quarta-feira, 30 de novembro de 2011

QUATRO POETAS DO PIAUÍ


CANÇÃO MELANCÓLICA

Clóvis Moura

Nasci coberto de luas.
Minha mãe silenciou:
vai ser poeta das ruas,
e o vaticínio acertou.
Por isto nas praças públicas
meu verso se faz fumaça,
ama o silêncio, a penumbra
que os cadáveres fabricam
ou o riso emurchecido
dos vagabundos notívagos.
Dentro da noite navego
no meu barco sem comando
enquanto o mundo transita
em um mar feito de gritos.
Solto nuvens sonolentas
com o meu verso de fumaça:
que importa se ele naufraga
se sou poeta que passa?
A Santa me olha solene:
será Saudade ou tristeza?
Fico perdido na dúvida
e me duplico: incerteza.

Por isto é que sou poeta
pois a mãe sentenciou:
não caminho em linha reta
e fujo do que já sou.

Extraído de LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


A MÃO DO DIABO

Elmar Carvalho

João Brígido era dono de seu próprio caminhão, financiado pelo Bradesco. Era trabalhador como poucos o são. Algumas vezes, para não atrasar as prestações, fazia uso de comprimidos contra o sono, conhecidos como arrebites. Quando de folga, em Picos, gostava de ir a algum cabaré ou ponto de encontro, para beber e ficar com alguma mulher. Não raras vezes, ainda estava sob efeito do arrebite quando começava a ingerir bebida alcoólica, o que lhe deixava bastante eufórico e “fora de tempo”, como se estivesse numa quase desgovernada “banguela”, ladeira abaixo. Sóbrio, não havia melhor pessoa, mas tomado pelo álcool era um tanto turbulento, precipitado, impulsivo e por vezes temerário, já tendo se envolvido em brigas e confusões.

Numa dessas vezes, já bastante alcoolizado, e ainda sob o efeito de energético, que potencializou o efeito da bebida, foi até sua casa, onde morava em companhia de sua mãe, uma velhinha viúva. Fora pegar mais dinheiro para gastar num cabaré situado perto do povoado Gaturiano, na beira da BR. Guardou a chave num jarro, colocado sobre um móvel. Tomou um banho, às pressas, e retirou parte do dinheiro que guardava para pagar a prestação do carro. Sua mãe implorou para que ele não saísse, tanto porque ele já estivesse embriagado, como para que ele não gastasse o dinheiro que mal dava para pagar a parcela. O caminhoneiro se irritou com a mãe, e disse que nem o diabo o impediria de voltar ao cabaré. A velhinha, abraçando-se a ele, pediu-lhe, pelo amor de Jesus, que se deitasse um pouco, até cessar o efeito da embriaguez. Mas ele deu um safanão em dona Florisa, e foi à procura da chave. Não a encontrou onde supunha tê-la colocado. Imediatamente achou que sua mãe a escondera, e perguntou, aos berros, onde ela a escondera. A mulher disse não ter feito o ato de que era acusada, e o abraçou novamente, sendo repelida com um tapa na face.
- Tenho fé em Cristo que a tua mão não mais se levantará contra mim, disse a velhinha a chorar.

Como um furacão, a quebrar e a derrubar objetos, João Brígido terminou encontrando a chave da “jamanta” no mesmo jarro em que a pusera. Saiu como um louco, dirigindo apenas o “cavalo” da carreta, em alta velocidade, para chegar logo ao Beleza da Rosa, onde Helena o esperava. Tirou o cd de Roberto Muller, que ouvia, para colocar um de Bartô Galeno. Acelerou mais ainda, enquanto procurava a faixa da música que dizia – “no toca-fitas de meu carro uma canção me faz lembrar você”. Embotado pelo álcool e pela ansiedade de chegar logo ao cabaré, onde o aconchego e o perfume de Helena o esperavam, resolveu ouvir um cd de Roberto Carlos, que falava nos perigos das curvas da estrada de Santos. Não percebeu os perigos dos picos e das curvas picoenses, cego pelas belas curvas de Helena, que voluteavam em sua cabeça; perdeu o controle, e não conseguiu fazer a curva fechada. Precipitou-se no abismo, arrancando com o forte impacto a barreira metálica de proteção.Por não estar usando o cinto de segurança, foi sacado da cabina. O aparelho de som ainda tocava Roberto Carlos, a grande volume, quando as primeiras pessoas vieram tentar socorrê-lo.

Por mais que a procurassem, não lhe encontraram a mão direita. Surgiu então a lenda urbana picoense de que ela fora amaldiçoada pela mãe espancada, e que, por isso, o diabo a carregara juntamente com o espírito do caminhoneiro João Brígido. Conquanto as lágrimas e o clamor maternos desmentissem tal mistificação, a lenda ficou cristalizada no imaginário popular.



Caro Elmar:

Muito bom seu relato que guarda alguns componentes do sobrenatural, o que empresta ao texto ficcional aquele necessário estado de expectativa na mente do leitor que, graças à utilização, por parte do ficcionista, da boa e velha técnica dos narradores de estofo tradicional, aos poucos vai se envolvendo – este , a meu ver, é um dos mais caros objetivos estéticos e perseguidos pelos narradores em todos os tempos -, com o fascínio do relato e termina por se surpreender com o seu desenlace, contentando, assim, a curiosidade do leitor.
Outra vantagem do texto seu consiste no cuidado de ajustar a estória(história ) a um ambiente ou atmosfera adequada ao relato. É desse poder conquistado pelo narrativa que você consegue motivar o leitor a continuar a ler, enlaçando-o ao canto de sereia que não é mais do que o testemunho de um narrador dotado do domínio e da capacidade de saber usar a linguagem e transformá-la em matéria literária.
Você, com seus textos, com o seu conhecido "Diário Incontínuo", vai prosseguindo com o firme propósito de alcançar seu antigo projeto em prosa, o de dar ao leitor a oportunidade de bons momentos de leitura, de demonstrar que também sabe manejar os fios da ficção e de torná-la atraente, sedutora, tendo como espaço físico e humano o cenário, a paisagem, os costumes e modos de vida do povo piauiense.
Entre parênteses; As postagens de autores diversos que você insere no seu Blog são também uma forma de divulgar os valores de autores piauienses e, nos limites sem limites cibernéticos, você presta um tributo à inteligência do Piauí.
Que seu Blog sempre frutifique é o desejo do seu amigo e conterrâneo

