Crônica à guisa de prefácio
Elmar Carvalho
Conheci Paulo Couto em março de 1977, quando iniciávamos o
curso de Administração de Empresas no Campus Ministro Reis Velloso (UFPI –
Parnaíba). Esse campus, então, era pequeno e bonito, situado no final da Avenida
São Sebastião, que hoje se prolonga para muito além.
No início do curso, como eu ainda não tivesse transporte
próprio, peguei carona algumas vezes com o Paulo Couto, que usava o fusca
branco de seu pai, o ilustre e erudito professor Lima Couto. Desse modo, fui
várias vezes a sua casa, um sobrado que ficava no Bairro Nova Parnaíba, perto
da Avenida Capitão Claro, em local próximo ao vetusto Cemitério da Igualdade.
Várias vezes conversei com o velho mestre Lima Couto, sobre diversos assuntos,
mas sobretudo sobre educação, literatura e poesia.
Fiquei sabendo que ele admirava Abgar Renault e o poeta
norte-americano Longfellow, do qual fizera tradução. Também era admirador do
poeta e místico indiano Tagore. O mestre falava de modo cadenciado, rítmico e
tinha boa dicção, com gestos que pareciam reger a musicalidade de sua fala, e
às vezes se expandia em seus entusiasmos, quando recitava algum poema.
Para meu gáudio gostava do que eu publicava nessa época,
mormente no jornal Folha do Litoral, cujos arquivos infelizmente se perderam, e
com isso se perdendo muito da memória política, administrativa e literária de
Parnaíba, o que muito lamento. Às vezes a nossa conversa se dava no belo jardim
da casa, debaixo do caramanchão, em que eu sentia o agradável cheiro de rosas,
lírios e outras flores. Guardo boas e emocionadas lembranças desse competente e
benemérito educador.
Na sala de aula, o culto magistrado Walter Miranda de
Carvalho, barrense como meu pai, fazia, algumas vezes, referência a esses
poemas que eu publicava no Folha do Litoral, e dessa forma o Paulo e os demais
colegas tomaram conhecimento dessa minha vertente literária. Neste ponto, é
interessante que eu transcreva o que disse o próprio Paulo Couto, em seu livro
Poesias e Crônicas (2020):
“Nos anos 70, quando iniciei o Curso
de Administração de Empresas na UFPI, Campus Reis Veloso, tive um colega de
turma chamado Elmar Carvalho. Tenho boas lembranças de todos os colegas, mas
com Elmar foi diferente. Ele era poeta e numa das muitas conversas que tivemos,
ele ficou sabendo que eu tinha escrito algumas poesias. O Elmar me levou na
gráfica do Jornal Norte do Piauí e lá eu conheci o proprietário Mário Meireles.
Minha primeira poesia publicada foi nesse jornal.”
A partir dessa época, o Paulo passou a publicar suas crônicas
e poemas no jornal Norte do Piauí, e, um pouco depois, no Folha do Litoral,
onde passou a ter coluna própria, denominada Cosmo, em que publicava seus
textos em prosa e versos. O jornal era semanal ou hebdomadário, como alguns
gostavam de dizer, com alguma pose e certa afetação.
No final dos anos 1970, eu e o Paulo participamos de alguns
eventos e publicações literárias. Marcamos presença nas coletâneas Poesias do
Campus, Salada Seleta, Galopando e Em Três Tempos, juntamente com outros
poetas, entre os quais posso citar Alcenor Candeira Filho, V. de Araújo, Kenard
Kruel, Adrião José Neto, José Luiz de Carvalho, Ednólia Fontenele, Josemar
Neres, Rubervam Du Nascimento e Paulo Machado.
Contudo, no começo dos anos 1980, o Paulo e eu fomos
aprovados em concursos públicos, ele para o Banco do Brasil e eu para fiscal da
Sunab, razão pela qual ele foi residir em Elesbão Veloso e eu em Teresina. Por
esses motivos, nos perdemos de vista, e só nos encontramos muito
esporadicamente, cada um a enfrentar os seus percalços, que a vida nos vai
ofertando, sem que os procuremos, e lutando pela criação e educação de nossos
filhos.
Alguns anos depois, já aposentados, e tendo o Paulo voltado a
residir em Parnaíba, voltamos a nos encontrar pessoalmente ou através das
facilidades (virtuais) da internet, mormente proporcionadas pelo WhatsApp.
Ele voltou a se interessar por literatura e empreendeu alguns
projetos literários e culturais, sobre os quais falarei de forma resumida:
criou o Clube dos Poetas Mortais, que mantém um festejado grupo de WhatsApp,
promove eventos culturais e de congraçamento, realiza saraus e lives etc.; e
publicou os livros Poesias e Crônicas (2020) e Textos em Fatos e Fotos (2022),
em que também coligiu textos de Vitor de Athayde Couto e José de Lima Couto.
E agora nos surpreende com este novo livro, titulado Anos 70
na Folha do Litoral. Nele reúne crônicas, artigos, entrevistas e poemas, alguns
publicados no Norte do Piauí e, a maioria, no Folha do Litoral, em que manteve
a coluna Cosmo.
Suas crônicas e artigos são curtos, concisos, claros e
objetivos, como recomendam os melhores manuais de redação, e sem torcicolos,
pulutricas e firulas literárias. Refletem os questionamentos impostos pela
condição humana, referem os fatos da época, relatam acontecimentos ou histórias
interessantes, comentam filmes, livros parnaibanos, certos costumes e
brincadeiras da época, bem como as principais notícias e fatos da cidade, do
Piauí e do mundo.
Também relatam a movimentação cultural de jovens intelectuais
e tecem comentários sobre os jornais alternativos da cidade, entre os quais o
Inovação (fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro) e o Querela (editado
pelo Fernando Ferraz). Algumas de suas crônicas têm um viés memorialístico, e
abordam episódios de sua infância e adolescência. A obra enfeixa ainda algumas
importantes entrevistas, umas das quais com o poeta e escritor Alcenor Candeira
Filho. Enfim, os textos tratam de múltiplos e importantes assuntos.
Seus poemas têm a beleza da simplicidade, e destilam
sentimentos e emoções, todavia sem nunca descambar para a pieguice. Alguns
criticam o que deve ser criticado e louvam o que deve ser louvado, como no
dizer de Torquato Neto, uma de suas admirações literárias. Neles sentimos o
pulsar da vida, sobretudo o amor que tudo permeia e que tudo deve nortear. Mas
também se referem às frustrações, às injustiças, que sempre nos atingem, ainda
que indiretamente. Outros são poemas que nos instigam a pensar. E outros nos
comovem, pelo que têm de pungente, humano e lírico.
Todos os textos foram publicados nos anos de 1977, 1978 e
1979 nos jornais Norte do Piauí e, sobretudo, Folha do Litoral, em sua coluna
Cosmo. O livro trata de tudo, versa (quase) todos os temas.
Quem compulsar com atenção suas páginas vai conhecer muito da Parnaíba dos anos 1970, mormente nos aspectos de sua história social, administrativa, cultural e literária, quando Parnaíba se reinventava e se preparava para superar os estertores do extrativismo.
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