terça-feira, 5 de novembro de 2024

JAMERSON LEMOS, UM POETA PERNAMBUCANO, MARANHENSE, PIAUIENSE…




JAMERSON LEMOS, UM POETA PERNAMBUCANO, MARANHENSE, PIAUIENSE…

 

Raimundo Fontenele

 

É o seguinte: a primeira vez que ouvi a expressão “neomalditismo” foi quando o poeta Jamerson Lemos chegou com este papo:

 

– É, poeta, sabes como é!...

 

O negócio é ser poeta neomaldito. E realmente havia saído uma antologia da poesia francesa assim denominada: os novos malditos. Pertenciam à herança cultural que nos legaram Villon, Baudelaire, Verlaine e o genial Rimbaud.

 

Isso era no Maranhão dos anos sessenta e nove e eu estava embalado pelo sonho de também me tornar poeta, pois, apesar da pouca idade, já havia tentado de tudo para encaminhar-me profissionalmente na vida, e sempre dera com os burros n’água.

 

 

O poeta pernambucano Jamerson Lemos viera de Recife com seu pai, o Sr. Lemos, corretor imobiliário e em São Luís se estabeleceram. Seu pai enviuvara, era isso, e lhe dava uma mesada com a qual o poeta resolvia as necessidades mais prementes.

 

Na Praça Deodoro a gente se reunia, uma patota de malucos, pra queimar um fumo e jogar conversa fora. O Cafeteira, quando prefeito, fizera na praça uma espécie de arena, com vários degraus, a qual chamávamos de Senado.

 

Foi ali que vi o poeta Jamerson pela primeira vez. Parou, deu uns pegas num baseado, fomos apresentados um ao outro e fiquei de lhe mostrar alguns poemas meus.

 

Lembro que no nosso próximo encontro, quando lhe mostrei alguns poemas ele disse: “ainda és um poeta verde”, mas me incentivou deveras. Ele já havia publicado seu primeiro livro de poesia, o Superfície do Vento, bem recebido pela crítica e leitores. Compre online os livros best-sellers

 

 

Fora também membro da Academia Maranhense dos Novos, movimento de fôlego curto e vida efêmera, que contara com, entre outros, o poeta Fernando Braga, já falecido, José Sarney, Edson Vidigal e Marconi Caldas, entre outros.

 

Poesia enxuta, liberta, sem máculas estéticas, herdeira da tradição da grande poesia greco-latina, mas que trazia em si os signos contemporâneos, com uma dicção poética própria, inaugurando tudo que é novo, na forma e no conteúdo, com um estilo original e único.

 

E o poeta em si, um andarilho, um inconformado, avesso a qualquer tipo de trabalho e de ação que burocratiza, robotiza e nos torna secos e vazios, de fé e de alma, de consciência e renovação constante, mudanças, transmutações psíquicas e experimentação essencial na busca do ser que somos, embora nunca saibamos o quê, nunca estejamos onde devíamos estar. E por isso a busca. E por isso o andarilho incansável dentro de si mesmo, que era isso que o saudoso Jamerson Lemos era e foi.

 

O caminhante fazedor de caminhos.

 

Um dia o poeta meteu na cabeça que devia levar uma mala cheia de maconha de São Luís pra Recife. Com o dinheiro publicaria seu novo livro. Era uma boa grana. Coitado, quando desceu no aeroporto na capital pernambucana a polícia já o esperava.

 

Ele nunca me disse como, mas alguém havia dedurado. O poeta amargou seis meses na prisão de Itamaracá. Voltou pra São Luís apenas para uma breve passagem e mudou-se para Teresina onde viveu até 2008, quando faleceu, prematuramente, aos 63 anos de idade. Falo prematuramente porque certos amigos nós gostaríamos que fossem iguais a Matusalém.

 

 

Jamerson Lemos é um poeta único no panorama da poesia brasileira. Sem mídia, isolado numa região atrasada e esquecida como sempre foi o nordeste brasileiro durante muitos anos, sua poesia se iguala à melhor poesia publicada no Brasil a partir dos anos 70.