Cunha e Silva Filho

domingo, 27 de novembro de 2011

A TERRA PROMETIDA


ALCIONE PESSOA LIMA

Amanhece e o galo canta
E a cidade se levanta tão cedo...
Ruma ao mercado, ao cercado, ao trabalho...
Segue o atalho da vida. 
Anoitece e a cidade é festa...
É forró, é seresta ou roda de São Gonçalo.
Até que o galo cante outra vez.
Há histórias prá contar...
Uma Santa prá louvar...
Um destino a traçar.
É um chão de muitas bênçãos!
Tem poeta, tem doutor, político e professor...
E quem ficou nesta terra: o amigo lavrador.
E outros que nela chegam
Traçam também seu destino...
É padre, é pastor, é poeta, 
Novo, velho, menino...
Conheço as suas raízes
Veredas e matizes...
Sonhos? Talvez.
Por isso a adotei de uma vez.
Angical, do Médio Parnaíba uma flor...
Que em dia de carnaval deu-me um grande amor
Pra ser feliz, afinal.

sábado, 26 de novembro de 2011

O S F U N D A D O R E S - ÉDISON DA PAZ CUNHA


REGINALDO MIRANDA

Nasceu Édison da Paz Cunha no dia 15 de dezembro de 1891, na cidade de Teresina, Capital do Estado do Piauí, filho de Corina da Paz Cunha e do intelectual Higino Cícero da Cunha.
Iniciou as primeiras letras em sua terra natal, cursando os estudos regulares no Liceu Piauiense. Em 1908, mudou-se para Recife, matriculando-se na Faculdade de Direito, onde se formou no ano de 1912, aos 21 anos de idade. Nessa época deixou-se impregnar pela idéias filosóficas agitadas sobretudo por Tobias Barreto e Silvio Romero. Durante os anos de estudos no Recife, morou em repúblicas de estudantes com outros piauienses, entre esses: Cristino Castelo Branco, Antonio Francisco da Costa e Silva, Simplicio Mendes, Odorico Rosa, Esmaragdo de Freitas, Jaime Rios, Nogueira Tapety, Corinto Andrade, Lucídio Freitas, Hugo Napoleão e Giovanni Costa, todos figuras de realce na carreira jurídica e na vida literária, política e social do País. Ainda ao tempo do Recife, foi nomeado secretário do Liceu Piauiense e para um cargo na Secretaria de Governo do Piauí.
De regresso a Teresina, ingressou no magistério e militou com destaque na advocacia e no jornalismo. Atuou com desenvoltura nos jornais Coelho Neto(1912), Correio de Teresina(1913), A Cultura, Habeas Corpus(1916) e O Piauí(1916); também, na revista de letras e humorismo, Chapada do Corisco(1918) e na Revista da Academia Piauiense de Letras(1918). Professor de português em diversas escolas. Na carreira jurídica, exerceu com destaque a advocacia, assumindo também os cargos de Subchefe de Gabinete do governador Eurípides de Aguiar (1917 – 1920) e diretor da Imprensa Oficial do Estado. Em 1917, em face da Guerra Mundial, foram realizadas em Teresina diversas conferências de cunho “cívico e patriótico”, entre essas “A América na luta”, proferida por Édison Cunha. Nesse mesmo ano participou ao lado do pai, da fundação da Academia Piauiense de Letras, tomando assento na Cadeira n.º 05. Foi o primeiro bibliotecário da nova instituição, onde se demorou por alguns anos, organizando com esforço e determinação a sua biblioteca.
Mais tarde, ingressou no Ministério Público, assumindo o cargo de Promotor Público da comarca de Parnaíba, para onde se mudou por volta do ano de 1923. E ali se radicou pelo restante da vida, constituindo família. Em Parnaíba continuou sua atividade no magistério, como professor de Português do Ginásio Parnaibano por longos e dilatados anos. Seu ex-aluno Manfredi Cerqueira, que ainda o encontrou nesse estabelecimento de ensino, no ano de 1938, quando ali se matriculou, testemunhou: “Inteligente, culto, humilde, consagrado como Professor e Advogado, possuía ele, com certeza, belas virtudes que lhe exornavam a rica e forte personalidade. (...). Excelente professor, sabia como nenhum outro, estabelecer uma impressionante empatia com os alunos. Era um autêntico educador, na ampla acepção do vocábulo. Com rara habilidade, sabia formar e plasmar consciências voltadas para o Bem”(Os fundadores, p. 132). Continuou também sua intensa atividade na imprensa, atuando nos jornais A Pátria(1923), Gazeta da Parnaíba(1923), Almanaque da Parnaíba(1923), A Tribuna(1924), A Verdade(1924), A Praça(1927) e A Voz da Parnaíba.
Édson Cunha escreveu pouco, sua grande paixão foi mesmo o magistério. Publicou apenas Razões Finais(1941), em co-autoria, Correspondência para você(1943) e Vozes Imortais(1945), esta última um misto de biografias, comentários e criticas em torno da Academia Piauiense de Letras. Deixou esparsos algumas poesias e discursos.
Édison Cunha faleceu em 1973, na cidade de Parnaíba, onde está sepultado.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

