segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Um clássico de arrepiar


Um clássico de arrepiar

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

O período natalino e passagem de ano novo despertam sentimentos da transitoriedade do tempo e a transcendentalidade da vida. A felicidade se estabelece no equilíbrio das duas.

Bem que eu poderia demorar mais dois ou três dias em Luís Correia, neste finalzinho de 2014. Praias lotadas, tráfego intenso de veículos, nas avenidas ou tentando estacionar nos arredores do shopping e na orla marítima. Gente bonita a exibir corpos roliços, prateados ao sol, ondas e ventos. Tinha tudo para deleitar um feriadão de cio faminto. Sentia que a badalação coletiva se resumia em regabofes, acordes de forró peba a mil decibéis. Faltava algo que me despertasse elevado sentido, em período tão encantador. Eu queria mais que banquetes meio pagãos e dispersivos. Eu carecia de algo que me levitasse do idealismo consumista para a vocação de algo superior.

Transitando na lufa-lufa da cidade, liguei o rádio do carro. Uma raridade de música, difícil se ouvir nas ondas da mediocridade que domina expressiva parte da mídia. Uma obra-prima de Sebastian Bach, genial músico alemão dos séculos 17 e 18. JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS, arrebata, arrepia, especialmente executada por orquestra e coral. A letra, uma oração de louvor: “Jesus continua sendo minha alegria,/O conforto e a seiva do meu coração,/Jesus refreia a minha tristeza,/Ele é a força da minha vida/É o deleite e o sol dos meus olhos,/O tesouro e a grande felicidade da minha alma,/Por isso, eu não deixarei ir Jesus/Do meu coração e da minha presença”.

Subi os umbrais do passado: meu seminário, nós em redor do teclado, grupos de tenores, sopranos e contrabaixos, jovens contemplativos, anjos aclamando amém. Lembrava-me de meus pais, que me levavam à igreja de São Raimundo Nonato, na Piçarra. Ou das últimas missas no templo de Fátima, passagem de ano. Aquilo, sim, me inebriava de sublimes esferas, me dava ânimo para a missão neste mundo.

Ouvindo os belos acordes de Bach, achei-me um filho pródigo que, nauseabundo de prazeres terrenos, sente vontade de voltar para a casa do Pai, abraçá-lo, agradecer-lhe todo bem recebido, mas desprezado.

Já me saciaram três dias de litoral. Queria mais, porém em outro plano. Deu-me vontade danada de regressar a Teresina, recolher-me, preparar-me para assistir a missa de gratidão e passagem de ano, no templo de Fátima. Entrei, sentei-me. Enquanto aguardava o início da liturgia, o organista puxou Bach. Não controlei a emoção. Levantei-me, dirigi-me ao organista, que me mostrou a pauta musical, JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS. Bach me convencera a voltar aos bons tempos em novo calendário.     

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