quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

INVENTÁRIO DA SAUDADE



16 de janeiro   Diário Incontínuo

INVENTÁRIO DA SAUDADE

Elmar Carvalho

Conforme anunciei no registro anterior, falarei de algumas de minhas perdas em 2013. Tentarei, tanto quanto possível, não ser melodramático e nem excessivamente saudosista e emocional. Não falarei sobre as mortes de minha mãe e de minhas cadelinhas Anita e Belinha, uma vez que já lhes dediquei espaço próprio no panteão de minha saudade, através de três crônicas, que podem ser encontradas nos mares da internet.

De forma inesperada, chegou-me no dia 27 de julho a notícia da morte do professor Neto Chuíba, ocorrida de forma tão trágica quanto precoce, o que comoveu a comunidade campomaiorense. Era ele um cidadão amigo, benquisto pelos seus alunos e conhecidos, prestativo sempre. Algumas vezes, em tardes agradáveis, estive no seu aprazível sítio Carajás, à sombra de copada árvore ou em seu alpendre, de onde se descortinava uma bela paisagem do tabuleiro e da pequenina Serra Grande de Campo Maior, a azular no horizonte infindo como um debrum celeste.

Em setembro, após vários exames, descobri que tinha um outro câncer (cujo tratamento radioterápico foi concluído no final de novembro); sobre esse CA me reportarei oportunamente. Fiz os exames solicitados, e hoje retornarei ao doutor José Andrade de Carvalho Melo, para que ele faça a avaliação do resultado da radioterapia. Do primeiro, em Deus, já me considero curado, uma vez que a cirurgia foi feita mais de oito anos atrás.

Em seguida, fui surpreendido com a morte do poeta RAL (Raimundo Nonato Alves de Lima). Eu o conhecia desde a minha juventude. Em certa tarde e noite memoráveis, em que conversamos a valer, de forma alegre e despojada, derrubamos um litro do velho pirata Ron Montilla. Publiquei vários poemas meus em sua página cultural, estampada dominicalmente no extinto jornal O Estado.

Esse espaço cultural prestou inestimável serviço à divulgação da literatura piauiense, numa época em que não havia internet, e em que a publicação de um livro era custosa e complicada, como ainda o é. RAL desenvolveu trabalho de pesquisa sobre o carnaval teresinense, tendo sido ele próprio um carnavalesco da Vila Operária, onde morou durante muitos anos. Li, com agrado e emoção, o seu livro de poemas Canção Permanente. Sem dúvida sua poesia merece permanecer na literatura piauiense.

Nessa sequência de perdas, soube da morte do jornalista e radialista parnaibano Cícero Evandro dos Santos, que conheci através de nosso amigo comum Bernardo Silva, também jornalista, e poeta em sua juventude, e que fez parte da obra coletiva Salada Seleta, de que fui um dos coautores, ao lado de Alcenor Candeira Filho, Paulo Couto, V. de Araújo e Ednólia Fontenele. Não tínhamos amizade antiga, mas sempre que ele me revia demonstrava contentamento, no que era por mim correspondido. De boa índole, cordato, sorridente e de muitas amizades, não sei por que tinha a “carinhosa” alcunha de Holyfield; talvez por ser a mais perfeita tradução antitética do belicoso lutador.

Em seu périplo macabro, a “indesejada das gentes” ceifou a vida de Rubem da Páscoa Freitas, mais precisamente no dia 14 de novembro. Aos 81 anos de idade, era ele o “papa” do jornalismo social em Parnaíba. Era o decano dos jornalistas e radialistas do litoral piauiense, em atividade ininterrupta há várias décadas. Conheci-o em 1975, na redação do jornal Folha do Litoral, do qual fui colaborador.

Uma vez por outra, eu ia até a redação desse periódico, para entreter rápida conversa com os amigos Bernardo Silva e professor Antônio Gallas Pimentel (seu conterrâneo tutoiense), e também com o “compositor” tipográfico Xixinó, sempre alegre e irreverente, a destilar sutis ironias, e lá encontrava Rubem Freitas a redigir ou a revisar a sua coluna Carnet Social, que manteve por vários anos. Mesmo nas notas mais despojadas e sintéticas, a sua linguagem era límpida e castiça, e disso ele parecia ter saudável orgulho. Organizou o livro Pedro Alelaf – Lição de Vida (2001), no qual foi inserto o meu trabalho Craques do Futebol Parnaibano, que depois, devidamente revisado, inseri em meu livro O Pé e a Bola. Era meu confrade na Academia Parnaibana de Letras – APAL.

