Elmar Carvalho
AS PERIPÉCIAS DO CHICO FAZ TUDO
Na cidadezinha interiorana onde nascera todos o conheciam e quase todos, vez ou outra, precisavam de seus serviços. Era o Chico Faz Tudo ou simplesmente Chico. Era contínuo de uma repartição federal, mas, nas horas de folga, fazia quase todo tipo de pequenos serviços e consertos, sobretudo os de instalações hidráulicas e elétricas. Não fizera nenhum curso, nem mesmo de curta duração, mas, ainda garoto, ajudando seu tio, que fazia esses serviços, aprendera, empiricamente, todos os segredos e macetes dessas profissões. Era despachado, diligente, e o que tinha de fazer executava com rapidez e geralmente de forma satisfatória. Levava uma vida relativamente folgada, pois, juntando o seu salário no serviço público, que era fixo, e os ganhos variáveis de seus biscates, podia sustentar a sua família com certo conforto. Tinha casa própria; e tudo que um pobre podia ter dentro de casa ele tinha. Sua vida era do lar para o trabalho, e tudo que amealhava era gasto com a família. Não tinha vícios, nem com jogos, nem com bebidas e nem com mulheres. Entretanto, uma vez por mês, quando recebia o salário de seu emprego, reservava uma pequena parte para fazer uma boa farra. Não gostava da companhia de amigos nesse mister. Ia para um cabaré, bebia umas doze cervejas em companhia de uma mulher dama, e, como de praxe, mantinha duas relações sexuais; uma ao chegar, para se acalmar, e a saideira, ao término da farra. As mulheres gostavam de ficar com ele, porque com o Chico não havia perigo de doenças e de “seixo”, que era o nome dado ao fato de o cliente não pagar pelo serviço sexual. Contava ele que, ao chegar em casa, ainda enfrentava a mulher, uma nutrida matrona de quase cem quilos. Certa ocasião, já um tanto enfastiado do plantel dos dois cabarés da cidade, envergou um terno, montou em sua velha bicicleta Bristol, pesada, toda de ferro fornido, e se dirigiu para a cidade vizinha, situada a quarenta e quatro quilômetros de distância. Resistência tremenda, chegou no destino sem uma gota de suor; chamou logo uma das mulheres e cumpriu o seu ritual de sempre. Após, empreendeu a viagem de volta, já de madrugada. Só que desta feita estava pior do que um bode ensalçado; ao chegar em sua cidadezinha, bateu-lhe uma saudade de uma de suas quengas preferidas, e Chico ainda teve disposição para um novo entrevero. Era realmente muito expedito e inquieto, e fazia ontem o que outros fariam depois de amanhã. Certo dia, foi chamado ao gabinete do chefe. Este era um homem metódico, um pouco autoritário, de fala lenta e pausada, e tinha a mania de interromper o que dizia, para rabiscar algumas coisas sobre um bloco que mantinha permanentemente sobre a mesa. Chico aproximou-se da mesa e ficou de pé à espera da ordem. O chefe levantou os olhos e, pausadamente, como era do seu costume, disse que estava querendo falar com certa pessoa, funcionário da prefeitura, que ficava a dois quarteirões. Baixou os olhos para a mesa e rabiscou algumas garatujas no bloco. Em seguida, voltou a fixar o interlocutor para concluir o recado, quando Chico, tirando o quepe da cabeça, falou: “Pronto, chefe, já dei o seu recado.” O chefe, meio aborrecido, perguntou-lhe como isso poderia ter acontecido, pois ele sequer concluíra o que pretendia ordenar. Chico retrucou que fora, e que tinha como testemunhas fulano e beltrano e o próprio destinatário do recado. Outra opção não restou ao superior senão engolir em seco, e concluir o recado, desta feita sem delongas e sem garatujas.
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