FREDERICO BURLAMAQUI
O pioneiro da paleontologia no Brasil
Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras
Em janeiro de 1806, chegava à pacata cidade de Oeiras, centro
administrativo da capitania de São José do Piauí, o novo governador Carlos
César Burlamaqui, onde se demorou à testa do governo, com pequeno interregno,
por pouco mais de um lustro, enfrentando toda sorte de adversidade. Vinha com a
jovem esposa Dorotéia Adelaide Ernesta Pedegache da Silveira, sua prima
prematuramente falecida e três filhos menores, entre esses uma criança de dois
anos de idade. Seu nome, Frederico Leopoldo César Burlamaqui. Nascera em
Lisboa, a 16 de novembro de 1803.
Mas foi na acolhedora urbe sertaneja, entre o largo da
Vitória, as poucas ruas estreitas e tortuosas e as plácidas margens do velho
riacho do Mocha que viveu os mais despreocupados anos de uma infância triste de
menino órfão. Seu pai contrairia novas núpcias com Maria Benedicta Castelo
Branco, com que teria mais dois filhos.
Foi em Oeiras, sua cidade adotiva, que ele aprendeu as
primeiras letras. Desasnado, curioso, inteligente, seguiu com o pai para o Rio
de Janeiro, onde prosseguiu nos estudos, dando azos à sua inteligência
invulgar. Na Escola Militar do Rio de Janeiro, onde foi matriculado, estudou as
matérias típicas da carreira militar e as não militares, como cálculo integral,
mecânica racional, química, mineralogia, etc., conhecidas como assuntos
científicos, mas que compunham a grade curricular, recebendo o grau de doutor
em Ciências Matemáticas e Naturais. Nessa mesma instituição de ensino, agora
com nome mudado para Escola Central do Rio de Janeiro, pelo decreto n.º
2.116/1858, retornaria como professor de Mineralogia, onde lecionou por mais de
vinte anos, conquistando largo conceito.
Na carreira militar ingressou muito jovem, ao tempo da
Revolução Pernambucana de 1817, tendo partido da corte para o front de luta
junto com os fuzileiros do Exército, a fim de sufocar a revolta. De regresso ao
Rio, foi promovido para o posto de alferes, passando na década seguinte para o
de tenente e, galgando outros postos até atingir o de Brigadeiro, onde foi
reformado.
Porém, notabilizou-se como paleontólogo, botânico e
mineralogista divulgando importantes trabalhos de pesquisa, entre os quais:
Resumo estatístico histórico dos Estados Unidos da América Setentrional(1830);
Memória analítica acerca do comércio dos escravos e dos males da escravidão
doméstica(1837); Resumo do curso da história e da arte militar de J. B.
Rocquancourt(1842); Curso elementar da história e da arte militar(1842);
Compêndio de montanística e de metalurgia(1848); Riquezas minerais do
Brasil(1850); Memória sobre o salitre, a soda e a potassa(1851); Sistema de
medidas para a progressiva e total extinção do tráfego da escravatura do
Brasil(1856); Ensaio sobre a regeneração das raças cavalares do império do
Brasil(1856); Aclimatação do dromedário nos sertões do norte do Brasil e
cultura da tamareira(1857); Notícia acerca de alguns minerais e rochas de
várias províncias do Brasil, recebidas no Museu Nacional durante os anos de
1855 a 1858(1858); Notícia de minerais brasileiros(1858); Manual dos agentes
fertilizadores(1858); Manual das máquinas, instrumentos e motores
agrícolas(1859); Monografia do cafeeiro e do café(1860); Monografia da cana de
açúcar(1862); Monografia do algodoeiro(1863); Manual da cultura do arroz e de
agricultura(1864); Manual da cultura, colheita e preparação do tabaco(1865),
entre discursos, pareceres e outros estudos versando sobre agricultura,
colonização, raios solares, astronomia, hagiologia, paleontologia, mineralogia
e abolição da escravatura.
Atuou ativamente na imprensa, redigindo por alguns anos o
Auxiliador da Indústria Nacional, periódico mensal em que contribuiu com
artigos de natureza agrícola e defesa do trabalho livre em contraposição ao
trabalho escravo. Colaborou também no Filantropo e o Monarchista, periódicos de
cunho antiescravistas, bem como nos Trabalhos da Sociedade Vellosiana, da qual
era sócio efetivo. Foi nessa última revista que publicou em duas partes, sendo
uma em 1855 e outra em 1856, um importante artigo, Notícia acerca dos animais
de raças extintas descobertos em vários pontos do Brasil, “que se constitui na
primeira publicação sobre fósseis brasileiros em um periódico nacional. No
texto teceu comentários sobre os primeiros exemplares descobertos em território
nacional e descreveu sucintamente alguns fósseis adquiridos pelo museu. A
importância desta publicação inédita reforça o papel inovador de Burlamaqui no
estudo da Paleontologia brasileira” (Antonio Carlos Sequeira Fernandes e outros
professores da UFRN).
