Marcos Mairton *
Consta
que, em uma pequena comarca do interior do Nordeste brasileiro, o
comando do que havia ali de Poder Judiciário estava sob os cuidados
do doutor Bernardino. Aos cinquenta e três anos de idade, Bernardino
era um dos muitos juízes cujos casamentos foram se desfazendo à
medida que a carreira se construía. Mudanças frequentes de uma
comarca para outra, dedicação demasiada ao trabalho, estresse,
várias foram as causas que fizeram com que houvesse passado por três
casamentos, todos encerrados prematuramente, até que desistira da
vida conjugal.
Já havia
quase cinco anos que vivia sozinho. Sozinho – entenda-se – não
que tenha se tornado celibatário. Afinal, embora muitos digam que a
magistratura é um sacerdócio, Bernardino era juiz, e não padre.
Esquivava-se, portanto, de toda e qualquer possibilidade de
relacionamento estável ou compromissos de exclusividade, mas não
abria mão de suas experiências com mulheres dos mais variados
perfis. O que ele não queria mesmo era casar de novo. Assim, tratava
de encerrar qualquer namoro que durasse mais de dois meses ou quatro
encontros, o que ocorresse primeiro.
Mesmo
assim, uma jovem senhora acabou achando um furo nessa defesa. Aos
trinta e nove anos, Maria do Carmo, chamada Carminha, viúva, mãe de
dois filhos adolescentes, era uma bela mulher, e demonstrava, através
de palavras, atos e omissões, que também não tinha interesse em
casar novamente. Gostava de estar com Bernardino, de passear com ele,
de ir com ele à capital, mas deixava bem claro que homem para
dividir o teto com ela, só os dois filhos, e somente enquanto não
casassem.
E foi
assim, com esse compromisso de não ter compromisso, que o romance
entre Bernardino e Carminha se foi prolongando. Já durava mais de
seis meses, o que para ele era um recorde, desde a última vez que se
separara.
Mas havia
outro segredo para esse romance estar se tornando tão duradouro: era
o sexo. Talvez fosse mais elegante dizer que o tal segredo estava na
alcova, mas isto seria limitar a criatividade de Carminha, que
adorava inovações quanto ao lugar onde se entregar aos prazeres
carnais. Já haviam frequentado todos os motéis e hotéis da região,
além de se aventurarem em lugares ermos, às vezes dentro do carro,
às vezes sobre ele. Aliás, bastava que os filhos de Carminha
viajassem à casa da avó - que morava na capital - para que a sala,
a cozinha e até o jardim de sua casa virassem cenário para seus
jogos sensuais.
No começo,
Bernardino estranhou um pouco. Preocupava-se que alguém os visse e
que isso gerasse algum comentário na cidade. Mas, logo se acostumou
com a disposição de Carminha e passou ele mesmo a apreciar a
brincadeira de fazer sexo em lugares exóticos. Resistia, porém, à
ideia de praticar suas aventuras sexuais em seu gabinete, no fórum,
embora Carminha tocasse no assunto com certa frequência.
– Não,
Carminha. No fórum não. O prédio é muito pequeno, os servidores
vão perceber e isso não ficaria bem. Além do mais, você conhece o
ditado que diz: "Onde se ganha o pão não se come a carne".
– Pode
ser depois do expediente, Dino, quando todo mundo sair... Embora que,
com todos lá, seria mais emocionante! Você ainda vai ver. Você diz
que não quer, mas depois é o mais animado.
E assim o
tempo foi passando, até que Bernardino recebeu um comunicado de que
haveria correição em sua vara. Juiz experiente e responsável que
era, não tinha grandes preocupações em relação aos seus
processos, mesmo porque na comarca não havia lá muito movimento,
mas cuidou de se preparar para a chegada do corregedor.
Como a
estrutura do prédio onde a Justiça estava sediada não era das
melhores, a única sala onde o corregedor poderia se instalar com
algum conforto era o próprio gabinete do juiz. Pelo menos tinha
banheiro e ar-condicionado. Bernardino retirou então todos os seus
pertences particulares, mandou fazer uma faxina especial na sala e
até trocou o espelho do banheiro, tudo para que o corregedor se
sentisse o melhor possível nos dias em que permanecesse ali.
O esforço
de Bernardino valeu a pena. O desembargador-corregedor, um juiz de
carreira nas proximidades da aposentadoria compulsória, era um homem
religioso, adepto da Ordem dos Franciscanos, e preferia os ambientes
rústicos ao luxo e à ostentação. Assim, sentiu-se à vontade no
lugar que lhe fora reservado.
O tempo
passou depressa e logo se chegou ao último dia da correição sem
quaisquer intercorrências ou sobressaltos.
Ocorreu
que, por esse tempo, Carminha havia feito uma visita à mãe, na
capital, demorando-se ali por vários dias e retornando exatamente
quando Bernardino estava dedicado a cuidar para que tudo corresse bem
nos momentos finais da correição. Depois de quase quinze dias de
viagem, ela estava realmente saudosa de seus encontros amorosos com
Bernardino. Mal chegou à casa, banhou-se, perfumou-se, arrumou-se
toda e telefonou para o namorado, com a intenção de avisar que
queria vê-lo.
Mas
ninguém atendeu. Tentou mais uma, duas vezes, e nada. Não
suportando esperar, desligou o telefone e precipitou-se em direção
ao fórum. A distância não era de mais que três quadras. Como
todos já a conheciam ali, Carminha foi dando boa tarde e entrando,
até chegar ao gabinete do juiz. Deu duas batidas na porta e abriu.
Ninguém. Entrou na sala, atravessou-a e alcançou o trinco da porta
do banheiro. A porta estava fechada por dentro.
Foi então
que Carminha teve a ideia de fazer uma surpresa inesquecível para
Bernardino. Trancou a porta da sala por dentro, tirou toda a roupa,
deitou-se sobre a mesa do juiz, em decúbito frontal, com as mãos
sob a cabeça, e ficou de olhos fechados, esperando ouvir o ruído da
porta do banheiro se abrindo.
Não
precisou esperar muito. Ao ranger da porta, disse languidamente, sem
abrir os olhos:
– Amorzinho!
Presentinho para você!
Ao ver a
mulher deitada ali, nua, o corregedor, que saía do banheiro, quase
desmaiou de susto. Ficou mudo por alguns instantes, até recuperar os
sentidos e dizer vacilante:
– Com…
Com licença.
E saiu da
sala o mais rápido que pôde, tropeçando nas cadeiras e tirando o
lenço do bolso para enxugar o suor.
Na saída,
encontrou-se com Bernardino, que vinha apressado, advertido que fora
por um servidor, da presença de Carminha em seu gabinete. Antes que
Bernardino dissesse alguma coisa, o corregedor falou nervosamente:
– Doutor
Bernardino, o senhor é um homem muito gentil, mas se era para
exagerar no presente, que pelo menos mandasse entregar embrulhado.
Boa tarde!
E foi
embora para não voltar mais. O fato não foi mencionado no relatório
da correição.
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* O autor
é escritor, compositor e juiz Federal em Quixadá/CE.
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