Ivanildo Di Deus, Assis Brasil, Elmar Carvalho e João Pinto




25 de novembro

AINDA O FESTIVAL LITERÁRIO DE LUZILÂNDIA

Elmar Carvalho

Na minha palestra no I Festival Literário das Águas, em Luzilândia, ao discorrer sobre entretenimento, disse que os audiovisuais dominam os consumidores de forma avassaladora, seja através da televisão, seja através da internet, ou ainda nas salas de exibição de filme. Na TV são exibidas as novelas, que alguns entendem como sendo uma espécie de literatura, algo semelhante aos antigos folhetins, que eram romances publicados de forma seriada a cada edição do jornal. Vemos ainda nesses meios de comunicação os clipes de música e, mais raramente, os de poemas, com legendas ou sem legendas. A música faz dobradinha com imagens, sejam fotográficas (fixas) ou cinematográficas, enquanto o poema pode ser divulgado de forma escrita e/ou falada, com acompanhamento de fundo musical e imagens. Referi-me às pavorosas músicas de hoje, de letras escabrosas, de péssimo gosto, de duplos sentidos, geralmente de cunho sexual grosseiro, muitas vezes ofensivas às mulheres, que ainda vão aplaudir esses “artistas”, que antes chamaria de empulhadores e impostores da arte musical, em suas apresentações pagas.

Observei que na virada do milênio, em que o imaginário popular se exacerba com catastróficas previsões apocalípticas de teólogos, místicos e mistificadores, ganhou terreno a literatura de auto-ajuda e a que explora o filão do misticismo, geralmente eivada de apelativas filosofias e sabedorias de vida, em que é explorada a religiosidade das pessoas mais simples e menos instruídas, de pouca visão crítica. Também dentro desse contexto pretensamente místico, surgiram umas crônicas de caráter edificante ou moralizante, como as antigas fábulas, que tinham uma lição de vida ou fundo moral, a chamada moral da história. Geralmente, são impregnadas de sentimentalismos e apelos emocionalizantes, não raras vezes citando conhecidos escritores e filósofos, com que pretendem dar lições de caridade, generosidade, perdão e sabedoria de vida. Nesse aspecto, parecem sucessoras dos textos dos antigos moralistas. Embora como literatura possam não ser grande coisa, contudo cumprem bem a sua finalidade utilitarista de disseminar as suas pregações.

Entretanto, pelo que tenho lido e observado, o leitor de internet não gosta de textos longos, talvez até porque lhes falte a comodidade e mobilidade que um livro impresso permite, porquanto pode ser lido com a pessoa sentada numa cadeira ou num vaso sanitário, deitada numa rede ou numa cama, sem necessidade de fios e de liga/desliga, de conexões, plugues e outras parafernálias. Desse modo, imperam na grande rede os textos curtos, superficiais, com muitas ilustrações, sejam fotográficas ou produtos da arte plástica. De qualquer sorte, os profetas do fim do livro de papel ainda não tiveram êxito em suas predições. Mas seja no suporte impresso, de papel, seja no suporte de um monitor internético, a literatura é feita com palavras, alinhavadas em frases, e terão que ser lidas do mesmo modo como sempre foram. Engenhocas estão sendo inventadas e aperfeiçoadas para a leitura dos chamados e-books, que tentam imitar o livro, seja na opacidade e textura da tela, no tamanho, peso e formato, e na mobilidade e comodidade, que pretendem proporcionar.

De minha parte, sem ganância, sem açodamento e forçações de barra, tenho divulgado meus textos, ao longo de muitos anos, através de diferentes modos e suportes, como jornais, livros, revistas, cartões postais, cartazes, baners, rádio, televisão, performances, clipes, blogs, sites, projetores, aparelhos de data show, etc. Mas sempre que houvesse receptividade e eu fosse bem-vindo ou bem-ido, e jamais como uma persona non grata, que estivesse querendo empurrar seus “produtos” goela abaixo do receptor/leitor.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO

Ivanildo Di Deus, Assis Brasil, Elmar Carvalho e João Pinto


24 de novembro

NO I FESTIVAL LITERÁRIO DAS ÁGUAS

Elmar Carvalho

No sábado, estivemos em Luzilândia, eu e o romancista Assis Brasil, onde falamos sobre literatura contemporânea e entretenimento. Em virtude de que o ilustre escritor morou fora do Piauí desde os seus tempos juvenis, e que somente há uns três anos fixou residência em Teresina, aproveitei a viagem de ida para lhe comentar algumas coisas sobre as paragens que íamos vendo, bem como sobre a história das cidades pelas quais passamos, mormente José de Freitas e Barras. Perguntou-me sobre a origem da denominação da primeira. Falei-lhe sobre o homem que lhe deu o nome, o português José Rodrigues de Almendra Freitas, e fiz uma rápida síntese de seus principais descendentes. Fiz referência ao chalé, onde residiu José de Freitas, ao morro de Fidié, que tantas vezes escalei em minha meninice, ao açude Pitombeira, tão prenhe de beleza bucólica, com a parede repleta de criolis, e a antiga fazenda Ininga, fonte de lendas e mistérios, onde nasceram figuras históricas do Piauí, como o engenheiro Antônio José Sampaio e o seu irmão padre Sampaio, confessor da princesa Isabel. Essa vetusta casa-grande foi adquirida pelo ator e professor universitário Paulo Libório, que a restaurou, e pretende transformá-la em espaço cultural e museu.

