irrigada por suas várias barras, que lhe sugeriram o nome.

Barras, cognominada Terra dos Governadores, mas a que acrescentei, também, e de marechais, generais e poetas, teve três figuras emblemáticas, como sacerdotes, no século XX: Pe. Boson, que conservou e ampliou a velha matriz de Nossa Senhora da Conceição, em cujo cimo do frontispício, então voltado para o poente e para o Marataoã, se via um Cristo Redentor, de braços abertos, cuja história mais remota remonta à capela iniciada em 1749 pelo coronel Miguel de Carvalho e Aguiar, em terra de sua propriedade e à ampla e bela igreja colonial, cuja construção se deve, em grande parte, à liderança e esforços do patriarca José Carvalho de Almeida; Pe. Lindolfo Uchoa (1884-1966), que fundou, com o apoio das Irmãs Mercedárias, o Patronato “Monsenhor Boson”, um internato para moças e a Escola São Pedro Nolasco, inaugurada em 13 de fevereiro de 1955, destinada ao curso primário (o internato e a escola funcionavam no patronato, cujo prédio fora doado e reformado pelo coronel Antônio (Tote) Fortes Castelo Branco), além do célebre Colégio “24 de Fevereiro”, em Floriano, considerado um dos mais importantes de nosso estado; foi um dos fundadores do Ginásio Nossa Senhora da Conceição (18/04/1956) , juntamente com Geraldo Majella Carvalho, José Alencar Lopes (Zé do Honório), Conrado Amorim de Sousa e o médico José do Rêgo Lages, que funcionou inicialmente à noite, no prédio do Grupo Escolar Matias Olímpio; na página 31 do livro Chão de Estrelas da História de Barras do Marataoan, de Wilson Carvalho Gonçalves, na legenda da foto da velha matriz, encontro a informação de que Mons. Uchoa a teria ampliado; foi vigário em Barras em duas ocasiões, perfazendo uma permanência total de 31 anos na paróquia; e Pe. Mário José de Meneses (1929-1993), vigário de Barras por mais de 25 anos (29/02/1962 a agosto/1987), foi o responsável pela construção da nova igreja, de frente voltada para o nascente. Realizou obras sociais e no campo da educação. Sua memória ainda é muito viva em Barras. Ao deixar a Paróquia de N. S. da Conceição, foi residir em Parnaíba, onde exerceu o cargo de vigário-geral da Diocese, no bispado de Dom Joaquim Rufino do Rego. 

Em trabalho ainda inédito e em construção, referindo-me a Dom Joaquim Almeida, escrevi o seguinte:

“Já com experiência na área da educação, como auxiliar do bispo da Paraíba, ainda nos primeiros dias de sua gestão, adota providências para criar três escolas em Teresina, sede diocesana, e duas em Parnaíba, a mais importante cidade do estado, depois da capital.

Em 25 de março de 1906, portanto no primeiro ano de seu governo episcopal, criou o Seminário diocesano e, em anexo, um colégio diocesano. O primeiro se destinava à formação de sacerdotes católicos, e o segundo para a instrução formal de crianças do sexo masculino, que ainda nos dias de hoje presta relevantes serviços no ensino de nível fundamental e médio. Ainda é conhecido como Colégio Diocesano, embora seu nome oficial seja Colégio São Franscisco de Sales.”

No livro Joaquim (Fonseca Neto e Paulo Libório) consta que “a direção era anualmente mudada, tendo sido o padre Bianor Emílio Aranha (1906) o primeiro reitor do Seminário e diretor do Diocesano. Arnaldo Boson, em seu livro, nos informa que no ano seguinte “o comando seria entregue ao padre Boson”, meses depois de uma visita pastoral que o bispo fizera, em outubro de 1906, à paróquia sediada na cidade de Barras.

Segundo Arnaldo Boson, o Mons. Boson permaneceu à frente do seminário em parte do episcopado de Dom Joaquim e exerceu a direção do Colégio Diocesano “em dois períodos, tanto no bispado de dom Joaquim quanto no bispado de dom Severino, a partir da reabertura, em 1925, permanecendo à frente do educandário até a sua retirada para Parnaíba, em 1929”. 

Em Parnaíba, no ano de 1929, foi nomeado primeiro capelão da Capela da Santa Casa de Misericórdia. Exerceu o cargo de inspetor federal de ensino, a partir de 1931. Pelo período de 16 anos, foi vigário e educador em Parnaíba.

Cego, aos 77 anos de uma vida dedicada à Fé e ao magistério, no dia 18 de outubro de 1945, Boson partiu ao encontro da luz que emana de seu Criador. Dias antes, mais precisamente no dia 8 de setembro do mesmo ano, ocorrera a instalação da Diocese de Parnaíba, a cuja solenidade festiva, presidida por Dom Severino Vieira de Melo, não pudera comparecer.

