O Poema da
Forma Eterna
Martins
Napoleão (1903 - 1981)
(Ó infinito sonho!
O grande céu azul
desfolhado no espaço!
O homem pequeno e louco
E o barro úmido às
mãos do oleiro cego!)
Expressar cada um
O seu minuto culminante
de beleza,
O seu instante de
bondade extrema,
O seu momento de
heroísmo,
Na subitânea íntegra pureza
De uma forma imperecível!
Como o coágulo de luz no
diamante sem jaça,
Qual se a gota de orvalho,
porventura,
Imagem matinal do sorriso da
luz,
Se condenasse repentinamente.
Não a forma perfeita,
Porém aquela, exata e duradoura,
De um ápice de síntese.
Forma que se transfunda, num jato, a substância
De um momento imortal entre dois limites inúteis
do tempo fugaz.
Uma forma que seja — nos limites do vário e
mutável — perene.
E possa traduzir a integração, a plenitude e a
culminância
Do glorioso momento da vida:
O desejo de fixar o efêmero para o tornar
eterno.
Como o oleiro inocente, com as mãos carregadas
de sonho,
Procurar transmitir ao barro paciente,
Numa manhã feliz em que os deuses se vestem de
luz,
O movimento, a vida, a elástica e nervosa
agilidade
Da asa de um pássaro voando...
E o pintor, com os olhos impregnados de cores
viventes,
Anseia revelar, numa combinação imprevista de
tintas,
Em que a luz e a névoa se misturem,
E a virgindade da manhã se case
À difusa tristeza do crepúsculo,
Num tom maravilhoso,
O úmido olhar do amor que pecou por prazer...
E o músico, de coração sangrante de
harmonias,
Tenta subjugar, num acorde que encerre
O resumo de todas as únicas notas supremas
Arrancadas das cordas soluçantes
Dos violinos de todos os artistas
Que morreram em êxtase de sonho.
A expressão musical das primeiras estrelas
Que iluminam o silêncio da tarde,
Como lágrimas de adolescentes...
E o atleta, que tem o sentido dos ritmos nos
músculos submissos,
Busca perpetuar, numa imagem que esplenda
Clara e vibrátil como uma ode pindárica,
E tenha a assustadora beleza da vitória sobre a
morte,
Ao pasmo olhar da multidão de fôlego suspenso,
O salto sobre o abismo.
E o herói, que mede o valor da vida pela beleza
oportuna da morte,
Ambiciona cunhar, numa imagem que ostente
O soberano orgulho do desprezo
E a coragem consciente do perigo,
O simbólico exemplo
Do primeiro soldado que tombou
Com um sorriso nos lábios e uma rosa de sangue
no peito.
E o santo que transcende as leis humanas
Aspira a eternizar, numa imagem que seja,
A própria infinitude de todos os êxtases
E todas as bondades sem nenhuma recompensa
O gesto irrepetível
Do instante de humildade e de renúncia
Em que se debruçou para beijar o leproso na
boca,
Como um lírio num charco...
E o poeta, flauta cheia do sopro divino
Quer reunir, a um acesso instintivo de forças
genésicas
Num canto absoluto
o irrelevado espírito das coisas,
A harmonia que ninguém ousou captar,
A beleza invisível para os outros.
E o lavrador, que espera a bendição de Deus,
Deseja aprender, numa imagem que vibre
Como a entranha da agreste companheira
Sob as primícias da maternidade,
A alegria da terra,
Rasgando o próprio seio sem doer
Para as eclosões das primeiras sementes.
Como o oleiro o seu momento de inocência
criadora,
E o pintor, o seu momento de domínio
incomparável da matéria plástica,
E o músico o seu momento de cósmica
integração,
E o atleta o seu momento de vitória
espetacular,
E o santo o seu momento de êxtase supremo
E o lavrador, o seu momento de esperança
milagrosa
E o poeta o momento de seu canto absoluto
Todos aspiram a perpetuar-se
Moldando o grande sonho em forma eterna.
Todos
desejam essa alegria perfeita
Da
forma em que se transfunda, num jato, a substância
Do
momento imortal, único, entre os dois limites extremos e inúteis do
tempo fugaz.
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