A respeito de Barras disse o que quase todo mundo sabe: ser ela terra de governadores e intelectuais, que importantes personalidades legou à história de nosso estado. Ao passarmos pelo seu memorial, contei a Assis Brasil a tragédia da finada Alda, que teve o busto esmagado pelo pneu de um ônibus, no dia de seu casamento, quando se dirigia em seu cavalo para o local das bodas. Em razão de atravessarmos as pontes do Longá e do Marataoã, não pude deixar de falar das barras que lhe originaram o nome, e que cantei no meu poema Barras das Sete Barras. Falei de outras coisas de caráter pessoal, em referência a minha ligação com essas duas mimosas cidades, que não desejo agora relatar. 

As nossas palestras foram de improviso. Abrilhantaram a mesa, o Ivanildo Di Deus, coordenador do evento, que fez a apresentação dos palestrantes, e o escritor João Pinto, notável contista, que fez importantes intervenções, como mediador. Como chegamos com um pequeno atraso, procurei resumir o que tinha a dizer, pois preferi que a estrela maior de nossa literatura atual tivesse mais tempo e não pegasse a assistência cansada e entediada com a minha peroração, o que felizmente não ocorreu, porquanto os ouvintes e estudantes se mantiveram atentos durante as duas locuções, inclusive com participação no momento dos debates. Não fiz citações de nomes; apenas procurei demonstrar que a literatura, assim como ocorre na ciência, nas invenções, nas descobertas e nas demais manifestações artísticas e culturais, é uma transmissão de conhecimentos e experiências por intermédio da sucessividade das gerações, que deixam seus legados para os pósteros.

Por conseguinte, invocando Eclesiastes, onde está a advertência de que nada há de novo sob o sol, deixei claro que muitos modismos literários já existiram no passado, ainda que sob outra denominação, ainda que sob outra roupagem. O chamado poema visual não é absolutamente novo, porquanto num passado não tão distante tivemos o concretismo, em que a disposição das palavras no branco da página buscavam o aspecto plástico. Por outro lado, o carmem figuratum, que foi praticado pelo nosso Da Costa e Silva, na sua vertente experimental, remonta aos antigos poetas do classicismo. A meu ver, o recurso visual não pode olvidar o componente discursivo, pois se chegasse ao exagero, ao paroxismo, certamente deixaria de ser poema, para ser um artefato qualquer das artes plásticas, e não mais da literatura, uma vez que esta se faz com palavras, com linguagem. Ousei dizer, nominando as exemplificações que dei, que os próprios super-herois das recentes histórias em quadrinhos muito bem devem ter sido inspirados em deuses e semideuses da mitologia grega. Mostrei as evidências e similitudes.

Acrescentei que apenas Deus cria do nada. Entretanto, como advertência e conselho, expliquei que todo artista, inclusive o da palavra, deve buscar com todas as forças a possível originalidade, sem contudo esquecer a “contribuição milionária” de todas as escolas, de todas as correntes, de todos os “ismos”. Até porque mesmo a mais radical vanguarda poderá chegar a um impasse, e tornar-se repetitiva e esgotar-se, se não buscar a renovação em outras fontes e vertentes, pois é certo que todo novo envelhece, que toda a novidade, com o tempo, deixa de sê-lo. Citei o escritor português Correia Garção, que não negava imitar Horácio e Virgílio, além de outros, mas que, no entanto, ressalvava que quem imitasse devia procurar fazer suas as imitações. Contudo, digo eu, devemos procurar o nosso próprio caminho, devemos nos manter fiéis a nós mesmos, à nossa individualidade, às nossas idiossincrasias.

Assis Brasil, embora seja contido na conversação, como já tive ocasião de observar, talvez porque sabiamente prefira mais escutar que ser ouvido, a recolher material para seus contos e romances, nas estórias e experiências que escuta, é um mestre da conferência. Falou sem titubeios e vacilos, sem nenhuma anotação, sem nenhuma consulta a livros. Embora homem de seu tempo, conhecedor dos grandes escritores da modernidade e da contemporaneidade, e ele próprio seja cultor do que existe de mais atual, afirmou que suas pesquisas apontam no sentido de que o romance nasceu na Grécia antiga, e não apenas no século XVIII, como alguns teóricos afirmam. Foi uma bela lição, que muito me enriqueceu, e que bem mereceu o caloroso aplauso da plateia.

Após sua palestra, observei-lhe que a Odisseia e a Ilíada, ambas do velho Homero, eram verdadeiros romances em versos, posto que são narrativas ficcionais de longa extensão, com muitas peripécias, cenários e entrechos, com o que ele concordou. Ainda mais quando a tradução é vertida em prosa. De tudo isso recolho a lição de que nada é inteiramente novo nem inteiramente velho; que tudo está em permanente mudança e renovação; que a tradição deve ser reinventada, e que a invenção deve ser conservada, e algum dia será tradição. Nada há de novo sob o sol, exceto o próprio sol, que a cada dia se renova, se transforma e permanece.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

