ENCONTRO DOS RIOS
Elmar Carvalho
Desejando comer uma piaba frita,
fui ao Encontro dos Rios, no local onde o Poti, vindo das ribas do Ceará,
depois de passar pelo cânion de Castelo, vai afogar suas águas nas águas do
Parnaíba, rebento da longínqua Chapada das Mangabeiras, na região de Santa
Filomena. Fui para o restaurante flutuante. Procurei ficar na lateral do
recinto, para melhor contemplar as águas e a paisagem.
Dali, eu via, na ribanceira da
outra margem do Poti, um orgulhoso e solitário buritizeiro acenar suas palmas
no alto e para o alto, tendo como pano de fundo a toalha azul do céu. Perto
dele, uma mangueira, como rotunda matrona vegetal, espargia sua sombra
acolhedora. Numa ilhota, estreita e comprida, os urubus contrastavam o seu
negrume solene com o branco absoluto das garças.
Contudo, não se misturavam; cada
espécime ficava em seu reduto, porém convivendo de forma pacífica, cada qual
senhor de seu território. Uma gaivota passou a planar, livre, soberana do
espaço, sem nada desejar, sem nada invejar. Tinha o bico, arpão certeiro para
fisgar os peixes de que precisasse, e tinha as asas e o espaço para voar e
talvez sonhar.
Um pescador passou placidamente
numa canoa, a conduzir sua bicicleta; ao aportar, já teria à disposição seu
outro meio de transporte. Envergava uma camisa do glorioso Flamengo. Senti
certa inveja do canoeiro. Talvez de sua canoa ele me invejasse, a degustar
minha piaba entre lentos goles de cerveja.
Lembrei um poema de Fernando
Pessoa, em que o bardo dizia que, ao seguir para Sintra, no seu automóvel
Chevrolet, sentiu inveja de um rurícola em sua casinha de pau a pique, em sua
vida simples e bucólica; mas que o campônio, da janela, talvez também lhe
invejasse o fato de dirigir aquele veículo que tomara de empréstimo. Tudo pelo
simples motivo de um não ser o outro.
Como já questionou alguém, a
outra margem do rio sempre nos parece a mais bela. Quando chegamos ao outro
lado, a margem em que estávamos passa a ser a que mais nos encanta. É a eterna
inquietação do homem, o desejo de possuir o que não possui, e de não valorizar
o que é seu. Disso advém a insatisfação, os desejos espúrios e a ganância.
Contam que célebre figura
histórica admoestou seu desafeto de que este era muito mais rico do que ele,
mas ao mesmo tempo muito mais pobre, muito mais miserável; porque toda a
riqueza que o outro tinha não lhe era o bastante, ao passo que ele nada desejava,
nada queria, e por isso mesmo era muito mais rico, conquanto tivesse muito
menos cabedal.
No Encontro dos Rios ainda
rascunhei estes versos, que jamais integrarão um poema: “o encontro das águas é
um ponto de encontro, mas nesse ponto, muitas vezes, as pessoas se
desencontram”. E seguem sozinhas, por estradas diferentes, e não juntas, como
as águas do Poti e do Velho Monge. Uma chalana singrava as águas dos rios, no
deleite da paisagem, talvez a promover encontros e desencontros, ocasos e
acasos.
29 de setembro de 2010
O que mais me chamou a atenção foi a passagem: "Como já questionou alguém, a outra margem do rio sempre nos parece a mais bela. Quando chegamos ao outro lado, a margem em que estávamos passa a ser a que mais nos encanta." Um jogo de camadas: um texto dentro do texto, que convida à reflexão. Parabéns pela escrita.
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