Jacob Fortes
O relógio do carro marcava 21 horas
quando eu atravessava uma povoação rala encravada numa região exsicada do
Nordeste brasileiro. Neste comenos, a agudez dos meus sentidos dizia que havia
algo à frente. Levantei a luz alta do farol. O vulto adiante se fazia parecer a
um veículo; enguiçado. Levantei
novamente o farol: era uma carroça a passos de tartaruga, puxada por um
jumentinho ruço. Sobre o estrado da carroça um ancião hirsuto, mal-amanhado, e dois
meninos, ambos descamisados e cabelos espeta-caju. A particularidade dos
meninos cingia-se às suas cabecinhas de arroba que faziam lembrar miniaturas de
alienígenas. O conjunto da cena, transporte e passageiros, tinha contornos que
se prestavam a certificar tanto a miséria patrimonial quanto a sublimidade
daquela família: avô e dois netos. Parei ao lado do carroceiro e enderecei-lhe
um efusivo cumprimento de boa-noite. Ele respondeu espontâneo e prazeroso.
— Para onde o Senhor vai a essa hora
da noite? Perguntei.
— Para Santa Rita, respondeu o
Ancião.
— É longe daqui?
— Uma légua beiçuda.
— Essas crianças já jantaram?
— Nhô não.
— Há, nesta localidade, alguma
padaria?
— Lá naquela luz encarnada vende pão.
— O senhor aceita uns pães.
— Se o for dado aceito, os bacorinhos
tão com fome.
Derivei o carro à direita dizendo: queira
me acompanhar até a padaria.
Enquanto comprava os pães, e
refrigerante, ocorreu-me perguntar às crianças.
— Do que vocês mais gostam de comer?
O maiorzinho, seis anos
aproximadamente, olhar mortiço, baixou a cabeça e nada respondeu. O menorzinho,
talvez uns quatro anos, olhar desprevenido, como, aliás, são os olhares
infantis, disse apenas: “eu nunca comi pudim”. A resposta nublou de tristeza a minha
alma não exatamente por causa do pudim, mas porque aquela resposta realçava a
recorrente constatação: “uns com tanto,
outros com tão pouco”. Enquanto famílias,
pacatas — que habitam, anônimas, as vivendas rurais do Brasil — vivem abaixo do
principal, e não maldizem o fado que lhes cabe em sorte, comunidades pracianas
se esgoelam quando lhes falta o secundário. “Uns choram porque apanham outros porque não lhe batem”
Fiquei devendo o pudim, pois o
mistifório de gêneros, onde também se vendia pão, (quiçá sapato para galinha),
não tinha a iguaria tão desejada por aquela criança. Paliei o seu desejo com
uns bombons.
Almejo que as bênçãos divinas recaiam
em messe sobre aqueles meninos, (ecos da minha meninice), assim como incidiram fartamente
sobre mim. Que Santa Rita os conduza pelos melhores caminhos, mormente os da
escola. Evidentemente que o poder sobreceleste precisa de uma ajudinha terreal:
que a corrupção seja exonerada da odiosa função de coadjutora das iniquidades sociais.
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