J. L. Campos Jr.: um mestre notável


CUNHA E SILVA FILHO

Da sua biografia pessoal, familiar, de sua formação primária, secundária, superior nada sei, infelizmente. Somente sei, por informações contidas nas edições do autor, que estudou inglês em Nova Iorque, provavelmente no final da segunda década do século passado, pelo “American Progressive Method”, método cuja abordagem desconheço nem tampouco por qual escola ou curso ou universidade era ministrado, bem como detalhes sobre seus professores, duração do curso, assim como período em que o jovem estudante permaneceu na América do Norte. Só posso deduzir que, em virtude da época em que atuou José Luís Campos Jr, o que aprendeu com os americanos equiparava-se ao chamado método de tradução, versão, gramática, exercícios gramaticais, conversação, ou seja, a abordagem já aproveitava o que anos depois, com o direct method, do início década de trinta, iria utilizar. De resto, foi precisamente em 1932, que o Externato Pedro II introduziu esse novo método por iniciativa, conforme dá notícia num prefácio a um dos seus livro da série From facts to Grammar(Editora Globo) outro grande autor didático de língua inglesa, J. de Mattos Ibiapina, do Colégio Militar, do Dr. Henrique Dodworth, diretor do Externato Pedro II, e por sugestão do filólogo e professor Dr. Delgado de Carvalho.Segundo o citado J. de Matos Ibiapina, o novo método atualizaria nas escolas brasileiras o que se estava fazendo no ensino de idiomas modernos nos países cultos.
O novo approach consistia em elaborar o livro didático todo em inglês, e exigir que, por sua vez, o professor, o chamado lente de então, ministrasse as aulas em inglês. Aboliu-se a tradução. Na prática docente, porém, alguns professores não seguiam à risca o direct method, na maioria das vezes porque eles mesmos não dominavam o inglês falado nem perspectiva, por parte das autoridades do ensino público, tinham, com poucas exceções, de aperfeiçoar-se no exterior.
No direct method valorizava-se a conversação, o que, de alguma maneira, o aproximava da abordagem mais recente no ensino de línguas, a communicative approach, que possivelmente ainda se vem firmando cada vez mais entre os professores de inglês. O professor J.L. Campos Jr., que vem de mais longe, aderiu ao direct method mas adaptando-o à sua visão pedagógica, porquanto nos seus livros escritos só em inglês, como é exemplo a serie em três volumes, The máster key, ainda se utiliza de exercícios de tradução e versão, mas não como aspectos dominantes de apredizagem.
Os livros de J. L. Campos Jr. eram sugestivos, bem dosados, interessantes, ilustrados, em suma, eram obras escritas com competência didático-pedagógica que muito devem ter ensinado a gerações de estudantes pelo país afora.
Nem mesmo sei se é de São Paulo, nem quando nasceu e faleceu. Nunca vi uma foto sua ou da família. Provavelmente seja de São Paulo, se levar em conta que deve ter passado a maior parte da vida lecionando, em diversos colégios da capital paulista e tendo seus livros, se não incorro em erro, sido publicados por editoras de São Paulo, com exceção do primeiro, que foi editado em Nova Iorque, em 1916, cujo título é The entertainer . O professor Campos Jr. também teve seu próprio curso, o Curso de inglês Washington Irving , na Rua Bento Freitas, São Paulo. Não sei por quanto tempo funcionou esse curso. Suponho que por muito tempo e que tenha tido muito sucesso.
Só sei que o primeiro contato que tive com o nome do autor foi através da biblioteca de meu pai, em Teresina. Estava mais ou menos nos meus quatorze anos, ou menos, não sei bem, quando, examinando livros de papai - eu tinha este costume -, naquele quarto que uma vez chamei de “quarto-biblioteca”, lá encontro um dos livros de J. L. Campos Jr. Era uma edição velha com páginas faltando do How to learn English, publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre. A edição datava possivelmente dos anos quarenta. Estava com muitas páginas iniciais faltando.
Em 1964, a trouxe para o Rio comigo. Depois, a perdi não sei onde, mas encontrei um exemplar dela mais novo, a edição de 1956, da mesma Editora Globo, que, nos anos setenta, mandei encadernar.
Aqui, no Rio de Janeiro, passando por um sebo do Centro, vi um outro titulo do autor, Let’s speak English, edição antiga, publicação da Livraria Editora Pauliceia, São Paulo, sem indicação da data da edição.
Em casa, vendo, página por página, verifiquei que estava faltando uma página e havia, em outra parte do livro, uma página com a extremidade inferior esquerda contendo um rasgão, impedindo de ler na sua inteireza a página e o verso. Fiquei chateado, mas não fui reclamar com o vendedor.
Uma vez, indo à Biblioteca Nacional, de repente me bateu a ideia de saber se ali havia um exemplar do Let’s speak English. Com alegria o encontrei. No entanto, me lembrei que teria que ir outra vez à Biblioteca a fim de copiar à mão as duas páginas que estavam faltando. Assim o fiz: voltei à Biblioteca Nacional e copiei, em duas folhas de papel, os textos que faltavam. Ótimo!
Ainda hoje, no meu velho exemplar encadernado ( aliás encadernação feita com esmero por um antigo aluno meu de um curso preparatório na Penha, bairro carioca), estão inseridas as duas folhas de papel contendo os textos que faltavam. Estas duas folhas, hoje, já estão amarelecidas e mesmo em alguns pontos, rasgando-se. Como o tempo é implacável!
Estão, agora mesmo por sobre a minha escrivaninha onde digito esta crônica.. Releio-as e observo que a minha antiga letra está firme e legível. Apesar do computador, ainda faço muitos textos à mão, em seguida, o digito.Não posso perder o contato com a escrita manual. Seria um desastre!
Além dos livros citados, J. L. Campos escreveu outras obras importantes didáticas sobre a língua inglesa. Tenho quase todas elas, pelo menos as mais importantes. Entre as editoras que deu a lume suas obras , contam-se a Companhia Editora Nacional, que publicava, sob a direção de Fernando de Azevedo, um grande número de bons livros didáticos da sua chamada Biblioteca Pedagógica Brasileira, as Edições LEP LTDA., que, inclusive, publicou o monumental Dicionário Inglês-Português, ilustrado pelo próprio autor, o que significa que era também um artista, um desenhistas de mão cheia. A preparação desse dicionário custou ao autor oito anos de pesquisa lexicográfica num trabalho hercúleo feito individualmente. A aquisição dessa obra juntamente com outra, Correspodência comercial inglesa, estão ligadas, por laços de afeto e de amor, às minhas memórias biográfico-bibliográficas e sobre elas já escrevi uma crônica publicada nesta Coluna.
Se algum ex-leitor, ou familiar descendente de J. L. Campos Jr. por acaso me lerem este texto, e queiram me subsidiar com algumas outras informações, muito antecipadamente agradeço a deferência.
Que o leitor me desculpe pela mania de querer prestar homenagem a livros e autores do passado que me deram e ainda estão me dando como o fez J. L. Campos Jr. e outros mais, uma grande contribuição no que se refere à minha formação intelectual no estudo de línguas da minha preferência, sobretudo em época que era tão difícil procurar aprimorar-se em idiomas, pois não contavam os jovens com as facilidades que hoje têm, com a Internet e as possibilidades de aprender línguas estrangeiras, com cursos de todos os tipos, espalhados pelo planeta e com tantos recursos pedagógicos oriundos dos avanços dos estudos de linguística aplicada, professores mais atualizados tecnicamente, com livros didáticos já contemplando as vantagens eletrônicas tão distantes dos queridos livros didáticos de antigamente.
Já disse alhures que os meus grandes autores didáticos de ontem fizeram milagres com os parcos recursos de que dispunham, contando só com o talento e a sabedoria que, graças a Deus, neles sobejavam.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

