29 de agosto
CURIMATÁ E A MÉDICA ESTELITA
Elmar Carvalho
Na quarta-feira da semana passada, fui surpreendido por
uma notícia que me chegou de forma inesperada. Veio até o gabinete
do juízo, o Paulo, que fora motorista do falecido conselheiro Xavier
Neto. Após colher a informação que desejava, ele me exibiu uns
papéis, que trazia numa das mãos. Disse-me que se referiam a uma
homenagem que a Câmara Municipal de Curimatá iria prestar à
doutora Estelita Guerra de Macedo, e a duas outras pessoas que
faleceram no mesmo desastre automobilístico. Fiquei um tanto
chocado, e disse-lhe que conhecera essa médica, doze anos atrás,
ainda no início de minha carreira magistratural. O Paulo me contou
detalhes do acidente, que depois vi através da internet.
Passei aproximadamente quatro meses naquela cidade do
Sul do Piauí, substituindo o titular, que se encontrava afastado.
Foi então que conheci essa médica, creio que no ano de 1999, quando
ela era prefeita de sua cidade, pela segunda ou terceira vez. O fórum
e a prefeitura funcionavam em prédios próximos, em praça central
da cidade. Se não estou enganado, ambos foram obras suas, em gestão
anterior. Necessitei de tratar de um assunto de interesse dos
jurisdicionados, e fui até seu gabinete.
Recebeu-me com educação e fidalguia. Pareceu-me uma
pessoa de trato suave. Recordo sua voz como sendo pausada, agradável
e emitida em tom jamais elevado. Havia, em um quadro, uma pintura que
lhe retrava as feições com admirável fidelidade. Comentei alguma
alguma coisa sobre esse retrato e sobre o estilo do artista. Ela
ouviu atentamente o breve comentário, e sorriu. Era uma senhora de
pele e olhos claros, alourada, e ainda estava na plenitude de sua
beleza, conquanto devesse ter em torno de quarenta anos.
Pelos poucos meses que passei em Curimatá e pelas
poucas vezes em que nos vimos, não posso dizer que fomos amigos. Mas
sempre nos tratamos de forma civilizada e respeitosa. Ouvi falar que
ela elogiara o meu esforço em tentar mover os processos, com a
prolatação de centenas de despachos e sentenças. Nunca me fez
pedidos, muito menos indevidos. A revi em mais quatro ou cinco
ocasiões, duas delas no fórum.
Numa dessas vezes, falamos de literatura e poesia.
Disse-me que seu pai – Júlio Borges de Macedo – fora poeta, e
revelou-me que ela própria fazia poemas, de forma bissexta e sem
maiores pretensões literárias. Nunca vi nenhum desses textos, de
modo que não lhes posso fazer a menor avaliação da qualidade
estética. Quando lhe falei das vicissitudes e percalços da vida,
ela me confessou sentir, às vezes, infiltrar-se em sua alma certa
tristeza, talvez a funda melancolia que todos sentimos em alguns
momentos, e que é inerente ao próprio ser humano, e mesmo, talvez,
a alguns animais, como cães e reses.
Participamos de um evento no campus local da UESPI.
Estava presente, ainda bem me recordo, o professor Ribamar Nunes, que
fora gerente da agência local do Banco do Brasil, e que era e é
professor de letras. Falei sobre literatura e sobre arte poética.
Recitei o meu poema Vida in Vitro, salvo engano. Gentilmente, ela me
mandou entregar uma fita cassete de áudio, que registrava minha
participação nesse encontro cultural.
Como disse, não fui propriamente seu amigo, mas fiz
amizade com dois amigos seus: o rábula Vogado, que eu chamava
brincando de Ad-Vogado, e o senhor Mundinho Mascarenhas, em companhia
dos quais fui conhecer a grande e lendária lagoa de Parnaguá, que
banha a vetusta e histórica urbe, de igual nome. Os dois nutriam
profunda e sincera amizade pela doutora Estelita.
Creio que ambos reconheciam que ela poderia exercer sua
profissão, com proficiência e brilho, em qualquer capital do país,
como vários de seus irmãos, mas preferira se fixar em seu longínquo
rincão, dedicando-lhe o melhor de seu esforço e inteligência, seja
através do sacerdócio da medicina, ou dos mandatos em que o
administrou. Eram o Vogado e o senhor Mundinho pessoas boas e
simpáticas, que ainda recordo com saudade, apesar do longo tempo
decorrido, que já me empana a memória. Com eles entretive, algumas
vezes, agradável palestra.
Apesar dos escassos recursos da época, Curimatá me
parecia bem cuidada, e denotava singela alegria, com os vários
barzinhos e mamoranas floridas, espalhados pela cidade. Ao longe, na
saída da estrada que vai para Avelino Lopes, descortinava-se o
perfil azulado da serra, que me fazia nostálgico dos Morros de Santo
Antônio do Surubim. Tenho a consciência tranquila de que fiz o
possível para bem exercer as minhas funções, no curto período de quatro meses em que lá servi.
Quando cheguei a Curimatá pela primeira vez, numa
madrugada silenciosa e fria, um jumento pastava placidamente o capim
da praça central, sem ser incomodado por ninguém, muito menos pelo
vigia do logradouro. Aliás, o quadrúpede mais parecia um jardineiro
municipal a cumprir o seu mister de desbastar o renitente capim de
burro. Doze anos depois, tenho a tristeza de receber a notícia de
que a doutora Estelita falecera, justamente por causa de um animal
solto sobre a pista de rolamento.
Num dos sítios da internet colho a informação de que
Estelita significa estrela, ou uma mulher que foi estrela. Os seus
belos olhos de jade certamente poderiam ser comparados a duas joias
ou estrelas, incrustadas em sua face. E ela, que foi uma estrela de
sua terra, continua a brilhar como um astro de uma outra e melhor
dimensão, acolhida pela bondade infinita de Deus.
Acredito na compensação. creio que os bons terão em algum plano sua real e imortal recompensa concedida pelo justo e eterno criador.
ResponderExcluirFelisardo.