Criação: IA Gemini |
Lembrança do poeta Morel Nobre
Elmar Carvalho
Há mais de um mês me veio à lembrança o poeta Morel Nobre,
que, na segunda metade da década de 1970, publicava suas produções literárias —
sobretudo sonetos — nos jornais Folha do Litoral e Norte do Piauí, na cidade de
Parnaíba, para onde nos havíamos mudado em meados de 1975. A partir dessa
época, quando fiz 19 anos, comecei a publicar meus poemas de feição modernista
no Folha do Litoral.
Foi então que tomei conhecimento dos sonetos de Morel e do
poeta Neiva, que trabalhava na agência dos Correios e Telégrafos e depois foi
atuar no Serviço do Patrimônio da União, dirigido pelo advogado Carlos Alberto
Teixeira, meu professor no curso de Administração de Empresas (UFPI).
Eram sonetos tradicionais, sincréticos, com resquícios das
escolas romântica, parnasiana e simbolista. Outros poetas também publicavam
sonetos nos jornais mencionados, mas cujos nomes não me recordo neste momento.
Para ilustrar o que afirmo, transcrevo o seguinte soneto, dedicado à sua
sobrinha Helinha Carleta:
Sublimação
Morel Nobre
É estranho! Não sei que pensamento
Me aflora ao coração em leve embalo
Não defino porém o sentimento
Nem tampouco consigo decifrá-lo
De repente, ao ouvido diz-me o vento
Que a emoção da qual nem sempre falo
Em sofrer também o mesmo sofrimento
É pode talvez, como seus pais, amá-lo
Se eu pudesse Helinha, lhe daria
O mundo inteiro e toda a alegria
Das rosas colorindo o seu caminho
Mas só posso oferecer neste soneto,
Pobres versos que encerram no terceto
A mais sublime expressão do meu
carinho
Parnaíba, 29.08.76
Como dizia, a lembrança do poeta Morel Nobre me veio à mente
quando fui caminhar no passeio da Avenida Ulisses Marques — que hoje parece se
chamar Professor Arimatéia Santos —, em companhia do amigo Francisco Carlos
(Quim). Encontramos um conhecido seu, que me foi apresentado como sendo Ricardo
Nobre.
Durante a caminhada, fiquei sabendo de outras informações
sobre Ricardo, inclusive de que ele seria filho de um certo Morel. Isso me
despertou curiosidade, já que Morel é um sobrenome muito raro no Piauí. Quim me
repassou seu WhatsApp e, então, fiquei sabendo que ele era, de fato, filho do
poeta Morel, cujo nome completo me forneceu.
José Morel Hermes Nobre nasceu em 6 de março de 1928, na
cidade de Cajazeiras (PB), porém foi criado em Fortaleza (CE), onde Ricardo
nasceu. Teria escrito em jornais de Fortaleza, mas o filho não se recorda de
seus nomes. Foi casado com Teresinha Pinheiro Vidal Nobre, com quem teve os
seguintes filhos: Wagner Morel Vidal Nobre, Frederico Ricardo Vidal Nobre,
Larissa Vidal Nobre e Guilherme Vidal Nobre.
Além de poeta, foi radioamador. Trabalhou como químico da empresa Vegetex. Uma espécie de “faz tudo”, tinha facilidade de consertar e construir objetos. Falava o alemão e o inglês razoavelmente bem. Entre vários outros, foram seus amigos o médico Valdir Edson e o professor Antônio Gallas Pimentel, jornalista, radialista, escritor e poeta, e o já referido Edgar Braúna.
Como disse, tomei conhecimento dos sonetos de Morel na segunda metade dos anos 1970, mas só o conheci pessoalmente em meados da década de 1980, quando já morava em Teresina. Na época, eu trabalhava na SUNAB, instalada no prédio do Ministério da Fazenda, ao lado da igreja de N. S. do Amparo, na Praça Rio Branco.
Certa vez, ao deixar a praça, vi numa lanchonete o sr. Edgar
Braúna, que fora meu colega na ECT. Fui cumprimentá-lo e ele me apresentou um
cidadão franzino, de pequena estatura, de nome Morel. Expliquei que já o
conhecia de nome e de sonetos. Soube que ele iria voltar para Parnaíba na
sexta-feira ou no sábado.
Como eu era solteiro, disse-lhe que iria visitar meus pais em
Parnaíba, num desses dias. Fui convidado a ir de carona no fusquinha do poeta.
Aceitei a oferta e, no horário marcado, seguimos no automóvel apenas eu e
Morel. Quando chegamos a um ponto equidistante das cidades de Altos e Campo
Maior, o carro, como um burro empacado, enguiçou.
O poeta parecia conhecer as manhas e birras do “bicho”, pois
não demonstrou nervosismo. Pediu que eu ficasse no local e disse que iria
buscar água numa casa próxima. Após alguns minutos, retornou com um recipiente.
Molhou um pano — creio que uma flanela — e, com movimentos pacientes, quase
como se fizesse um carinho, molhou a bobina durante alguns minutos, como se
fosse uma espécie de ritual.
Quando sentiu que chegara o momento certo, ligou a chave de
ignição, e o bravo fusquinha pegou de primeira, levando-nos até Parnaíba sem
qualquer acidente, incidente ou sobressalto.
Depois disso, perdi o poeta de vista e não mais o revi. Não
tive notícias dele, nem mesmo se ainda estava vivo, embora guardasse lembrança
dele e dessa viagem, que me foi uma espécie de aventura juvenil.
Soube, pelo seu filho — o talentoso arquiteto Ricardo Nobre
—, que o final da vida do poeta foi um tanto melancólico, em razão de seu
recolhimento e doença.
Em 2004, aos 72 anos, o poeta sofreu um AVC, cujas sequelas
lhe dificultavam a locomoção. Nove anos depois, em 2013, já quase totalmente
cego, veio a falecer.
Acrescentou Ricardo que, por ser de pequeno porte e franzino, o pai era chamado pelos amigos, em pura blague, de “filé de borboleta”.
Diria que ele, magro e elegante em sua leveza, tinha o
espírito de uma borboleta planando à brisa parnaibana, e, por ser poeta e
afeito às coisas espirituais, possuía o voo e o canto de um pássaro canoro.
E sua alma voou para uma encantada e melhor dimensão do
tempo-espaço.
Belo soneto mais lindo é o Fusca o carro da moda todos queriam ter.
ResponderExcluir