Prestou relevantes serviços ao país, no exercício de importantes
cargos públicos e direção de entidades científicas, a saber: diretor do Museu
Nacional e da 3.ª seção de Mineralogia, Geologia e Ciências Físicas da mesma
entidade(1847 -1866); membro e secretário da comissão organizadora da 1.ª
Olimpíada da Indústria, ocorrida em 1861; secretário da diretoria do Imperial
Instituto Fluminense de Agricultura, este último cargo por decreto de
19.09.1860; membro da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência
Nacional; secretário da Sociedade contra o Tráfico dos Africanos e Promotora da
Civilização e Colonização, ambas críticas do tráfico; e diretor do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, de junho de 1861 a agosto de 1862, quando
substituiu a mão-de-obra escrava por trabalhadores livres, entre outras
entidades nacionais e estrangeiras, às quais prestou relevantes serviços.
À frente do Museu Nacional por 19 anos, desde 19 de junho de
1847, realizou fecunda e operosa administração, transformando-o em um
estabelecimento científico de prestígio internacional. De início, contratou
diversos naturalistas para realizar expedições e coletas de material para
enriquecer o acervo do museu. E manteve intensa correspondência com os
presidentes de províncias visando arrecadar quaisquer achados de interesse
científico, que deveriam ser encaminhados ao museu, sendo eles ressarcidos
pelos custos da remessa. Em sua gestão arrecadou mais de uma centena de
exemplares, a maior parte proveniente no nordeste, coroando, assim, de êxito a
sua hercúlea luta. Segundo os citados professores da UFRJ “a situação do acervo
paleontológico(do Museu Nacional) somente começou a modificar-se a partir de
1847 quando Frederico Leopoldo César Burlamaqui, empossado diretor do museu,
formaria um rico acervo representativo da paleontologia do Nordeste brasileiro
graças à correspondência com os representantes das distintas províncias
nacionais, e também de outros países, em que solicitava a remessa de material
fossilífero para a instituição. A incansável atuação de Burlamaqui na formação
desse acervo, somado ao seu grande interesse pelos fósseis, o levou a publicar
o primeiro artigo em um periódico nacional sobre a megafauna pleistocênica do
Brasil. Por esses motivos pode ser considerado como o primeiro paleontólogo
brasileiro”.
A verdade é que embora o dinamarquês Peter Wilhelm Lund(1801
– 1880), que realizou pesquisas nas grutas de Minas Gerais, seja considerado o
“pai da paleontologia brasileira”, seu acervo foi encaminhado para Copenhagen.
Ao contrário daquele, embora Burlamaqui não tenha realizado trabalhos de campo,
em face de sua luta para localizar e classificar os fósseis brasileiros, com
consequente publicação do primeiro estudo em um periódico nacional, deveria
deter esse reconhecimento. Felizmente, se não lhe reconhecem essa paternidade,
ao menos é considerado como o primeiro paleontólogo do Brasil.
Gozando de largo conceito profissional, participou ativamente
de diversas sociedades literárias e científicas, entre essas: Academia de Belas
Artes, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, secretário perpétuo
honorário da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e co-fundador da
Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais, entidade criada em 1850, com o
objetivo de indagar, coligir e estudar todos os objetos pertencentes à história
natural do Brasil.
Como reconhecimento por seu trabalho recebeu importantes
distinções honoríficas, tais quais: carta de conselheiro do Conselho de S.M.I;
comenda de cavaleiro das ordens de São Bento e Avis e oficial da ordem da Rosa.
Em 28 de maio de 1844, no Rio de Janeiro, onde fixou
residência definitiva, casou-se com Carolina Carlota da Silva Coelho, de cujo
consórcio teve sete filhos: Pedro de Alcântara, Francisco Leopoldo, Carlos
Leopoldo, Carolina Adelaide, Filomena Presciliana, Emília Joaquina e Antônio
Tíbério, todos César Burlamaqui. Em segundas núpcias casou-se com Maria
Genoveva de Melo Burlamaqui, com quem não teve filhos. Faleceu esse notável
cientista luso-brasileiro, na mesma cidade, em 13 de janeiro de 1866, aos 62
anos de idade, vítima de tuberculose pulmonar. Nesse mesmo ano, teve o seu
busto inaugurado em sessão solene no salão de honra da Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional, de que foi sócio honorário e secretário perpétuo, com
eloquente discurso proferido pelo médico Nicolau Joaquim Moreira(1824 – 1894),
revelando importantes dados e sua biografia. É, pois, mais um vulto que honra a
terra piauiense.
Reginaldo, o pasado tão bem divulgado é um oncentivo ao future. Continue escrevendo sobre os nosso feitores e grande conhecedores da ciência, da história, medicina, direito etc.
ResponderExcluirItamar Costa