quinta-feira, 3 de setembro de 2015

FÉRIAS EM BARRAS DO MARATAOÃ


3 de agosto   Diário Incontínuo

FÉRIAS EM BARRAS DO MARATAOÃ

Elmar Carvalho

Parte II

Em Rua da Glória, esse grande livro de memórias – grande tanto pelos seus quatro volumes, como por ser um belo trabalho de literatura – o autor, ao tempo em que narra fatos acontecidos com sua pessoa e com os familiares mais próximos, também conta episódios interessantes de que foram protagonistas amigos e parentes mais remotos. Termina sendo um grande contador de histórias, que se entrelaçavam ou seguiam paralelas à história de sua própria vida, como comprovo com o episódio que passo a recontar de forma sintética.

Nas férias em Barras, ele fez amizade com a senhora Maria Pires da Mota e com suas duas filhas, Marieta e Senhorinha, todas bem mais velhas que ele, que ainda se avizinhava de seus 14 anos de idade. Marieta era a mais velha, e também a mais circunspecta, mais sisuda, mas que também lhe dava atenção.

Senhorinha, nas palavras do memorialista, “era muito expansiva e simpática”. Tornou-se compadre “de fogueira” desta última, com quem fazia passeios pela pequena urbe. Numa das vezes, visitaram a casa do coronel Regino Melo, na qual se encontrava o interventor federal do Piauí, Leônidas de Castro Melo, que passava uns dias de descanso na casa de seu pai.

Dona Maria e as filhas pertenciam a tradicional estirpe barrense e piauiense. Moravam numa das mais antigas casas solarengas da cidade, que ele descreve como sendo “magnífica representante da arquitetura urbana piauiense. Era uma morada inteira de porta e seis janelas, com caixilhos largos de madeira e folhas pesadas”.

Esse vetusto solar escondia um mistério. Recluso num dos quartos, sem nenhum contato com o mundo exterior e com pessoas de fora, vivia Neno, “o filho doente de dona Maria”. Formado em odontologia, exercera a profissão em União, de forma correta e competente. Segundo o relato do livro, “era um rapaz alto, bonito que fizera suspirar as moças casadoiras do local”.

Contudo, tempos depois, Neno passou a abandonar o seu consultório, para fazer escavações nos arredores da cidade, próximo a um dos outeiros dos arredores. Cada vez mais ele se dedicava a esse grosseiro labor, e progressivamente se extenuava nesse misterioso mister, pesado e inglório, chegando ao ponto de emagrecer.

Os comentários começaram a se espalhar na pequena comunidade. Alguns achavam que alguma alma penada lhe indicara algum local onde existiria um tesouro. Os curiosos começaram a espiar a sua dura labuta, em que o dentista, em lugar de leves e delicados instrumentos, passou a manobrar vigorosamente pás, enxadas e pesadas picaretas.

Foi constatado que a escavação se ramificava, de forma intrincada, como se fora emaranhado labirinto. Nesse trabalho estéril de uma inútil construção, Neno “vivia ensimesmado e mudo. Isolado do mundo”. Precisou ser afastado à força dessa sua labuta estafante, em que definhava de forma acentuada.

Após essa providência, passou a viver recluso, como dito, num dos dormitórios da casa senhorial de sua mãe, em Barras, da qual o jovem Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, sentado na sala de visitas, lhe ouvia o murmurar, que deixava perceber-lhe a voz possante e grave. O escritor acha que ele talvez fosse vítima de esquizofrenia, em caso um tanto semelhante ao que acometera o bailarino Nyjinsky.

Neno foi o Dédalo e o Minotauro de seu próprio labirinto. E talvez tenha sido uma espécie de esfinge que não conseguiu decifrar o enigma de sua própria vida, de uma beleza cintilante e improfícua, como uma estrela cadente que se exaure no átimo culminante de sua glória.       

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