Encerrava-se a vida de um exemplar e virtuoso sacerdote e educador, cujas virtudes, ideário, metodologia pedagógica, caráter e perfil moral estão delineados na biografia bem redigida e de denso conteúdo, que lhe dedicou Arnaldo Boson Paes, após intensa e trabalhosa pesquisa.

domingo, 10 de março de 2024

PARNAÍBA REVISITADA

Fonte: Google

 

PARNAÍBA REVISITADA


Elmar Carvalho

 

Pelos labirintos

de antigas ruas perdidas

caminho sem destino

e mergulho no temporal

das cavernas inescrutáveis

do deus Cronos

e o que se chama passado

intacto resgato

num pequeno pedaço de um

velho azulejo desbotado.

quinta-feira, 7 de março de 2024

DESPEDIDA DE GOLEIRO

O goleiro Elmar visto por Gervásio Castro

Foto em que aparecem o doutor Lusmanell (dono do time Teixeirão, do campo, da bola, etc.), seu pai, o advogado Manoel Absolon, dois de seus irmãos, Manoel Teixeira (advogado) e Manoelson (então acadêmico de medicina) e seu tio, o vereador Henrique Teixeira. O time foi o campeão do torneio de futebol de salão de Regeneração - versão 2009



DESPEDIDA DE GOLEIRO


Elmar Carvalho

 

O colega e amigo Thiago Brandão, grande matador, no sentido futebolístico da palavra, respondendo a um e-mail que lhe enviei, em que lhe explicava que pretendia publicar, em formato impresso, este Diário Incontínuo em 2016, quando terei sessenta anos de idade, escreveu-me pela internet: “Grande Poeta! Achei que, pela sua agilidade na atividade futebolística, mais precisamente em envidar esforço homérico evitando gols, estivesse Vossa Excelência ainda bem distante de atingir a sexagenária. De toda sorte, parabéns pela vitalidade física, mental e profissional”.

 

Embora sabendo que a mensagem é fruto de sua bondade e lhaneza, não pude deixar de recordar os meus tempos de goleiro amador – amador do esporte e da vida, e amador porque nunca fui um profissional pebolista. Respondi-lhe nos seguintes termos, com certa autoironia:  “o pior, ou o melhor, senão já terei partido desta para uma melhor, é que ainda vem a expulsatória ou compulsória ou septuagenária”.

 

Parece que essa posição futebolística, além de ingrata, é um tanto maldita. Primeiro, um golquíper é o único atleta a jogar, sobretudo, com as mãos; segundo, uma falha sua é quase sempre fatal, e, depois, as    televisões só se preocupam em exibir os gols, em que o goleiro é visto em situação desfavorável. Pouco são mostradas as belas e difíceis defesas de um goleiro. Para completar a esdruxularia, até sua farda é diferente da dos demais atletas. Agora, estourou a notícia de que o goleiro Bruno teria mandado matar a sua amante Eliza Samudio.

 

Assim que assumi a Comarca de Regeneração, andei comentando que fora goleiro em minha juventude, mas que, depois dos quarenta, e mesmo depois dos cinquenta anos, ainda jogara no time da AMAPI. Acrescentei, com certa ponta de vaidade, que as pessoas que me viram jogar diziam que eu era um bom arqueiro, com atuações quase sempre regulares ou boas. Diante disso, fui convidado pelo advogado Luzmanell Teixeira Absolon para disputar uma partida em seu campo particular, conhecido como Teixeirão. Arrependi-me de haver sido linguarudo e um tanto fanfarrão, mas, para não passar por mentiroso, fobista ou falastrão, aceitei participar de um jogo.

 

Para não encompridar a conversa, devo dizer que foi uma ótima partida, com torcedores e bons atletas regenerenses da idade madura. Tive sorte. Atuei bem, e fiz pelo menos três boas defesas, em que executei “voadas” ou “pontes”, uma das quais estaiada. Inclusive, um dos torcedores, no final do entrevero, disse que uma das minhas defesas merecia ter sido filmada, e fazia a mímica correspondente, usando um telefone celular como se fosse uma câmera. Também disseram, mas acho que apenas por venenosa brincadeira, que eu fui poupado, em razão de meu cargo. Essa afirmativa não procede, pois os chutes foram violentos, verdadeiros torpedos, e bem no cantinho da trave.

 

Surpreendi-me com o doutor Luzmanell. Pensei que ele só jogasse por ser o dono da bola e do campo, por sinal agradável, arborizado e bem gramado, mas percebi que ele tem intimidade com a pelota e conhece os segredos e macetes da arte futebolística.

 

Posteriormente, fui convidado para novo jogo. Preferi declinar. Dizem que a primeira imagem é a que fica, mas eu acho que é a última. Assim, prefiro, como poeta, encerrar um soneto com uma chave de ouro, e, na qualidade de goleiro, prefiro pendurar as chuteiras, ou melhor, arquivar as luvas de golquíper, com uma boa atuação. 

