quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Maranhoa de Póvoas e Andrès


Fonseca Neto

Eu me resolvo que esta é a melhor terra do mundo, donde os naturais são muito fortes e vivem muitos anos, e consta-nos que, do que correram os portugueses, o melhor é o Brasil, e o Maranhão é Brasil melhor, mais perto de Portugal que todo os outros portos daquele Estado, em derrota muito fácil à navegação, donde se há de ir em vinte dias ordinariamente. 
E por ser terra tal, a fez Sua Majestade governo separado do Brasil”.
Coisa de marqueteiro? Sim. E escrevendo em 1624 sobre a recém-fundada cidade de São Luís do Maranhão, seu primeiro “prefeito” – o presidente da câmara municipal. De nome Symão Estacio da Sylueira, capitão, nauta empresário, vindo ao Maranhão para empreender a organização da cidade, consoante os interesses d’El Rei: assegurar o domínio territorial pela colonização de negócios.
O trecho acima é da “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, feita por Sylueira – Silveira – e é mesmo uma peça promocional dirigida aos reinóis ibéricos, conclamando a se mudarem para a nova terra e enriquecerem. Dir-se-ia um “gestor” talentoso, que, por exemplo, promoveu, a partir de 1619, a vinda para Upaon-açu de centenas de famílias açorianas. Gente do arquipélago açoriano para habitar outra ilha atlântica. Tão importante essa presença fundadora em São Luís, que, quase cem anos depois – 1712/1717 – eram açorianas as famílias que o governo maranhense mandou para habitar a Mocha, primeira vila-município do Piauí.
São Luís foi inventada para capital daquele “governo separado do Brasil”: cabeça de colônia e de Estado e por isso sempre foi governada por autoridades locais e gerais. 
Quando Joaquim de Melo e Póvoas assume o governo do Maranhão (1761), encontra a capital – já sesquicentenária, por óbvio – com características de protoburgo medieval e lidera um processo de “modernização” dela sob as “luzes” daquele século.  Retirou-lhe as muralhas e franqueou os caminhos para dentro. O famoso “caminho grande” da ilha foi prolongado até Pastos Bons, através dos sertões, passando pelo Julgado de Aldeias 
Altas, futura Caxias: estrada real que integrou o sul do velho Estado colonial, de Parnaguá, no Piauí, à capital ludovica. 
Aliás, como governador geral do Estado do Maranhão e Piauí, Póvoas esteve muito preocupado com a capitania do Piauí, que, por volta de 1775 entrou em grave crise política. Saiu ele de São Luís e fez uma espécie de governo itinerante, instalando-o na cidade de Oeiras por algum tempo, pessoalmente operando a burocracia local, tensionada pela Junta liderada pelo ouvidor Morais Durão. Também a vila de São João da Parnaíba foi parte do interesse desse governador, por seu papel portuário estratégico, no provimento da capital, e mais pelos bons negócios que essa vila piauiense garantia no contexto da atuação econômica da Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão. Póvoas fez a típica política do seu tio, conde de Oeiras, depois marquês de Pombal. 
A São Luís edificada que hoje todos admiram – “cidade colonial” – é a urbs do tempo de Symão, planejada na traça ortogonal pelo engenheiro-mor Francisco Frias de Mesquita (1615/1616) e deve à liderança de Póvoas seu adensamento físico e demográfico. Demográfico inclusive pela agregação à vida da cidade, como seus construtores, à base de suor e lágrimas, de mais milhares de negros trazidos da África como escravos.  
São Luís é hoje um enorme núcleo urbano. A cidade dos três primeiros séculos constitui seu “centro histórico”, tombado como monumento cultural, nacional e mundial. É “colonial” por sua concreção e espírito dados na expansão comercial ibérica. É “colonial” pela representação de seus valores enquanto patrimônio histórico da humanidade. Representação e realidade que a movem no presente, sob a liderança de artistas, arteiros e letrados, dentre tais distingo o acadêmico Luiz Phelipe Andrès –que, tal Póvoas, esteve também em Oeiras a dignificá-la –e agora é honrada pelo tombamento iphânico.
Claro que toda cidade é obra coletiva. Mas não dana esse princípio louvar homens e mulheres que a dignificam. Mulheres? Sim, São Luís é póvoa marañaguara: “... poesia do nosso chão, cravo perfumado de nosso amor”. E onde tem Camboa e Jordoa é a Maranhoa encantada de Symão.  
(Jomar: perde-se a latinoparla mas não a neologia).      

Um comentário:

  1. È sem dúvidas esse tipo de texto que promove a inteligência e motiva a intelectualidade. Gostei do texto. Parabéns!

    Felisardo.










    ResponderExcluir