QUATRO POETAS DO PIAUÍ


INVERNO


H. Dobal

Debaixo de chuva os campos anoitecem
preparando a sua ressurreição.
Amanhece com o dia a vida nova
na sangria dos açudes,
nas veias abertas dos riachos.

Chuva cantando nas folhas
água correndo,
água nova cantando no chão.
De novo o resplendor da vida restaurado
num concerto geral
que pássaro nenhum, nenhum instrumento,
nenhuma garganta de homem ou mulher
jamais pode alcançar.

Extraído de LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

RONALDINHO & FLAMENGO


Charge: Gervásio Castro

O Gervásio Castro me enviou a charge acima por e-mail, acompanhada da mensagem abaixo:

Meu caro Elmar,

lembra das juras de amor eterno do Ronaldinho pelo nosso MENGO? O gaúcho, rapidamente, virou carioca e voltou a jogar com a alegria que marcou seus melhores dias de sua brilhante carreira, lá no Barcelona. FLA e R10, uma parceria perfeita!
Receita pra acabar tudo isso: três meses de salários atrasados.Acabou o milho, acabou a pipoca.

domingo, 20 de novembro de 2011

MÍSTICA I



MÍSTICA I

Elmar Carvalho

Arrebatado por um carro de fogo
eu próprio em fogo transformado
os céus galguei
as fúrias todas como louco aplaquei
e a escada cintilante de Jacó
passo a passo subi.
Devassei as vísceras mecânicas
da baleia do profeta
e a gênese do primeiro
átomo desvendei.
Penetrei o caos primacial
e o primeiro vagido
da vida escutei.
E Deus estava lá
por trás de tudo:
logo após em regressão
a explosão do átomo primordial.

sábado, 19 de novembro de 2011

O S F U N D A D O R E S - ANTONIO CHAVES


REGINALDO MIRANDA



               Antonio Chaves era um teresinense típico, tendo nascido nesta cidade em 1882.
Encetou todos os seus estudos em Teresina, começando a trabalhar desde cedo. Ao falecer exercia “um alto cargo na vida pública”, conforme consta no obituário publicado no Diário Oficial do Estado(23.02.1938).
Dedicando-se às musas desde a mocidade, estreou em livro no ano de 1907, aos 25 anos de idade, com o volume de versos Almas Irmãs, em parceria com os também poetas Celso Pinheiro e Zito Baptista. Dois anos depois dá à publicidade um opúsculo de versos intitulado Poemas de Mágoas(1909). Todavia, consolidou seu nome na literatura somente em 1916, com a publicação de Nebulosas, obra bastante apreciada pela crítica. Desde então continuou a compor poesias, porém sem mais lançar livros, deixando-as inéditas umas e outras esparsas em jornais da época.
Na imprensa, Antonio Chaves militou desde cedo, colaborando nos jornais Arrebol, Alvorada e Correio de Teresina. Por algum tempo, dirigiu o Diário do Piauí.
Conferencista dos mais aplaudidos, proferiu diversas conferências sobre temas variados. Em 1917, foram realizadas em Teresina diversas conferências sobre a Guerra, tendo Antonio Chaves proferido uma intitulada “Amor à Pátria”(13.12.1917). Nesse mesmo ano, consagrado como poeta, Antonio Chaves participa da fundação da Academia Piauiense de Letras, tomando assento na cadeira n.º 8.
Antonio Chaves foi casado com dona Maria José Neves Chaves(D. Zezé), parenta de Abdias Neves, e que lhe sobreviveu. Faleceu às 19h30 do dia 22.02.1938, com 55 anos de idade, em sua residência situada à Rua 13 de Maio, centro de Teresina, vítima de um insulto apoplético, depois de alguns dias prostrado. Deixou três filhos, conforme informações da época: a) Zulma Chaves, escriturária da Diretoria da Fazenda; b) Maria Ligia, concludente do Liceu Piauiense; e, c) Osvaldo Chaves, acadêmico de agronomia em Piracicaba(SP). Restava-lhe ainda uma irmã, dona Bilu Chaves, que também lhe sobreviveu.
O poeta Antonio Chaves era também um homem prático, conforme testemunhou Celso Pinheiro, servindo “a família, à sociedade, ao serviço público e às letras” (Revista da APL n.º, 17, 1938).
Discursando à beira de seu túmulo, em nome da Academia Piauiense de Letras, lembrou o referido poeta Celso Pinheiro:
O senso prático te não abandonou jamais às vicissitudes da vida. Foste um destemido e um forte, pela bravura com que lutaste com os gladiadores terrenos. A formiga, em ti, não obstante a sisudez e o utilitarismo, senão importunou com a bonomia da cigarra. Antes, o contrário, completavam-se, integravam-se, admiravelmente, que vale a pena uma colherinha de sonho à chávena da vida...
Ademais, só quando a formiga repousava sobre o seixo das fadigas, é que a cigarra estendia, no teclado das tuas cismas, os seus cadernos de música. O sono da primeira tornava-se assim mais doce e mais profundo sob o acalentamento da última. Após haver esgotado os amavios da noite, o teu trabalho era mais eficiente e seguro, mais límpidos os teus cuidados, mais harmoniosas e justas as tuas aspirações. (...).
Não foste dos que, como eu, se esquecem das agruras da fome, por ouvir os acordes trêmulos da flauta. As tuas horas de enlevo sugeriam ramas enfloradas sobre o velho muro sombrio da previdência. Semeaste sonhos e colheste realidades. Foste encantador e foste austero” (Revista da APL n.º 17 ,1938).
Alma sensível à harmonia misteriosa da poesia, Antonio Chaves, apesar da dispersão do seu espírito, realizou entre nós uma apreciável obra de arte, cujos encantos e cujas vibrações perpassam agora evocativamente em nossa imaginação como um raro perfume que se evola num ambiente de melancolia e recordação.
Os seus versos de forma irrepreensível e de tocante inspiração, aí estão e estarão para falar do vate magnífico que os burilou na oficina privilegiada da inteligência e da concepção” (D.O.E, 22.02.1938).
Poeta, jornalista, conferencista, polemista, orador, Antonio Chaves deixou de si uma memória honrosa. Fazemos nossas as palavras do acadêmico Celso Pinheiro, à borda de seu túmulo: “Nós, os da Academia, nós te saudamos no limiar da morte, sem temores e sem susto. Nós, os teus irmãos de sonho e de quimera, como o fizemos outrora ao nosso irmão maior, o Cristo, como o fizemos à santa dos poetas, a encantadora Teresinha de Lisieux, nós te saudamos, iniciado da glória, inclinando sobre o teu corpo as chamas de nós mesmos, como um testemunho de imortalidade, sob o áureo pendão azulescente dos céus...”(Op. cit).