Neste rosário de vidas ceifadas, que vou debulhando em forma de singelas homenagens, não poderia esquecer o passamento de José João Siqueira. Conheci-o no final da década de 70, quando ele estava prestes a concluir o seu curso de Economia, feito em Belém do Pará. Em seus melhores momentos, isto é, quase sempre, era carismático e alegre. Era um homem bom, amigo do bem e do belo. Fez importante dissertação sobre a extração, industrialização e comercialização da cera de carnaúba. Creio que esse trabalho ainda se mantenha inédito.

Com bom domínio da palavra e do conteúdo que porventura desejasse explanar, era um bom conferencista e talentoso professor da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso. Sem apego aos metais, preferiu continuar, na qualidade de empresário, a vender tecidos, quando poderia ter migrado para outro ramo comercial mais rentável e menos trabalhoso, talvez por fidelidade à tradição e ao empreendedorismo de seu pai. Acredito que sua loja fosse a mais antiga na comercialização de tecidos em Parnaíba, numa época em que já quase não existem costureiras nem alfaiates, mas apenas a indústria e o comércio varejista massificados de confecções ou roupas feitas.

No dia 19 de novembro fui impactado pela notícia do falecimento de Otaviano Furtado do Vale, também conhecido como Tavico, sobre o qual desejo escrever um registro próprio, bem mais extenso. Foi meu amigo desde o início de nossa adolescência, ambos nascidos no ano de 1956. Ainda bem jovem, creio que aos vinte e poucos anos, foi morar em Brasília, não tendo mais voltado a residir no Piauí.

Por tal motivo, poucas vezes nos revíamos, mas quando isso acontecia a amizade permanecia a mesma, como se nunca nos tivéssemos alongado do convívio fraterno, que sempre tivemos, sem rusgas, mágoas ou queixas. Fomos camaradas de futebol, de alegres libações juvenis, de festas e na conquista de namoradas. Fomos colegas de turma do 3º e do 4º ano do antigo ginásio (no início da década de 70), concluído no Colégio Estadual de Campo Maior. Com a sua morte, rápida e quase diria extemporânea, perdi um de meus melhores amigos e uma das maiores referências de minha vida. Guardarei para sempre a sua lembrança, escoimada de qualquer senão que ele pudesse ter.


Na madrugada do dia 30 de dezembro faleceu a nossa cadelinha Anita, sobre a qual escrevi uma sentida crônica, em que pranteei sua morte. Foi o coroamento de espinhos desse ano de muitas perdas e infaustas notícias. Espero que 2014 me seja mais leve, mais ameno. Assim seja. Amém.          

6 comentários:

  1. Amigo Elmar Carvalho, poeta, escritor e magistrado.
    As letras piauienses e brasileiras se orgulham pela sua valiosa contribuição à literatura. Você é um verdadeiro literato, nascido, crescido e estudado para tanto.
    Roberto Veloso

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  2. Caro amigo Roberto Veloso,
    Obrigado por suas palavras. Diria que apenas tenho me esforçado em fazer uma literatura que possa ser considerada pelo menos razoável.

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  3. José Francisco Marques17 de janeiro de 2014 às 09:57

    Mestre,

    Algumas das perdas acima também trouxeram a mim o sofrimento e o inevitável vazio inerente à situação.
    Agora esperamos em Deus que dias melhores possam vir e que o ano novo que agora se inicia, possa nos trazer o conforto e a esperança de dias mais felizes e promissores.
    Doravante, meu Mestre, tudo dará certo.

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  4. Estimado Elmar, não poderia ficar, senão meditativo, depois de ter lido INVENTÁRIO DA SAUDADE; linda metáfora! Difícil não emocionar-se com páginas necrológicas, mesmo pontuadas de alocuções laudatórias. Quando se está convalescendo (você e eu) do pesar pela partida da vida terrena do ente mais prezado, mãe, notícias obituárias servem para suscitar emoções, sobretudo em mim onde a pieguice é algo imanente. “Nesse rosário de vidas ceifadas” a fieira de 2013 é extensa: sua MÃE, Anita, Belinha, Neto Chuíba, (amigo meu também), Raimundo Nonato, Cícero, Rubem, José João, Otaviano.
    Que o ano de 2014 possa tanger os ventos infaustos para outras bandas.
    Abraço, Jacob Fortes de Carvalho.

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  5. Que os ventos infaustos, aos quais você se refere, caro Jacob, não mais soprem, ou soprem apenas em longínquas plagas desérticas.

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