3 de agosto Diário Incontínuo
FÉRIAS EM
BARRAS DO MARATAOÃ
Elmar Carvalho
Parte II
Em Rua da
Glória, esse grande livro de memórias – grande tanto pelos seus quatro volumes,
como por ser um belo trabalho de literatura – o autor, ao tempo em que narra
fatos acontecidos com sua pessoa e com os familiares mais próximos, também
conta episódios interessantes de que foram protagonistas amigos e parentes mais
remotos. Termina sendo um grande contador de histórias, que se entrelaçavam ou
seguiam paralelas à história de sua própria vida, como comprovo com o episódio
que passo a recontar de forma sintética.
Nas férias em
Barras, ele fez amizade com a senhora Maria Pires da Mota e com suas duas
filhas, Marieta e Senhorinha, todas bem mais velhas que ele, que ainda se
avizinhava de seus 14 anos de idade. Marieta era a mais velha, e também a mais
circunspecta, mais sisuda, mas que também lhe dava atenção.
Senhorinha, nas
palavras do memorialista, “era muito expansiva e simpática”. Tornou-se compadre
“de fogueira” desta última, com quem fazia passeios pela pequena urbe. Numa das
vezes, visitaram a casa do coronel Regino Melo, na qual se encontrava o
interventor federal do Piauí, Leônidas de Castro Melo, que passava uns dias de
descanso na casa de seu pai.
Dona Maria e as
filhas pertenciam a tradicional estirpe barrense e piauiense. Moravam numa das
mais antigas casas solarengas da cidade, que ele descreve como sendo “magnífica
representante da arquitetura urbana piauiense. Era uma morada inteira de porta
e seis janelas, com caixilhos largos de madeira e folhas pesadas”.
Esse vetusto
solar escondia um mistério. Recluso num dos quartos, sem nenhum contato com o
mundo exterior e com pessoas de fora, vivia Neno, “o filho doente de dona
Maria”. Formado em odontologia, exercera a profissão em União, de forma correta
e competente. Segundo o relato do livro, “era um rapaz alto, bonito que fizera
suspirar as moças casadoiras do local”.
Contudo, tempos
depois, Neno passou a abandonar o seu consultório, para fazer escavações nos
arredores da cidade, próximo a um dos outeiros dos arredores. Cada vez mais ele
se dedicava a esse grosseiro labor, e progressivamente se extenuava nesse misterioso
mister, pesado e inglório, chegando ao ponto de emagrecer.
Os comentários
começaram a se espalhar na pequena comunidade. Alguns achavam que alguma alma
penada lhe indicara algum local onde existiria um tesouro. Os curiosos
começaram a espiar a sua dura labuta, em que o dentista, em lugar de leves e
delicados instrumentos, passou a manobrar vigorosamente pás, enxadas e pesadas
picaretas.
Foi constatado
que a escavação se ramificava, de forma intrincada, como se fora emaranhado
labirinto. Nesse trabalho estéril de uma inútil construção, Neno “vivia
ensimesmado e mudo. Isolado do mundo”. Precisou ser afastado à força dessa sua
labuta estafante, em que definhava de forma acentuada.
Após essa
providência, passou a viver recluso, como dito, num dos dormitórios da casa
senhorial de sua mãe, em Barras, da qual o jovem Carlos Augusto de Figueiredo
Monteiro, sentado na sala de visitas, lhe ouvia o murmurar, que deixava
perceber-lhe a voz possante e grave. O escritor acha que ele talvez fosse
vítima de esquizofrenia, em caso um tanto semelhante ao que acometera o bailarino
Nyjinsky.
Neno foi o
Dédalo e o Minotauro de seu próprio labirinto. E talvez tenha sido uma espécie
de esfinge que não conseguiu decifrar o enigma de sua própria vida, de uma
beleza cintilante e improfícua, como uma estrela cadente que se exaure no átimo
culminante de sua glória.
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