Um clássico de arrepiar
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
O período natalino e passagem de ano
novo despertam sentimentos da transitoriedade do tempo e a transcendentalidade
da vida. A felicidade se estabelece no equilíbrio das duas.
Bem que eu poderia demorar mais dois ou três dias em Luís
Correia, neste finalzinho de 2014. Praias lotadas, tráfego intenso de veículos,
nas avenidas ou tentando estacionar nos arredores do shopping e na orla
marítima. Gente bonita a exibir corpos roliços, prateados ao sol, ondas e
ventos. Tinha tudo para deleitar um feriadão de cio faminto. Sentia que a
badalação coletiva se resumia em regabofes, acordes de forró peba a mil
decibéis. Faltava algo que me despertasse elevado sentido, em período tão
encantador. Eu queria mais que banquetes meio pagãos e dispersivos. Eu carecia
de algo que me levitasse do idealismo consumista para a vocação de algo
superior.
Transitando na lufa-lufa da cidade, liguei o rádio do carro.
Uma raridade de música, difícil se ouvir nas ondas da mediocridade que domina
expressiva parte da mídia. Uma obra-prima de Sebastian Bach, genial músico
alemão dos séculos 17 e 18. JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS, arrebata, arrepia,
especialmente executada por orquestra e coral. A letra, uma oração de louvor: Jesus continua
sendo minha alegria,/O conforto e a seiva do meu coração,/Jesus refreia a minha
tristeza,/Ele é a força da minha vida/É o deleite e o sol dos meus olhos,/O
tesouro e a grande felicidade da minha alma,/Por isso, eu não deixarei ir Jesus/Do meu coração e da
minha presença.
Subi os umbrais do passado: meu seminário, nós em redor do
teclado, grupos de tenores, sopranos e contrabaixos, jovens contemplativos,
anjos aclamando amém. Lembrava-me de meus pais, que me levavam à igreja de São
Raimundo Nonato, na Piçarra. Ou das últimas missas no templo de Fátima,
passagem de ano. Aquilo, sim, me inebriava de sublimes esferas, me dava ânimo
para a missão neste mundo.
Ouvindo os belos acordes de Bach, achei-me um filho pródigo
que, nauseabundo de prazeres terrenos, sente vontade de voltar para a casa do
Pai, abraçá-lo, agradecer-lhe todo bem recebido, mas desprezado.
Já me saciaram três dias de litoral. Queria mais, porém em
outro plano. Deu-me vontade danada de regressar a Teresina, recolher-me,
preparar-me para assistir a missa de gratidão e passagem de ano, no templo de
Fátima. Entrei, sentei-me. Enquanto aguardava o início da liturgia, o organista
puxou Bach. Não controlei a emoção. Levantei-me, dirigi-me ao organista, que me
mostrou a pauta musical, JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS. Bach me convencera a voltar
aos bons tempos em novo calendário.
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