14 de julho de 2010

domingo, 3 de março de 2024

PERDIÇÃO

 

Fonte: Golgel

PERDIÇÃO


Elmar Carvalho

 

Por mares de sargaços e enganos

perdi-me na rota

de estranhos portulanos

feitos por arcanos d’antanho.

Por causa de lábios

que falavam de amor

seguindo incertos astrolábios

soçobrei nas tormentas

de algum cabo Bojador.

Egresso de Sagres

dancei a Dança dos Sabres

no mapa de meu destino.

Nas garras da ventania

joguei um jogo de morte

em que tudo se perdia.

No derradeiro naufrágio

encontrei enigmas e presságios

nos búzios que no abismo havia.

E tudo se findou

num veleiro encalhado

em mar de absoluta calmaria.

 

           Te. Dom. 07.10.90 – 03h

sexta-feira, 1 de março de 2024

O BRAVO CAVALO QUEIMADINHO

 

Foto meramente ilustrativa  Fonte: Google

O BRAVO CAVALO QUEIMADINHO


Elmar Carvalho

 

Lembrei-me hoje, insistentemente, de uma notícia que ouvi em programa de televisão, em que um rapaz insano derramou dois litros de gasolina num pobre cavalo e lhe ateou fogo.

 

O animal correu desatinado e se espojou numa moita, se contorcendo e se retorcendo pelas dores atrozes que sentia, naturalmente na tentativa instintiva de debelar a chama que o adolescente imbecil provocara; claro que seu esforço foi inútil, e talvez o fato de rolar no chão, por causa das dores lancinantes que sentia, só tenha servido para avivar ainda mais as feridas causadas pelo fogo, que só se extinguiu com a última gota de tão inflamável combustível.

 

O cavalo ainda teve força para chegar à casa de seu dono, como a pedir socorro. O pobre homem conseguiu que a Polícia Montada do Rio de Janeiro cuidasse do seu animal. Sua vontade de viver era tanta, que, mesmo tendo tido duas paradas cardíacas, conseguiu sobreviver. Rebatizado de Queimadinho, tornou-se uma espécie de mascote e símbolo da corporação policial.

 

O que o rapaz idiota pretendia ganhar com a sua torpeza? Seria, acaso, um sádico, a se satisfazer em olhar um inocente e indefeso animal sofrendo? Que dores esse animal não terá sofrido, sem nada ter feito contra esse garoto de dezesseis anos de idade!... Fico admirado de esse bicho não ter perdido a fé na raça humana, pois foi procurar o dono e é carinhoso com as pessoas que cuidam dele.

 

Ante o gesto estarrecedor do adolescente, a gente chega a pensar besteira. Certamente é possível que alguém tenha imaginado a hipótese de ser pingada apenas uma gota de gasolina no seu braço, para que ele pudesse ter uma pálida ideia de seu ato abominável.

 

Ao ver a imagem do Queimadinho, lembrei-me do quadro da girafa incendiada de Salvador Dalí e destes meus versos: “Girafa incendiada sem poder pastar / na terra calcinada que ela própria queimava...”

 

No meu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, narrei o seguinte fato, acontecido em minha juventude: “O homem, que cria animais para abatê-los, poderia ao menos evitar torturá-los, ou, ao menos, maltratá-los o mínimo possível. Recordo-me de que certa vez, perto de um mercado, vi um magarefe divertindo-se a dar machadadas na cabeça de um tenro e cândido cordeiro. Ria ao vê-lo estremecer com os golpes. Gostaria que esse carneiro, símbolo da mansidão, que sequer berrou ou esperneou, a exemplo da jumenta de Balaão, tivesse perguntado àquele homem bruto sobre por que o torturava. Ainda hoje me arrependo de não ter interpelado aquele homem rude e ignaro, embora correndo o risco de ele voltar contra mim o seu machado cruel.”

 

A história do bravo cavalo Queimadinho me fez recordar um fato acontecido em Barras, no tempo da ditadura Vargas. Um delegado contemplou, da porta de sua repartição, um homem fazer várias tentativas de pegar o chapéu, que o vento arrebatara de sua cabeça. Quando ele se curvava para pegá-lo, vinha novo pé de vento e o arrastava. Quando finalmente conseguiu segurá-lo, o homem desferiu várias facadas contra o sombrero, como dizem os mexicanos.

 

O delegado imediatamente, sem contar conversa, o mandou prender, sob o argumento de que quem procedia daquela maneira contra um inocente chapéu, que só lhe fazia benefício, bem poderia matar um ser humano.

 

Se essa autoridade pensou isso em relação a um homem que esfaqueara uma coisa inanimada, como um chapéu, que não sente dores e não morre, o que não pensaria em referência a uma pessoa que, sem nenhum motivo, tocou fogo num cavalo, que teve mais de setenta por cento de seu corpo devastado pelas chamas ateadas bestialmente por um jovem, no paroxismo da crueldade humana!?

 

Para mim, esse rapaz foi mais irracional do que o quadrúpede que ele maltratou, de forma tão vil e tão covarde.   

12 de julho de 2010