Os autores sendo entrevistados por Miriam Leitão |
Fonseca
Neto
Um ato
muito raro: um livro de memória e história do Brasil feito por
militares a contrapelo das hierarquias tão decantadas até hoje como
pedra angular das Forças Armadas. Ainda mais singular é que o livro
é uma denúncia fundamentada a respeito da ditadura militar e
udenista há pouco tempo superada no Brasil.
“1964:
DNA da conspiração” é um livro-documento, desassombrado. A
história de dois brasileiros saídos do Piauí e do Ceará para se
encontrarem na arma de Artilharia do Exército brasileiro, e nela,
juntos, até 64, viverem um episódio dos mais sombrios da história
social e política do Brasil: o golpe de 1964 e a implantação de
uma ditadura que, sob quase todos os aspectos, infelicitaria o país
por anos e décadas –até hoje, diga-se.
O presente
livro está organizado em dez capítulos e adereçado de introduções
e anexos que o completam e o exame mais refletido deles fica mesmo
para seu leitorado, que já não é pequeno e muito maior será. Mas
acredito que esse trabalho, pleno de indicações límpidas sobre o
horror ditatorial, ainda que não seja lido por milhões, cumpre uma
tarefa essencial: fixar, pela visão de dois protagonistas
conscientes, o testemunho do que viram e lhos feriu no curso da vida
militar do tempo.
O livro é
escrito em raso de objetividade e é de uma clareza solar, no que
ordena as ideias dos autores, depoentes, e nas recortações
documentais e de outros autores que recepcionam para encorpar e
tornar ainda mais sólidos os próprios registros.
Nesse
sentido, convido a todos a irem direto aos capítulos em que eles
dizem das suas vidas desde a infância –a de Jônatas desde
Floriano, o Seminário etc. Depois sugiro que não deixem de passar
pela estação capitular em que vem o rol (ou “tabela”) dos
conspiradores e ditadores – com indicações precisas sobre o
protagonismo de cada um. Aviso que ficarão os leitores de cabelo
arrepiado com tanta trajetória horrorosa de gente sobre quem ainda
hoje se ouve falar como herói da democracia, da moral, da ética, e
que não passa de reles tiranete de patriotas. Um desses, Milton da
Silva (general), de quem muitas vezes ouvi falar em suas visitas ao
Piauí, fanfarronado pela imprensa e pelos áulicos locais, está à
p. 233: “indicativo – executor oficial da política de extermínio
de prisioneiros políticos tanto no Governo Médici como no início
do Governo Geisel” (citam revista semanal 12/11/2003, exatos 9 anos
atrás).
Quero realçar, por fim, de maneira muito direta, a coragem desses dois homens, o coronel Jônathas de Barros Nunes e o tenente-coronel Gastão Rúbio de Sá Weine. Coragem de fixarem seu testemunho em registro memorial o qual, repita-se, bastante proveito ensejará aos historiógrafos. Seu exemplo é assaz necessário porque a temática relativa ao papel militar na politica brasileira é campo de disputas viscerais e de muita manipulação. Aliás, talvez não haja no Brasil temática mais repleta de empulhação ideológica quanto aquilo que se tem como o cânone da historiografia brasileira no padrão militaresco. A consciência nacional e o querer bem à democracia e aos valores humanos resultam muito mais fortalecidos com a contribuição plasmada por eles.
Os autores
são dois professores – coronéis e cientistas doutores. Nunes,
titular da Ufpi. Doutor Jônathas, o conheci, e o Piauí de minha
geração, quando apareceu como candidato a deputado federal.
Sussurravam e até mais que isso, diziam que de tão inteligente
ficara “doido”. Foi eleito e o único daqui que votou pelas
“Diretas-Já” em 1984. E então o chamaram de “louco e meio”.
Foi como o piauizim o viu naquele momento.
A rigor, o
Piauí sério, vontadoso de largar em passos largos de futuro
luminar, esse Piauí, o admira. Travei contato com ele anos depois no
Consun, da Ufpi, e também Maria Helena servindo, já, nessa valorosa
instituição.
Oportuno
livro. Que algum jovem se interesse por esses relatos. Fico a pensar:
tivessem ideia do que foi a ditadura direitista maturada desde 54 e
imposta em 64, muitos veriam a cena de hoje com outros olhos.
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