Elmar Carvalho
9 de junho
A LEMBRANÇA DE BRUENQUE
No meu discurso proferido quando recebi o Título de Cidadão Regenerense, abordei o fato histórico do aldeamento dos índios nesta região. Falei na figura sinistra de João do Rêgo Castelo Branco, de sua fúria feroz e sanguinária na perseguição dos indígenas, e que por isso mesmo foi chamado de El Matador pelo poeta H. Dobal, em poema com esse título. Segundo me contaram, quando estavam sendo feitos os serviços de ampliação da igreja de São Gonçalo, foram encontrados indícios de que o local poderia ter sido um cemitério indígena. Feito esse breve preâmbulo, entrarei no mérito do que quero contar. Fui convidado, pelo presidente João Alves Filho, para fazer o discurso de louvação dos patronos da Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, cuja solenidade aconteceu no dia 29 de maio. A peça retórica foi planejada para ser parte escrita e parte improvisada. Eu teria que falar, entre vários outros, em Bernardo de Carvalho e Aguiar, fundador da fazenda Bitorocara, que deu origem à cidade de Campo Maior. Foi um dos chamados heróis da Conquista e mestre de campo, considerado fundador de outras cidades, no Piauí e no Maranhão. Ressaltei que ele combatera os índios, porém sem a ferocidade e sanguinolência de João do Rêgo, o que desagradava os senhores da Casa dos Ávila, na Bahia. Citei os historiadores padre Cláudio Melo e Afonso Ligório de Carvalho para dizer que ele tinha o respeito dos índios, e que chegou a defendê-los e protegê-los da fúria de seus perseguidores. Porém, quando eu meditava sobre o que ia dizer sobre Antônio da Cunha Souto Maior, que o antecedera no comando das armas do Piauí, e que fora um feroz e brutal perseguidor de indígenas, tanto que foi assassinado numa espécie de rebelião de silvícolas, que estavam sob seu comando, aconteceu um fato estranho, para o qual não desejo emitir opinião, mas apenas dizer enfaticamente que aconteceu. Em Regeneração, cidade ligada aos massacres e extermínios de índios, por causa das deserções ocorridas no aldeamento de São Gonçalo, a que já me referi, resido num dos apartamentos do condomínio Pingo d' Água. Quando mentalizei o nome de Souto Maior, imediatamente minha rede vazia foi sacudida com muita força, e ouvi um ruído de ferros, como se fora um ranger de correntes. Isso foi ao entardecer, quase anoitecendo. Fiquei arrepiado durante um bom tempo. Em meu imaginário, era como se os espíritos dos índios trucidados quisessem protestar contra a lembrança de um homem cruel. Lembrei-me do bravo e indômito cacique Bruenque, em sua luta contra as crueldades, falsas promessas e traições dos seus algozes, cuja saga heroica foi bem relatada pelo historiador Reginaldo Miranda, em seu livro São Gonçalo da Regeneração, que está a merecer nova edição. Julguei que a agitação da rede tivesse sido provocada pela ventilação do aparelho de ar condicionado, mas verifiquei que suas aletas estavam direcionadas para baixo. E por que essa ventilação só sacudira a rede naquele dia e no momento em que pensei nas atrocidades do Souto Maior? Descarto, pela mesma razão, o vento que poderia passar pelas venezianas da janela do quarto, ainda mais porque a porta estava fechada e, portanto, não poderia ser formada uma corrente de ar. É certo que várias explicações poderão ser aventadas. Deixo que cada um fique com a sua. Eu, na minha condição de franco atirador e de não sectário, admitirei todas as possibilidades. Contudo, não me apegarei a nenhuma.
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