Tela do pintor Di Kuka (Abinabel Kunha), inspirada na capa de meu livro Amar Amarante, que me foi presenteada por Homero Castelo Branco |
ECOS DE AMARANTE
Elmar Carvalho
Como
está posto em sua própria “orelha”, Ecos de Amarante, de Homero
Castelo Branco, é um livro sui generis. Embora não se
coloque como um produto de vanguarda, ou mesmo como um paradigma da
originalidade absoluta, que não existe, nem seu autor reivindica tal
pretensão, o compêndio é um misto de romance, historiografia,
sociologia, antropologia e repositório da cultura e do folclore
amarantino. Termina, portanto, sendo um livro diferente e original,
sem, no entanto, perder de vista as lições da tradição literária.
Sua
leitura é bastante agradável, tanto pelo estilo escorreito, claro e
conciso do autor, sem nenhuma mácula de pedantismo e empáfia, como,
sobretudo, pela miscelânea dos vários assuntos tratados.
Pode-se
dizer que é uma grande história, recheada de várias histórias
menores, um verdadeiro mosaico, contudo, sempre permeado por um fio
condutor, que tudo arremata, liga e alinhava, formando uma saborosa
unidade.
Na
tessitura ficcional, percebe-se uma habilidade do autor na narrativa
e nas descrições, bem como na correta caracterização das
personagens, que são bem delineadas, e mesmo dotadas de uma correta
e lógica postura psicológica, com os atos e fatos bem encadeados e
verossímeis. Não obstante siga um fio condutor, contém, como já
dito, várias histórias, interligadas, mas que podem ser lidas, sem
prejuízo, de forma independente.
Há
passagens antológicas, seja pelo psicologismo com que as personagens
são esboçadas, seja pela beleza do texto, às vezes repassado de
uma verdadeira poesia em prosa, outras vezes pela narrativa
tão-somente, a agarrar o leitor, e arrastá-lo até o deslinde final
da trama. São vários os trechos que poderiam figurar em qualquer
antologia piauiense, como as passagens em que o escritor se reporta
às esquisitices de Maria Antônia e do médico Euler Pereira,
destacando-se aquela em que esse esculápio, em sua excentricidade,
discorre sobre os urubus, que até me fez evocar, apesar de sua
originalidade, o célebre episódio da borboleta preta, de Machado de
Assis.
De muito
encanto e musicalidade, pelo modo de construção do período, são
certos termos regionais que utiliza, com parcimônia e pertinência,
o que afasta qualquer parentesco com o regionalismo menor, eivado de
cacoetes e exageros, a dissimular a falta de talento e a inabilidade
na urdidura da romancística.
Ao livro
comparecem vários personagens da história amarantina e/ou
piauiense, em situações bem colocadas e verossímeis, em que o pano
de fundo histórico é fruto de pesquisa e correta interpretação.
Assim, aparece o imortal vate Da Costa e Silva, em narrativas e cenas
que bem poderiam ter acontecido, pois distantes de episódios
grandiosos e mirabolantes, de que muitas vezes lançam mão os
romancistas canhestros, para encobrir a falta de talento e traquejo.
Outras figuras importantes aparecem, entre elas o professor Cunha e
Silva, ao qual são dedicadas várias páginas, merecidamente, pois
foi um fundador de colégios, notável jornalista e escritor, além
de homem dotado de invulgar erudição. Por vezes, como uma espécie
de contraponto, fundamentação e mesmo simples transmissão de
conhecimento, o autor traz a colação pequenos textos extraídos da
história.
Faz um
interessante resgate do folclore e da cultura amarantina, e quando
surge o momento oportuno, e não forçado, transcreve versos de
cantigas populares, folclóricas e de roda, com cujo artifício dá
vida e colorido pitoresco a sua narrativa, além de contribuir para a
preservação dessas peças, que correm sério risco de desaparecer
para sempre, em face da mídia avassaladora e pasteurizante.
A obra
traz, por assim dizer, histórias da História, verdadeiros “causos”
que a história oficial não conta, por motivos diversos, inclusive
pelo pudor e receio de ofender a honra de famílias ditas
importantes. Numa visão moderna e avançada, soube colocar fatos que
bem se coadunam com a chamada história do cotidiano, em que
costumes, hábitos e peculiaridades de uma certa época e comunidade
são evidenciados. Para isso o autor desenvolveu, com argúcia e faro
investigativo, novas pesquisas e novas interpretações, ao compulsar
periódicos da época e “reclamos” comercias, entre outros
documentos.
Dílson Lages, Homero, Elmar, Reinaldo Torres e Antenor Rego |
Desse
modo, pôde fazer uma espécie de releitura e análise da vida
atribulada e romanesca de dona Auta Rosa, figura emblemática dos
preconceitos e discriminações de épocas passadas, alguns dos quais
ainda renitentes em sua permanência; da importância e beleza
cultural do Clube dos Tetéus; da criação, atividade e emulações
das “furiosas”, as célebres bandas musicais ou filarmônicas,
que animavam a vida social de uma cidade interiorana. Pintou a tela
viva da ressurreição ficcional da economia e do comércio de
Amarante, principalmente a época da navegabilidade do Parnaíba, com
as balsas e “vapores” que percorriam o poético “Velho Monge”,
os empórios e entrepostos comerciais, e o fastígio da borracha e do
extrativismo, mormente dos carnaubais. Também fatos importantes da
história recente são trazidos à baila, numa acentuada aproximação
ao que os doutos chamam de história imediata. Todavia sem perder o
caráter de que executava obra de criação artística.
Homero
Castelo Branco, fazendo jus a seu prenome, constrói uma verdadeira
epopéia - a saga histórica, cultural e humana da encantada e bela
Amarante, constituindo-se o seu livro um misto de ilíada e odisséia
dos páramos dacostianos.
É um
livro profundo, e que faz um vertiginoso mergulho nas águas
profundas da cultura, folclore e história da “Cidade Azul” do
poeta. De grande beleza, canta com graça e harmonia a beleza
amarantina, beleza adamantina que também canto em meu poema
Amarante, com cujos versos finais encerro esta conversa que já se
vai alongando além do esperado e desejável:
amarante
perante ti
imperante
o vento verdeja agreste nos ciprestes
rumoreja aguado nos aguapés
sacoleja sem leste oeste
a copa fagueira das faveiras
tuas tardes tardas dolentes amaras
abres das janelas
debruçadas em melancolias
e alicias e (re)velas
as moças nas modorras mormacentas macilentas
em que delicias cilicias e acalentas...
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