Corinto Araujo Filho (*)
Bastante conhecida e frequentada por toda uma geração, também denominada de Churrascaria do “Zé Didôr,” funcionava em um local privilegiado de nossa cidade, (hoje Hotel Pousada do Lago), estava a mercê da brisa dos ventos vindos do açude, dos raios do sol e principalmente da visão do crepúsculo nas tardes de verão o qual era apreciado pelos seus assíduos e mais variados frequentadores. Com todas essas características, somadas à boa música da época, tocada em uma aparelhagem de som ultramoderna da Gradiente, o bom drink, o bom atendimento, o sabor delicioso dos mais variados pratos feitos com esmero pela cozinheira dona Eugênia e os churrasqueiros Pedro Nega, Ota e Joâo do churrasco, com destaque para carne de sol, paçoca e “marizabel” acompanhadas com vinagrete, pratos que nos orgulham pois hoje são reconhecidos internacionalmente. O bom relacionamento que tinha o proprietário Zé Didôr fazia daquela churrascaria o local mais assistido pelos campomaiorenses de todas as idades no periodo que se estendeu desde a sua inauguração, ocorrida dia 11 de agosto 1978, até meados de 1989. A construção das instalações foi realizada com recursos do Estado que na época era governado por Dirceu Mendes Arcoverde em contrapartida com a prefeitura, na gestão do prefeito Mamede Lima. O projeto do engenheiro Carlos Burlamarque da Silva (Deputado PAVÃO) possuía caracteristicas artesanais: A carnaúba, era a principal materia prima, (o caule eram feitas as paredes, os balcões e os pés-de- mesas; da casca do caule era feita a ripagem e a cobertura era feita com a palha), além da carnaúba eram usados outros materiais como: o bambú para fazer as cercas e biombos; a laje de pedras para fazer as mesas; por fim o couro que era usado nos assentos das cadeiras e tamboretes. A obra se estendia por toda a praça do açude, posteriormente denominada de praça Antonio Cícero Correia Lima que no entanto, ficou conhecida mesmo como “Praça da Radar.”
Assim era a churrascaria Radar, (nome inspirado em uma multa decorrente de uma infração rodoviária detectada por instrumento chamado “radar”, quando Zé Didôr vinha de Parnaiba para Campo Maior e em determinado trecho ultrapassou o limite de velocidade permitido). Reconhecida pelas suas características, foi premiada pelo guia 4 RODAS, que a incluiu no roteiro turístico gastronômico cultural do Brasil consequentemente passou a ser reconhecida nacionalmente o que trouxe-lhe vários benefícios, sendo o maior deles o fato de receber turistas de todo o Brasil que ali se deliciavam com a gastronomia e davam gargalhadas com as “prosas” do Zé Didôr. Passaram por ali várias personalidades como: Elba Ramalho, Fagner, Waldik Soriano, Altemar Dutra e diversas autoridades como o comandante do Exercito Brasileiro da 10 Região Militar de Fortaleza e muitos frequentadores assíduos entre os quais Ivon Pacheco, Zé Paulino, Oswaldinho Lobão, Janduí Bezerra, Carlos Paz, Dr. Expedito, Chico Olimpio, Chico Boca Azul, Vinícius Lima, Serjão, Gil Barbosa, José Luis Félix , Joãozinho Félix, Haroldo Bona, Zé Bona, Zé Wagner, Belchior (editor desta revista), Gilmar Melo, Cezar Melo, Bernadete Rodrigues, Angela Brasil, Mônica Bona . Por ser bastante visitada, ela representou para nossa cidade destaques importantes: aumentou a divulgação da nossa culinária, das nossas belezas e dos nossos costumes. As vendas de cervejas eram tão altas que as distribuidoras locais brigavam entre si para negociar com ela. Houve um determinado período, mais precisamente no carnaval de 1980, em que essas empresas de bebidas perderam as vendas para uma terceira distribuidora, da qual o Zé Didôr, mesmo muito criticado, comprou duas carretas de cerveja em latas, que no terceiro dia de carnaval acabou tudo.
Zé Didôr, homem de caricatura espiritual fácil de descrever: amigo, alegre, inteligente, com carisma e poderes do repente presencial, incrível contador de histórias com um rápido raciocínio que lhe é muito peculiar, é um artista das rodas. Esse era o empresário da Radar que todos os dias por trás do balcão trazia consigo ao pescoço os inseparáveis quatro cordões de ouro 18 kilates, cada um com uma medalha mais reluzente que a outra, em um dos punhos um relógio Mido folheado a ouro (presente do seu maior amigo, Ivon Pacheco ) e no outro mais duas pulseiras de 18 kilates, muito bem trajado, calçando um par de botas daqueles usados por Clint Eastwood no cinema com a camisa abotoada até o meio do peito, um cinto largo com fivela sempre atravessada para um dos lados da calça, mania esta que inspirou o apelido de “tremendão” e por fim a tiracolo uma bolsa cheia de dinheiro com dois revólveres calibre 38 que graças a Deus nunca precisou usar. Regia com maestria aquele estabelecimento e com a maior categoria atendia a todos no tempo e na hora com uma simples batida de palmas. Cheio de artimanhas, certa vez, fechou acordo com um amigo motorista de ônibus que transportava turistas para Parnaiba, caso parasse lá, ganharia um churrasco completo e um refrigerante misturado com rum na própria garrafa, para disfarçar a inspeção da empresa. Moral disso: os ônibus evadiram-se da churrascaria do Manoelzinho por longo tempo.
