Edmar
Oliveira
Deu
no Diário Oficial do Piauí: o IBAMA concedeu licença para a
construção da barragem de Castelhano no Rio Parnaíba. Já tem
construtora licitada e prazo de três anos e poucos meses para a
obra. Recebi a notícia impactado. Significa que grande parte de
minha Palmeirais, da vizinha Amarante e até de Parnarama, no
Maranhão, serão inundadas pelo lago da barragem.
Castelhano
é um povoado onde fica a casa de meu tio-avô Valmir Soares, que
nasceu naquele lugar e ali passou toda sua existência. O lugar mais
longe que já foi foi a Teresina e só ia no centro de Palmeirais
quando ainda tinha visão. Já cego, beirando aos cem anos, deseja
ser enterrado naquele pedaço de chão onde habitou. Pensei cá
comigo: ele tem muito pouco tempo para morrer e realizar o desejo. Se
insistir em ficar vivo será retirado com sua família e mais 555
outras, segundo o Diário Oficial, para a construção da barragem
que deve ser erguida na sua porta onde param os viajantes da estrada.
Destino
também trágico tem o povoado de Riacho dos Negros, que será
completamente inundado e desaparecerá no lago. O nome do riacho foi
firmado na existência de um quilombo que habita aquelas terras por
séculos sem fim e será tangido que nem boi para lá se sabe onde!
A
notícia não informa que parte de Amarante será atingida, mas temo
pelo afogamento de nosso poeta maior, Da Costa e Silva, que
premonitoriamente cantou:
“(...)
As águas crescem de repente / Avolumadas pela enchente.
Caudaloso,
/ Rumoroso, / Sem repouso, / Rolando as águas / Se arrasta o rio,
rolando o peito / Nas areias e seixos do seu leito, / Talvez num
desabafo insatisfeito / De incontidas paixões e recônditas
mágoas...
Rugindo
o rio repentinamente / Avulta, inchando, na expansão da enchente.
E
ei-lo a correr, as margens distendendo / De quando em quando, / No
seu contínuo e célere percurso, / Num conflito tremendo, / O solo a
solapar, como querendo / Desviar o próprio curso, / Transbordando, /
Inundando, / Avassalando...
(...)
E o acento emocional, grandíloquo, eloquente / Da alma do rio vem
ecoar na alma da gente, / Tumultuariamente, impetuosamente, / No
horríssono rumor das águas pela enchente...”[1]
Lendo
o poeta sinto o trágico das águas represadas em que serão afogadas
minhas lembranças e memórias de uma terna infância. É incômodo
pensar que em pouco tempo, se até lá me permitir viver os Deuses,
as minhas lembranças e afetos estarão no fundo de um lago em que se
transformará meu rio, minha vida, meus guardados. E a minha cidade
só existirá na memória...
“A
minha terra é um céu, se há um céu sobre a terra: / É um céu
sobre outro céu tão límpido e tão brando, / Que eterno sonho azul
parece estar sonhando / Sobre o vale natal, que o seio da luz
descerra...”[2]
[1]Fragmentos
do poema “Enchente” do livro “Zodíaco” (Oficina Tipográfica
Apolo, Rio de Janeiro, 1917)
[2]
Da Costa e Silva, poema Amarante, no mesmo Zodíaco, seção Minha
Terra.
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