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Não brinquem com a Profecia



José Maria Vasconcelos, cronista
josemaria001@hotmail.com

De repente, chuvas torrenciais e fortes ventos desabaram, desde início de outubro aos primeiros dias de novembro, rompendo a tradição, por essas bandas, o intenso estio e canícula de 40 graus. A natureza revestiu-se de intenso verde, porém os cajueiros e mangueiras despiram-se das flores e frutos. O fenômeno repete-se, em geral, de dez em dez anos, e pode prenunciar seca de lascar, a partir de janeiro.

Contemplar a natureza e seus segredos é aproximar-se dos mistérios divinos. Faltavam poucos dias para Jesus deixar o planeta. Acompanhado dos apóstolos e de grande multidão, Ele, de jumento, contemplou, do alto do Monte das Oliveiras, a cidade de Jerusalém e o belíssimo templo, talhado a ouro e púrpuras, fincado sobre imensa fortaleza. O Mestre chorou, profetizou: "Oh! se também tu, ao menos neste dia, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, pois teus olhos se obscureceram. Por isso, virão dias em que teus inimigos te cercarão, te sitiarão de todos os lados, destruirão a ti e a teus filhos, e não deixarão pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada.” Depois, já recolhido no mesmo monte, prenuncia, detalhadamente, o fim da cidade de Jerusalém, a saga e diáspora do povo judeu. O cronista Flávio Josefo acompanhou as legiões romanas, durante o cerco e destruição de Jerusalém, no ano 72, e forneceu detalhes que comprovam o cumprimento da profecia.

Jesus mescla episódios da destruição de Jerusalém com os transtornos e abalos de nosso sistema solar, seguidos da parusia, isto é, da gloriosa vinda de Cristo, o arrebatamento dos adeptos do bem. Fantástica descrição encontrada nos evangelhos de Mateus(24), Lucas(21) e Marcos(13). A Igreja Católica, antes do Natal, lembra a grande profecia, mas evita a exploração da tragédia cósmica. Falsos profetas, por aí, confirmam até a data, e "seduzem a muitos, enquanto nem os anjos celestiais sabem o tempo exato", segundo Jesus Cristo.

Cientistas já se espantam com "as dores de parto de nosso planeta" - como anteviu e epistolou apóstolo Paulo - um mote para a Campanha da Fraternidade deste ano.
Jesus resume assim: "No tempo de Noé, os humanos se banqueteavam e se acasalavam alegremente, tripudiando sobre a construção da arca para sobrevivência ao dilúvio. Assim ocorrerá naqueles dias de esfriamento do amor, da desagregação familiar, dos desmandos morais..."

Meu caseiro olhou para o tempo esquisito de trovoadas e chuveirão, em pleno br-o-bró, e disparou: " Seu Zé, isto é o fim do mundo!" É não, Carlos. As intempéries servem-nos apenas para avaliarmos os nossos limites de conhecimento diante das sábias regras do Criador. E O louvamos e lhe agradecemos. A desarmonia é causada, principalmente, pelos homens que trocam a inteligência pela ambição e ousadia de desafiar os planos de Deus. Aí começa o fim.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



17 de novembro

A BELEZA E A DEGRADAÇÃO DA LAGOA DO PORTINHO

Elmar Carvalho

Aproveitando o feriado prolongado, uma vez que no âmbito da Justiça Estadual o Dia do Servidor Público, por necessidade de serviço, fora transferido para o dia 14 do corrente mês, atendendo desejo de Fátima, minha mulher, estive no litoral parnaibano. No sábado, pela manhã, fomos rever a deslumbrante Lagoa do Portinho, que já cantei em mais de um poema. Tendo ido morar na cidade de Parnaíba em junho de 1975, conheci-a pela primeira vez em 1977 ou 1978. Estava com o Reginaldo Costa na praia de Atalaia, quando ele propôs passarmos pela lagoa, no retorno a Parnaíba. Segui-o, cada qual em sua motocicleta.

