segunda-feira, 18 de maio de 2015

A FASE AURÍFERA DE CAMPO MAIOR


A FASE AURÍFERA DE CAMPO MAIOR

Jacob Fortes

A um forasteiro passante pelo município de Campo Maior, PI, chamam-lhe a atenção as inumeráveis carnaubeiras verdejantes que se erguem, altaneiras, por todas as planícies do município, cujas folhas semicirculares — movidas pela aragem morna do sertão, — tremulam como querendo refrescar a quentura do sol fulgente que, por pouco, não faz arder os miolos da copa. Sequer imagina o viageiro que a carnaubeira constitui o símbolo vivo do maior garimpo vegetal que se verificou no estado do Piauí: a cera da carnaúba. Esse garimpo — privativo de poucos e ambicionado por muitos, — que fazia a alegria de meia dúzia de afortunados oligárquicos, fora cascavilhado durante décadas, por mão de obra que laborava exclusivamente em períodos queimosos quando a presença da luz natural era circunstância indispensável a todas as fases da cadeia produtiva do garimpo. Garimpo bamburrado por mãos tão ricas de calos quanto de ignorância, tão submissas quanto obsequiosas. Porém, quis o destino, agenciador de venturas e desventuras, que essas minas verdes, tomassem rumo reverso: foram do fastígio à decadência, da cumeada ao sopé. Os principais compradores do ouro vegetal, Estados Unidos, Alemanha e Japão, encontraram, para desgosto de Colombo, a fórmula de “botar o ovo em pé”: acabaram por encontrar no sintético o substitutivo, ideal e barato, da cera campomaiorense, circunstância que a tornou dispensável e, concausa, lhe aviltou o preço. Isso fez secar o manancial da irmandade diamantista que, com suas botijas repletas, se repoltreavam em vida de regalo enquanto os cavouqueiros se enfastiavam de mingau ralo. Deixo de dar realce às inumeráveis aplicações da cera para não embaçar o foco do tema: a venturosa página econômica que marcou o município de campo maior.

Outro componente dessa destacada página refere-se à criação de gado vacum, monopólio também dos barões da cera. Nesse município, inspiração das gerais e influxo da presença de bandeirantes como Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Mafrense, formou-se, no esmorecer do século 17 para a antemanhã do século 18, extensa zona de criação de gado. Zona, diga-se, favorecida por um solo recamado de pastagens naturais e que, de brinde, assegurava a gratuidade do sal. O cloreto de sódio, necessário ao metabolismo dos animais, grassava nos barreiros salsuginosos dos tabuleiros. Desses dois componentes, extrativismo e pecuária, eram feitos os primorosos réditos dos seletos ricos que não se descuidavam em celebrar toda essa prosperidade, ora por meio de festas, em clube exclusivo, regadas a vinhos especiais importados de além-mar, ora em jantares lautos onde tomavam parte convivas de igual prestígio. Tudo pôde essa riqueza; se prestou a tudo, inclusive a generosas oblações ao Santo Padroeiro, exceto para alfabetizar, sequer, o filho de um vaqueiro, de um agregado, de um caboclo, aos quais, no entanto, facultavam o pleno direito de sonhar e ambicionar, desde que até o limite das suas sobrevivências.

Dessa gloriosa página (para o latifúndio) deflui dois sentimentos: o orgulho do chão que, em messe, fez medrar a riqueza do extrativismo e do gado; o desgosto em constatar que sobre esse passado esplêndido, desprovido de olhar social, pesa a dívida de não ter podido praticar ações libertadoras. Enxergou apenas adjutórios de bucho, procedimento comum ao latifúndio que, do alto da sua cavalgadura, arreada e ajaezada, mais das vezes se compraz em contemplar os que, arriados pelo sojigar da canga, não podem se libertar, apenas servir.

Ingloriamente sobrevive a cera, a preços modicíssimos. O chão, por se haver sedento — exposto à existência fugitiva das estações chuvosas — impropriou-se à vida pastoril; rareou-se o boi do Piauí! Nem “vaca estrela, nem boi fubá”, nem boi da cara preta, nem boi- bumbá. O vaqueiro desselou o cavalo, pôs um capacete na cabeça e montou na moto. Os caminhos onde havia o poeirão das boiadas foram envernizados; à fisionomia de cobras pretas sinuosas transmutaram-se. Mas se não tem boi do lado de lá, fiquemos cá com as moedas de ouro branco que timbram as pastarias das terras de Cora Coralina.   

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