A Radar, era enebriante, só se saia pra lá, aqui não tinha outra opção, nos finais de semana muitos aportavam às dez da manhã, curtiam ate à tardinha, vinham em casa, jantavam ,davam um tempo e voltavam, e lá estavam todos outra vez, era o ponto de encontro dos meninos, dos adolescentes, dos rapazes, das moças, dos idosos, dos profissionais liberais, dos estudantes, das autoridades, dos viciados, das profissionais do sexo, etc. Nos finais de semana a casa tinha que requisitar soldados junto ao quartel para fazer segurança, mas mesmo com todo aparato, rolava umas confusões porque era comum aglomerar um público de 1000 a 1500 pessoas por dia. Era uma praça de eventos sem eventos o público era atraido pelo o próprio movimento, ou por encontros, paqueras, papos e por uma pequena mas aconchegante boite com luz negra onde os casais se soltavam. Ali era um desfile de moda onde se podia ver grifes como: Yves Saint laurent , Yes Brasil, American Denim, Levis, US Top e Dior. A música que se ouvia era um repertório altamente eclético e de acordo com o público presente. Tinha LP (Long Play) e Fita Cassete de variados cantores como: Frank Sinatra, Michael Jackson, Roberto Carlos, Caetano, Chico, Alceu, Raul, Vinícios, Fagner, Djavan, Trio Nordestino, 3 do Nordeste, Magal, Bartô Galeno, Alipio Martins, Luis Gonzaga, Raimundo Soldado, Francis Dalva, Teixeira de Manaus e Temas de Novelas. Se cadenciava com os rítimos dos chorinhos, sambas, forrós, rocks, Reeagues, Boleros, bregas, Tangos . Era um mundo cultural da música. A churrascaria funcionou durante o período de abertura politica do Brasil quando todos se sentiam com ar de liberdade, não sei se por isso ou por outra razão, acontecia um fato interessante na Radar; é que existia uma separação de classes, não que fosse imposta mas que fluía normalmente com o ambiente, e sem distinção todos eram tratados com igualdade. Esse era um cuidado especial mantido sempre pelo proprietário.
Pontualmente aberta às 10:00h da manhã de segunda a segunda e tudo funcionando normalmente, o bar, a cozinha no preparo dos pratos e das marmitas para atender o fornecimento, tornou-se o ponto de referência de Campo Maior que servia de apoio para todo tipo de encontro, qualquer pessoa da cidade ou não, tivesse que resolver qualquer negócio, lá era o local do primeiro contato, lá se resolviam problemas politicos, sociais, economicos e até jurídicos.
Nas festividades de final de ano, (Natal e Reveillon), a Radar se transformava, ficava toda personalizada a seu modo, preparando-se para aquele momento de muitos campomaiorenses. Aumentava o número de mesas, de garçons, de material para atender a lotação que triplicava, mesmo assim, se você não chegasse cedo ou seja: 7 (sete) da noite, ficava em pé. Era casa cheia. Uma quermesse. Muita gente bonita. Ficava completamente cercada de pontos de vendas com todos os tipos de guloseimas, em seu estacionamento havia mais bicicleta do que carros e motos. A equipe de garçons era a melhor que tínhamos em nossa cidade, eram eles: Moleza, Camilo, Gravatinha, Ox, Nenê e João Maroca, Zé Ibiapina, Chicão, Mancha, Pedro Mangureba e Tarcisio, todos profissionais de primeira linha.
Em 1988, ano de eleição, (quando não se está do lado certo,tudo da errado ) a pressão do prefeito Cezar Melo em querer tirar das mãos do Zé Didôr aquela casa, era uma questão de honra, sempre tentou mas a força deste era maior com a comunidade e o prefeito nunca teve sussesso. Naquele ano quem saiu vitorioso nas urnas foi o Carbureto que ao assumir no ano seguinte (1989) fez um acordo com o Zé Didôr e demoliu a Radar prometendo uma reforma completa em toda a beira do açude na qual incluía uma construção mais moderna para a Radar. Não deu outra, foi enganado junto com os apreciadores das coisas boas de Campo maior.
Atualmente, José Cardoso da Silva Neto, (Zé Didôr), campomaiorense, é reconhecido na imprensa de todo o Brasil e até no exterior por ser proprietário do maior museu do mundo na categoria particular com mais de 70. 000 mil peças cadastradas, entre elas um acervo de objetos que pertenceram à antiga e saudosa Radar como: cadeiras, talheres, medidor de doses, baldes de gelo, fotos etc.
(*) Corinto Araujo Filho é membro da Academia Campomaiorense de Artes e Letras. Fonte: Zé Didor.
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