DOIS POEMAS DE ALCIONE

90 ANOS DE IDADE

ALCIONE PESSOA LIMA

Todos desejam chegar à velhice.

Para uns é um prêmio. Para outros, um castigo.

As lembranças da mocidade às vezes

levam a ressentimentos...

E bate a tristeza ou a doença por

não poder mais fazer o que antes era o seu ofício.

Esquece-se que, em seu gênero,

é tão bom quanto os moços, em seu tempo.

E os seus conselhos aclaram a mente dos ouvintes,

sem esquentar.

Como o sol de inverno.

E se muito aprendeu foi para hoje compreender.

Embora já não dobre os joelhos

e a coluna ver-se uma chama em seu olhar

E um brilho na sua mente que não se apagam.

Pura luz!

E se não chorou por tantos motivos

preferindo calar em sua solidão,

É por que esqueceu-se de afagar o coração

que hoje tanto precisa.

Que bom presenciar um sorriso de um idoso!

Este nunca será velho.

Apenas experiente!

Um privilégio para quem está a caminho.

Como se dizer velho

se ainda não perdeu o interesse?

Como morrer se ainda é amado?

Para que prendê-lo em nossos cuidados

se o que deseja é a liberdade?

Ouçamo-o, apenas.

Será mais valioso.

Aos noventa pode-se tudo.

Até desejar ser uma criança.

Revolver lembranças e falar

somente das mais antigas.

O seu silêncio não pode ser igual

ao dos moços que pouco têm para dizer.

Não deve haver um tédio recíproco.

Delicio-me numa dialética com um ancião

que se recusa a apagar a mente.

Pois brilha a cada palavra que de sua boca sai.

Aos noventa ainda há poesia.

Que rima com alegria.

Prêmios de Deus por viver tanto.

FILOSOFIA DE VIDA

ALCIONE PESSOA LIMA

O meu otimismo moderado reflete uma sincera filosofia de vida que adotei...

Apenas uma dialética da alma...

Não se perdeu o entusiasmo, tampouco os cuidados necessários à tranqüilidade do meu ser.

De algumas coisas me queixo, de outras lamento...

Não diria que nada perdi...Sei que muitas vezes deixei de ganhar.

Tudo é apenas uma satisfação, sem acomodação...

Não passa ilesa a sofreguidão dos sentimentos...

Fica marcada nas entranhas do coração, como escrita rupestre.

Seja triste ou alegre.

Conta, assim, aquele sorriso de sempre, aquela amizade eterna...

Cabe guardar em um baú secreto as lembranças que vale a pena serem revividas...

Em silêncio, a reconstrução, a ratificar um pacto do passado...

E tentando ao dormir escondê-lo em um canto da mente, trai-me um sonho, que o escancara, sem dó.