Foi uma verdadeira magia ou encantamento o que senti, quando vi aquelas águas escuras, plúmbeas, como diria um poeta, vertidas aos pés daquelas alvas e altas dunas. Nessa época, só existia uma única e rústica churrascaria, quase uma palhoça, se não me falha a memória. Portanto, não existiam a churrascaria sofisticada e nem as edificações do SESI, e quase não havia casas no entorno, nem perto da estrada que a liga à BR. Nessa ocasião a natureza foi pródiga, e nos deu um caprichoso espetáculo. Quando chegamos, o sol estava esfuziante, a iluminar as dunas e as águas de chumbo da lagoa, provocando cintilações e sobretons. Mas logo começou a cair uma mansa chuva; o tempo esfriou de repente e escureceu, com o Sol obnubilado pelas nuvens prenhes d' água, cujas gotas despencavam sobre nós e sobre a terra, como uma bênção palpável de Deus.

Mas logo fez sol novamente, e a lagoa e as dunas voltaram a brilhar intensamente, na glória e no fulgor de sua beleza. Como disse, a natureza estava pródiga em seus surpreendentes caprichos, e mais uma vez choveu, para depois fazer sol mais uma vez. Estava a uma mesa, perto de nós, uma graciosa moça, no esplendor de sua formosura. Não era uma beleza longilínea, magérrima, como a das modelos de hoje, mas uma beleza mais arredondada, generosa, exuberante, aliciante, alourada, cheia de sinuosidades feminis, de muitos acidentes e recortes geomágicos/anatômicos. Seus olhos agateados, com a mudança de luminosidade, pareciam furta-cores, e eu nunca soube ao certo se eram mesmo verdes ou azuis, ou se eram um misto dessas duas cores. Apenas lhe admirei a beleza à distância, posto que não a conhecia, e a considerei parte integrante da magia e alumbramento da Lagoa do Portinho. Um poema a retratar essa tarde encantadora ficou a borbulhar e a marulhar em meu cérebro, durante anos, mas só fui escrevê-lo mais de duas décadas depois, sob o título de Mulher na Lagoa do Portinho.

A datar daí, passei a visitar a lagoa mais amiúde. Em 1982, quando fui aprovado, em concurso público, para o cargo de fiscal da extinta SUNAB (hoje eu seria auditor-fiscal da Receita Federal), comemorei essa conquista com o churrasco de um carneiro, tendo sido as cervejas patrocinadas pelo Canindé Correia, debaixo de frondoso cajueiro, na pequena floresta que se espalhava até perto da orla da lagoa, dando-lhe ainda mais graça e beleza. Participaram da comemoração, além de familiares, vários amigos, entre os quais, além do Canindé, estavam o Reginaldo Costa, B. Silva, Vicente de Paula (Potência), e creio que o Airton Meneses, todos integrantes do jornal Inovação, e mais outras pessoas que já não recordo. O cenário não poderia ser mais encantador: a lagoa, as dunas e a floresta. Em sua simplicidade bucólica, a degustação e a libação foram inesquecíveis, paradisíacas.

Hoje, para minha tristeza e consternação, constato que a lagoa está degradada. As dunas, que nunca passaram por um processo sério de contenção, assorearam o manancial de tal forma que um homem, em certas épocas do ano, pode atravessá-lo a pé, quando as águas outrora eram profundas. Por outro lado, as construções em suas margens, aos poucos, vão lhe roubando a beleza bucólica e selvagem, dos tempos em que a conheci, quase intocada, ainda no apogeu de sua beleza luxuriante. Ainda vislumbrei o que restava do antigo bosque, apenas uma pequena nesga de mato, cujas folhas acenavam ao longe, como um lenço verde da esperança, e algumas reses, que vieram matar a sede, e me fizeram retornar ao bucolismo dos tempos de minha juventude.

Dizem, mas não sei ao certo se a afirmativa é verdadeira, que o bombeamento de água para os criatórios de camarão também contribuem para a degradação ambiental da lagoa. Por outro lado, uma placa exibe o triste aviso de que a lagoa contém piranha, peixe voraz, de mordida mutilante, quando em tempos idos podíamos mergulhar em suas águas sem nenhum temor, exceto o desvanecedor e mítico receio/anseio de sermos atraídos e fisgados por alguma sereia forasteira ou nativa mãe-d'água ou iara, que nos levasse para seu reino encantado, para habitar seu castelo nas profundezas das águas plúmbeas da lagoa.


MULHER NA LAGOA DO PORTINHO

Elmar Carvalho

Na tarde antiga
de sol e bruma
de luz e penumbra
as dunas mudaram
de cores e formas.

Os belos olhos esplendentes –
pálidas cálidas opalas ou
esmeradas esmeriladas esmeraldas –
da mulher bonita
de sinuosas dunas e viagens
furta-cores furtaram
outros tons e sobretons.

Ainda guardo a memória viva
daquela tarde morna e morta
e ainda vejo aqueles olhos vivos
furtando furtivos cores e atenção.

E os olhos e as formas curvilíneas
permanecem intactos no tempo
que em mim não passou.

E a mulher, acaso passou,
nos escombros das formas
transitórias da beleza?...