Este mundo é um rebolo
Hermínio Castelo Branco (1851 - 1889)
É um rebolo este mundo:
A manivela – o dinheiro,
Os homens – amoladores,
Trabalham de cuteleiro.
Principiando do alto,
Do chefe desta nação,
Vê-se o mestre diretor
Nas artes da amolação.
Contra-mestres no ofício,
Ministros, seus delegados,
Que amolam todo este mundo,
Mas também são amolados.
Os juízes preguiçosos,
Nos dias de audiência,
Dos empregados e partes
Amolam a paciência.
O astuto advogado,
De acordo co’o escrivão,
São perfeitos no ofício,
Ou arte da amolação.
Nas tesourarias públicas,
E noutras repartições,
Em cada banda se encontra
Um maço de amolações.
Nas boticas, nos hotéis,
E no comércio em geral,
É um freguês amolado
Duma maneira fatal.
Na tribuna o deputado
(À custa do seu dinheiro)
Com a língua de ferrugem,
Amola o mundo inteiro.
E no púlpito sagrado,
O vigário ignorante,
Com pragas e maldições
Nos amola a todo instante.
Deixando de parte, agora,
As públicas amolações,
Vamos na vida privada
Ver maiores fricções!
O velho pai de família,
Pelos anos alquebrado,
Tendo filhas bonitinhas, ´
É toda noite amolado...
Se por infelicidade,
Tiver sogra o desgraçado,
Pode contar, como certo,
Ser toda vida amolado.
As visitas repetidas,
Sem motivo imperioso,
São amolações tremendas,
Dum caráter perigoso.
O rapaz que, numa roda,
Quer passar por sabichão,
Sendo tolo, ignorante,
Amola com perfeição.
E aquele namorador
Por passatempo somente,
Sem ter em vista casar-se,
Amola perfeitamente.
E toda moça no baile,
Que se faz muito rogar,
Se pedindo uma quadrilha,
Sabe também amolar.
Ainda aquela que tem
Dez a doze namorados,
Jurando firmeza a todos,
Traz eles bem
amolados.
Toda velha rabugenta,
Por demais conservadora,
Pretensiosa a namoro,
É tenaz amoladora.
Também o velho que traz
Preto bigode, pintado,
Amola as moças bonitas,
Supondo ser namorado.
Sendo assim o mundo todo
Composto de amoladores,
Eu também vou, por meu turno,
Amolando aos meus leitores.
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