 

O Jamerson que conheço é esse: um maldito como eu, segundo a tradição poética francesa do que esta palavra significa. É o gauche de Drummond. O deslocado, o que não se adapta a uma sociedade medíocre, desalmada, empobrecida pela burrice e a hipocrisia. E assim nos acostumamos a navegar no barco ébrio, navio negreiro dos apátridas como nós para quem o porto seguro está longe, não existe, ou é só miragem.

 

A seguir o poeta Jamerson Lemos visto do ponto de vista formal, na biografia homenagem que lhe dedica o escritor piauiense Francisco Miguel de Moura. E cinco momentos da mais alta e inventiva poesia que, felizmente, frutificou entre nós.

 

JAMERSON LEMOS – BIOGRAFIA

 

Por Francisco Miguel de Moura

 

Jamerson Moreira de Lemos nasceu em Recife (PE), em 22-12-1945 e faleceu em Teresina (5-8-2008). Filho de João Batista Moreira de Lemos e Ornila Moreira de Lemos. Poeta, deixando sua terra, viveu alguns anos em São Luís (MA), onde certamente se contaminou com a boa poesia daquela Província iluminada, de Gonçalves Dias a Ferreira Gullar, pra não falar nos mais novos. Tanto é verdade que o seu primeiro livro foi editado pelo Governo do Maranhão, com a participação da Academia Maranhense de Letras, no final da década de 60, século XX. Sempre o parto do primeiro livro é longo, por vários fatores que não cabe aqui explicar. Não poderia ser diferente com Jamerson Lemos. Saiu com o nome da “Superfície do Vento”, 1968, seleção de um calhamaço que me mostrara antes, com o título provisório de “Cerca de Arame”. Depois publicaria ainda “Sábado Árido” (1985) e “Nos Subúrbios do Ócio” (1996), ambos em Teresina. Deixou muitos inéditos, entre os quais “Istmo Soledad”, ao qual dei um prefácio já publicado aqui e alhures, situando sua poesia e seu fazer poético entre os melhores cultores da poesia-práxis, uma corrente derivada do concretismo, cujos poetas brasileiros mais conhecidos são Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama e Adailton Medeiros (este natural de Caxias - MA).

Esse modo de fazer poesia valoriza o ato racional de compor e busca um sentido intercomunicante entre versos e palavras, tudo integrado ao real quotidiano, objetivo, ou seja, o dado social-histórico vai de braços dados com a poesia e a pesquisa semântica ou semiológica. Quem mais se celebrizou neste “sertão-vereda” foi o João Cabral de Melo Neto, pernambucano como Jamerson Lemos. A preocupação maior com letras, sílabas e palavras do que com o espaço em branco ou preto da página faz da poesia de Jamerson um antilirismo que a muitos preguiçosos assusta. Mas, se bem observada, sua poesia é de um apaixonado das coisas belas, dos sentimentos mais puros e da riqueza na expressão, num estilo que parece desinteressado da vida e do real, deixando visível a veia do bom humor em todos os poemas.

A poesia-práxis é do Brasil dos anos 60. O CLIP – Círculo Literário Piauiense, movimento daquela década, de certa forma enquadra bem a poesia deste poeta que entrou para a convivência dos clipianos. Se do CLIP não fez parte oficialmente, foi por ter chegado ao Piauí pouco depois. Mas, de tal maneira integrou-se aos criadores do CLIP (Hardi Filho, Chico Miguel e Herculano Moraes), que seria pecado não o incluir nessa geração cujos efeitos ainda ressoam.

Casado com dona Maria das Dores de Morais Lemos, funcionária dos Correios já aposentada, Jamerson Lemos deixa órfãos seus dois filhos: Juninho e Ceres Josiane.

Duas vidas: uma, a familiar e sentimental como poucos; outra, a profissional, onde se desdobra para conciliar o vendedor de imóveis com o poeta. Reconhece Alberoni Lemos que não foi fácil ao poeta Jamerson Lemos. Daí que é impossível saber bem de sua poesia sem o conhecimento do homem, que se dizia descendente de judeu, em seus conflitos filosóficos e existenciais – acrescenta o grande homem de imprensa, Alberoni Lemos.

(in “O Estado”. 04-10-87, Teresina, PI).

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