Capa da autoria de Gervásio Castro |
21 de fevereiro Diário Incontínuo
A CUSTÓDIA DE OURO DE OEIRAS
Elmar Carvalho
Elmar Carvalho
Na semana passada, quando eu iniciava minha caminhada na
Raul Lopes, deparei-me com Carlos Rubem, eminente Promotor de Justiça
e proeminente promotor cultural. No decorrer da conversa, falei-lhe
sobre o meu livro Bernardo de Carvalho, o Fundador de Bitorocara.
Discorri sobre a personalidade e sobre as qualidades dessa ilustre
figura do Piauí colonial, e sobre o seu injusto esquecimento, que
tentei mitigar através de meu opúsculo.
Dei ênfase ao fato de que ele foi um amigo de Oeiras,
tendo contribuído para a ereção da igreja erguida pelo padre Tomé
de Carvalho, de quem ele era parente. Segundo as pesquisas do
historiador padre Cláudio Melo, na verdade ele concorreu tanto para
o soerguimento da velha como da menos vetusta igreja da velha
capital, erigidas sob a invocação de N. S. da Vitória. Acrescentei
que fora Bernardo quem doara a rica custódia de Oeiras, em ouro
maciço e cravejada de várias pedras de diamante. Segundo os
entendidos, essa linda peça sacra é um fino trabalho da ourivesaria
portuguesa.
Carlos Rubem ficou um tanto surpreendido com minhas
informações, frutos das pesquisas de Cláudio Melo, sobretudo nos
arquivos de Lisboa, e me disse que a crônica histórica de Oeiras
não registrava o nome do doador. Sabia-se apenas que essa magnífica
e rica obra de arte fora doada por rico fazendeiro, cujo nome se
perdera nas brumas do tempo. Sugeriu-me escrevesse uma crônica sobre
a velha e bela custódia, passando-me, de memória, importantes
informações, e indicando-me alguns textos, que eu poderia usar para
enriquecimento de minha crônica. É o que estou tentando fazer
agora.
Joca Oeiras, articulista de boa cepa, no belo texto
denominado O roubo da Custódia, consigna que em 1926, quando a
Coluna Prestes esteve na cidade de Oeiras, o tenente Siqueira Campos,
tendo ouvido comentários de que na Igreja de N. S. da Vitória se
encontrava a rica peça do ritualismo católico, ainda chegou a
mandar que lhe trouxessem querosene para por fogo na porta do templo,
a fim de arrebatá-la, e só não o fez porque o próprio Luiz Carlos
Prestes, após áspera discussão com Siqueira, impediu que essa
barbárie fosse cometida.
Em artigo do historiador Júnior Vianna, recolho a
informação de que esse ostensório da Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Vitória foi roubado em 12 de maio de 1809. Nesse texto
consta que, pelos poucos escritos e pela história oral, a custódia
fora doação de abastado fazendeiro de gado, no século XVIII.
Embora o nome do doador não esteja consignado, a informação se
harmoniza com as pesquisas de Cláudio Melo, relatadas no seu livro
Bernardo de Carvalho.
A crônica histórica registra que o coronel Raimundo de
Sousa Martins, nas proximidades da fazenda Canavieira, encontrou um
caboclo já nas vascas da agonia, vítima de violenta infecção
intestinal. Esse homem, talvez por remorso ou temendo tremendo
castigo, quando passasse deste para o outro mundo, fato que já se
avizinhava, revelou ao coronel o seu crime, e disse que a custódia
se encontrava no surrão que conduzia. Terminou dizendo, no intuito
talvez de diminuir a sua culpabilidade, que o mentor do crime fora o
pernambucano Thomaz Vilarinho, a quem deveria entregar o objeto
sagrado.
O escritor Expedito Rego, no capítulo XIII de seu
notável romance Visconde e Vaqueiro, intitulado O roubo da custódia,
que pode ser lido quase como se fosse um texto autônomo, trata desse
assunto. Claro, nele a história se mistura com a imaginação do
romancista, porquanto é uma obra de ficção, embora permeada pela
verdade. No texto de Expedito Rego, quem encontra o ladrão é um
vaqueiro e não o fazendeiro Raimundo de Sousa Martins. Todavia, a
história é muito semelhante ao que foi narrado no parágrafo acima.
Até o nome do autor intelectual é coincidente,bem como a
circunstância em que o larápio revelou o seu crime.
Como uma homenagem a Bernardo de Carvalho e Aguiar e ao
seu mais brilhante admirador e biógrafo, padre Cláudio Melo,
transcrevo as lapidares palavras deste magistral e respeitado
historiador, cuja obra completa, através da Academia Piauiense de Letras, com
o apoio de seu operoso presidente, o historiador Reginaldo Miranda,
venho porfiando em editar, em volume único:
“Os
heróis não morrem, senão na visão dos seus contemporâneos. Como
sementes, são lançados sob o solo para que depois germinem,
produzam frutos e muitas sementes que os perpetuam no multiplicar-se
dos anos.
Bernardo
de Carvalho na sua bondade e fé estará sempre lembrado nas pedras
da Catedral de Oeiras e particularmente na belíssima Custódia de
ouro e pedras preciosas que ele ofereceu ao seu Deus sacramentado, e
hoje é expressão material da riqueza de seu coração fiel.
Para os que são inclinados à vida política, será
sempre o modelo ímpar de homem público devotado, sem interesses nem
concessões duvidosas, nobre no sangue, no caráter e nos feitos.”
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