HISTÓRIA & ESTÓRIA
Elmar Carvalho
Estive conversando com o
historiador e empresário Vicente Miranda. É quase um sósia de seu parente, o
cantor e compositor Belchior, que andou sumido por um bom tempo, ao que parece
embebido em meditações e reflexões místicas e artísticas nas altitudes dos
Andes. Vicente empreendeu um rigoroso trabalho de pesquisa sobre a história de
sua família, de que resultou um notável livro de várias dezenas de páginas.
Foi um empreendimento que lhe
custou muito tempo, esforço, dedicação, despesas e uma disciplina
verdadeiramente espartana. Isso porque as fontes estavam espalhadas em
diferentes municípios do Piauí e do Ceará. Tendo o nosso estado sido vinculado,
em diferentes épocas, administrativa, eclesiasticamente e/ou judicialmente ao
Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia, alguns documentos e outras fontes de
pesquisas somente poderão ser encontrados nessas unidades federadas.
No seu entendimento, as fontes
são muitas, o que falta é ânimo ou condições outras de o pesquisador realizar o
seu trabalho. É sabido que historiadores da estirpe de Odilon Nunes e monsenhor
Chaves gastaram muito de seu tempo em paciente trabalho de pesquisa em arquivo
público, para que pudessem trazer novidades à História do Piauí, bem como para
desfazer equívocos e dirimir dúvidas. Isso exige disciplina, dedicação,
esforço, paciência e tempo.
Mesmo em casos polêmicos, como o
da datação da igreja do povoado Frecheira da Lama, no município de Cocal,
Vicente Miranda não faz a sua interpretação de forma apaixonada, baseada apenas
no subjetivismo do desejo pessoal, mas analisa o contexto histórico da região e
da época, além de fazer o cotejo com documentos correlatos ou afins, para
elaborar a sua tese, com o uso da lógica e do bom-senso, e não no afã de
descobrir supostos pioneirismos. Busca a verdade, e não o ufanismo
“patriótico”, que chega ao ponto de distorcer a verdade ou de fabricar forçadas
e esdrúxulas interpretações, sem respaldo em provas consistentes, irrefutáveis.
Para escapar ao cansativo,
silencioso e solitário trabalho de pesquisa, muitos pretensos historiadores
fazem apenas uma obra de divulgação; escrevem livros que apenas repetem o que
os grandes pesquisadores e historiadores já escreveram. Ou seja, apenas chovem
no molhado, apenas pisam no já repisado. Não lhes tiro o mérito da divulgação;
apenas digo que nada estão criando, que não trazem novidades.
Portanto, não espancam dúvidas e
nem extirpam os erros e equívocos, acasos existentes. Outros, querendo ser
modernos e de ideias avançadas, apenas se comprazem em atacar figuras
históricas, em cega iconoclastia, sem fazer a devida contextualização de época,
levando na devida conta os costumes, a moral, as leis, a ética, as crenças e as
crendices dos tempos idos.
Ainda outros, em suas
monografias, ensaios e dissertações, reduzem a temática e usam um corte
cronológico em que haja mais fontes e mais bibliografia, o que lhes facilita
sobremaneira o trabalho de pesquisa, que quase fica restrita a simples leitura
de obras já publicadas. Outros vão além, e adotando certas teorias atuais da
historiografia, pretendem fazer obra historiográfica através de simples
especulações, conjecturas e ilações baseadas em obras de arte, como pinturas,
artesanatos e esculturas.
Creio que estes farão apenas
ensaio especulativo, interpretativo e subjetivo. Acredito que o trabalho de um
verdadeiro historiador há de ser objetivo, calcado na verdade trazida por
provas, em que haja, pelo menos, um grau razoável de certeza, e não mera
suposição interpretativa, fundamentada em frágeis indícios. Finalmente, alguns
enveredam pela história imediata ou pela história do cotidiano, mas aí já é
outra história.
Vicente Miranda para escrever a
longa história de sua família esteve em diferentes paragens e estados; visitou
cemitérios campestres, arquivos públicos, acervos documentais de cartórios,
igrejas e delegacias de polícia. Em Piracuruca, para poder consultar antigos
processos judiciais, teve que ficar entre o forro e o teto da serventia, pois
era ali que dormiam os velhos autos.
Em Barras, os velhos feitos
estavam quase se desmaterializando, o que requeria cuidado e atenção especiais;
tanto que um soldado de polícia, que lhe presenciou o manuseio desses
documentos, exclamou que os carcomidos papéis não aguentariam “outro reboliço”
daqueles.
Por tal razão, esse historiador
entende que esses processos deveriam ser transferidos para o arquivo público
estadual, que poderia executar um melhor serviço de guarda e conservação,
sobretudo agora em que o Poder Judiciário marcha de forma firme e irreversível
para a virtualização do processo, em que haverá, certamente, economia de tempo,
espaço e de meios físicos, como papéis, grampos, plásticos, depósitos e outros
materiais; em que as petições e as comunicações poderão ser enviadas através da
internet.
Além do mais, isso facilitaria a vida dos pesquisadores, historiadores e simples consulentes, pois os documentos ficariam concentrados na capital, sob a responsabilidade de um único órgão especializado no serviço. Disse-lhe que, quando tivesse oportunidade, abordaria esse assunto junto ao desembargador Edvaldo Moura, presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, que é um intelectual e escritor, tendo presidido a Academia de Picos por vários anos, quando lá serviu como juiz de Direito.
29 de dezembro de 2010
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