Elmar Carvalho
Atravessamos dias difíceis, conturbados, em que o egoísmo impera desabrido. Já tive ocasião de dizer que o egoísmo em excesso é o pai de todos os vícios, é a matriz de todos os pecados, é o estopim de crimes hediondos. Esse sentimento pode levar o indivíduo a cometer assalto, estupro e latrocínio. Por que? Porque se o indivíduo não tiver outros sentimentos e virtudes, que freiem o seu egoísmo e egolatria, poderá cometer esses crimes e pecados, porquanto o que lhe interessa é a satisfação de seu desejo, de sua vontade. Deseja ter uma mulher, a terá, ainda que para isso tenha que estuprá-la; deseja ter dinheiro, obtê-lo-á, ainda que para tal fim tenha que assaltar alguém ou tenha que matar o seu semelhante. Estamos numa época de muito hedonismo, em que o que interessa é o prazer, ainda que a altos custos, como o uso de drogas ou a agressão à suscetibilidade do outro. Vemos a cada passo os intolerantes, os que não aceitam limites, nem mesmo de um simples semáforo ou o limite de velocidade ou regras de trânsito. São os que têm de passar de qualquer maneira, mesmo arriscando sua própria vida ou, o que é pior, pondo em risco a vida dos outros. Muitos começam dentro de casa, quando forçam seus pais a lhes dar sempre mais, quando ficam a exigir cada vez mais supostos direitos, sem dar a mínima atenção aos seus deveres, mesmo os mais primários. Começam, muitas vezes, com pecadilhos que vão crescendo, que vão aumentando até que se tornam uma montanha de pecados cabeludos, que não raras vezes constituem crimes hediondos. Falei tudo isso como um prelúdio estridente para contar o que se segue.
Faz poucos dias dias minha mulher viu uma cena, quase diria dantesca, no estacionamento de um dos shoppings da capital. Um jovem, já adulto, insistia de forma intransigente para que sua mãe lhe fosse comprar um objeto, que ele dizia ser barato, posto que custava R$ 60,00. A mulher se recusava a ir, dizendo não ter dinheiro disponível. Mas ele não aceitava um não como resposta, e continuava a insistir para que sua mãe fosse comprar o objeto de seu desejo consumista, sempre martelando na tecla de que era um produto barato, uma vez que custava “apenas” a bagatela de R$ 60,00, como se ele, ao considerar arbitrária e unilateralmente um objeto barato, passasse a ter automaticamente o direito de possuí-lo, ainda mais às expensas de sua mãe. A senhora, já começando a gritar, disse-lhe que iria gritar. E como ele continuasse a persistir a mulher, transtornada, completamente fora de controle, emitiu um grito agudo, estridente, um grito de desespero, de desamparo, um grito de socorro, um grito de dor espiritual e de revolta, que ecoou pelo estacionamento, que atroou pelos ares em busca de anjos e santos. Creio que o grito foi semelhante ao que o pintor Edvard Munch tentou expressar no quadro que leva esse título. Ou seria mais semelhante ao que o sublime poeta Rainer Maria Rilke imaginou, quando disse na primeira das Elegias de Duíno: “Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos me ouviria?” Suponho que algum anjo deve ter acolhido o grito dessa mãe desesperada, dessa mãe impotente ante a incompreensão do filho, que na verdade era o seu algoz.
Este é um ponto nevrálgico na relação pais/filhos. Tudo começa na infância. Os pais não sabem dizer "não" aos filhos ainda tenros. Crescem egoistas e desrespeitosos. Felizmente, eu soube dosar os limites e, hoje, vejo com alegria o equilíbrio dos meus filhos.
ResponderExcluirQuanto a tela de Munch, é altamente expressiva, até já a usei para ilustrar um poema. Rita de Cássia.
Muitas vezes, busca-se transferir para os filhos metas não atingidas na mocidade dos pais, por exemplo, a liberdade. É comum adultos que foram criados sem a tão sonhada "liberdade" querem oferecê-la aos seus filhos e assim terem dificuldade em dizer NÃO.
ResponderExcluirO que muitos não são sabem é que não existe liberdade absoluta e sim liberdade relativa pautada em limites e possibilidades.
Peço permissão para reproduzir (para fins didáticos) o registro do diário incontínuo datado de 31 de agosto sob o título O GRITO. (Excelente para ser usado em reunião de pais e mestres)
Caro Prof. Nelson Rios,
ResponderExcluirTenho a máxima satisfação de que vc utilize o meu texto em suas aulas e reuniões. Se ele for útil para que alguém melhore o seu relacionamento com seus pais e seus semelhantes, dar-me-ei por regiamente pago.
Assim sendo, prezado poeta, o texto "O GRITO" será o texto de abertura da formação continuada para gestores escolares que começarei a ministrar no próximo mês em 21 escolas deste Estado.
ResponderExcluirGrato pela concessão. Será de grande valia.
Caro Nelson,
ResponderExcluirPeço que o amigo forneça a esse grupo de gestores o endereço do nosso blog.
Grato por sua atenção e leitura focada.
Seguramente a fonte será divulgada, até mesmo para que outros textos sejam conhecidos e o exercício da leitura de boa qualidade seja praticado.
ResponderExcluirPalavra honrada! Conforme havia me comprometido, fiz a abertura da formação continuada em Gestão Participativa com o texto "O Grito" do ilustre poeta Elmar Carvalho. Quando eu citei o título, alguns relataram ter conhecimento da tela que carrega o mesmo nome, o que aguçou ainda mais a atenção dos presentes. Após a leitura do texto e destaque dos pontos pertinentes à formação, copiei o texto nos "pendrives" dos cursistas e divulguei a fonte, a qual deverá receber algumas visitas em busca de texto de cunho sócio-político nos próximos dias.
ResponderExcluirAproveito a oportunidade para agradecer o prezado vate pela generosa autorização do uso do texto nesta formação continuada.