Teresina em pedacinhos de mim
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail
Nestes 163 anos de existência, cada velinha do bolo não
consegue apagar-me pedacinhos e estampas de meu álbum. Andando pelo centro ou
arredores da capital, uma paixão impregnada em mim. Só se ama quando se
conhece.
Entrar na
Igreja de São Benedito é saborear um capítulo da minha cidade. 4 da madrugada
de domingo. Sinos tocavam, em três momentos, para a missa das 5.De todo canto
da pequena Teresina, dava para se ouvir a convocação sagrada. Meu pai me
levava, na garupa da bicicleta, da Piçarra à igreja. O templo enchia-se de
fiéis. Frei Heliodoro e dezenas de cantores, no coro superior da igreja,
encantavam corações.
No romance O
MANICACA, 1901, o magistrado Abdias Neves retrata Teresina dos últimos anos do
século 19 e início do século 20. O
romancista descreve a capital de poucas quadras, praças e ruas. A cidade
acabava nas confluências das Igrejas São Benedito, Nossa Senhora das Dores ou
Mercado Central. Rapazes e adultos exibiam bengala, terno, cartola e ginete. A
vida social circulava, praticamente, nos arredores da Praça da República
(Deodoro ou da Bandeira) e Igreja do Amparo. Sem calçamento, água canalizada,
energia elétrica; somente lampiões pendurados em postes. Chegavam miseráveis
retirantes da seca de 1877, famintos e extorquidos por espertalhões. No
Nordeste, morreram mais de 500 mil cidadãos.
A modesta Teresina, fundada em 1852, acabava no rústico
cemitério de negros e expurgados, no Alto da Jurubeba, onde Frei Serafim de
Catânia construíra a Igreja de São Benedito, 1874/1894, em homenagem ao santo
frade leigo, nascido na Sicília, filho de escravos etíopes. Da Igreja de São
Benedito, estendia-se a Estrada Real, a futura Avenida Frei Serafim, cercada de
florestas e sítios, até o Rio Poti, de onde escravos extraíam pedras e areia
para construção do templo.
A primeira geração de Teresina desfrutava a Praça Deodoro. A
segunda curtia a Praça Rio Branco. A terceira, a Praça Pedro II. A
contemporânea, a praça da alimentação do shopping. A primeira com suas
bengalas, ternos, cavalos e chapéu. A segunda, divertindo-se no Bar Avenida,
por trás da Igreja do Amparo (restam velhinhos sentados nos bancos da Rio
Branco, remoendo vetustas paixões). A terceira, maioria sessentona, da Praça
Pedro II, não cansa de remoer velhos apetites da carne da Paissandu, das
tertúlias do Clube dos Diários, do apito da corneta, mandando as virgens voltar
pra casa, às 9 horas, depois de rodarem a praça. Jovens contemporâneas, mais
avançadas que as seletas da Paissandu, avisam aos pais que vão ao shopping, mas
sabe Deus com quais intenções, pois camisinha virou moda. Bengalas, que nada! A
onda é selfie.
Teresina dos arranha-céus, intensa vida noturna, restaurantes
de primeira, sensores em cada poste para flagrar dinheiro dos motoristas, mas
não aprendeu a construir calçamento de vergonha ou criar polícia municipal. A
cidade orgulha-se das escolas classificadas no ranking nacional e pena por
engolir gororoba de gestores de obras inacabadas. Porém mazelas não me roubam a
paixão pela cidade.
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