Dílson Lages: discurso
de posse na APL
[Dílson Lages
Monteiro]
Senhores e senhoras,
O espírito que me move hoje é o mesmo de 30 anos atrás. Ao
cruzar o morro do Pipoca, pequena
elevação geográfica que escondia a
cidade natal, como se ocultasse ou protegesse um tesouro, minhas esperanças de menino se depositavam na argila dos meus sonhos. A longa viagem, mais na imaginação que no
trajeto, mais no desejo de descobertas
que na paisagem renovada do verde das chuvas de março. Longa a vontade de realizar, de crescer, de
vencer.
O entusiasmo de trinta anos atrás é o mesmo de hoje. Carrego em minha alma o permanente anseio de ser útil à humanidade,
mais que a mim mesmo, e espero que esse traço de meu ser se mantenha inabalável
– agora mais do que antes - em favor de
difundir e revigorar a boa literatura e
promover o conhecimento dos grandes temas intrínsecos à linguagem.
Generosamente, as portas desta Casa se abrem para mim quando
chego à juventude dos quarenta anos.
Desde os mais verdes anos, sonhei que um dia estaria entre vós, e custa crer,
às vezes, que este dia chegou. Multiplica-se minha responsabilidade de
retribuir ao coletivo, com o olhar em Deus, a confiança creditada. Espero, com
humildade e labor incansável em prol das letras, corresponder, com as tintas de
meu verbo e o vigor da persistência, para ajudar a manter acesas as chamas que
iluminam o alicerce deste sodalício e que enaltecem o ideal comum de todos os
confrades.
Fazer literatura e formar leitores, hoje, transformaram-se em
desafios dos mais exigentes. Não obstante as tecnologias digitais se revelarem
grandes aliados, favorecendo desde a divulgação de ideias à edição de livros, a
profusão de novas formas de sociabilidade, contagiantes para todas as idades,
conduziu a uma ânsia de imediatismo e a novas necessidades, que forçam à
inserção no ciberespaço, por meio da atualização contínua e do uso dos novos
meios disponíveis e, ao mesmo tempo,
requerem o compartilhamento e a participação ativa de todos os
integrantes do sistema literário. Afinal, a cibercultura “propaga a copresença
e a interação de quaisquer pontos do espaço físico, social ou informacional”,
como lembra Pierre Levy, e exige que nos recriemos para viver o hipertextual
sem perder as marcas da tradição que fundamentam a nossa identidade.
Senhores e senhoras,
Cresci. A certeza disso reside na juventude embebida
principalmente de livros, leituras e
trabalho, muito trabalho. Reside na manutenção de meus propósitos de
criança e adolescente sonhadores, dos propósitos do romântico operário da
educação. Eis-me aqui, eis o menino, o adolescente, o
operário, o sonho. A vontade de realizar e de vencer.
Escreveu o vate amarantino Da Costa e Silva no festejado
poema Carrossel Fantasma:
“Ganhei o dia a meditar na minha vida,
porque a saudade me levou à longínqua Amarante
que cisma, talvez por mim, debruçada sobre as águas
lentas e sonolentas do Parnaíba
a rolar para o mar como eu para o mistério...
Então, num sonho de criança convalescente,
vem-me à memória o carrossel que fascinava,
no seu giro constante, os meninos de minha idade”
(...)
O carrossel parou no largo... mas não parou na vida...
Continua em meu sonho, rodando... rodando sempre...
E andando e desandando, num ritmo contraditório,
ainda me dá a alegria inevitável de dar voltas...
de girar, de rolar como os astros no espaço,
de elevar-me a um destino superior ao do planeta,
que em torno da sua órbita, como um símbolo, roda...
— Upa! Upa! Meu pensamento!
Ao compor estas palavras, por mais que tentasse resistir a
isso, as correntezas da memória me arrastaram à infância e ao berço de minhas
raízes, como tão frequentemente fizeram a Da Costa e Silva e a uma infinidade
de vates, como uma espécie de sina. Se as evoco é porque se entranharam
definitivamente em mim, como reservas
literárias, das quais o esforço para outros temas não foi capaz de me libertar inteiramente. Se as evoco
é porque, falando inicialmente com a força da memória, embora contrariando aparentemente a praxe do
discurso acadêmico, posso com maior exatidão e autenticidade discorrer sobre o
que verdadeiramente interessa. Se as evoco é porque, recompondo as nódoas da
meninice, posso revisitar a descoberta do livro, da literatura e as primeiras
impressões sobre esta luminosa Casa de Lucídio Freitas e A. Tito Filho.
Em mim, a literatura visa preservar o tempo de ontem, atualizando
impressões ou vivências passadas, para reinterpretá-las e criar novas
impressões em palavras multiformes. Em mim, é a memória, em sensações
simbólicas, que se incorporam à natureza, independentemente do uso social que
faça da linguagem literária. A literatura, afinal, serve como modo de ler a
individualidade humana – a nós mesmos,
sem determinação de tempo e lugar - e a
absorção do individual pelo coletivo. Uma forma de reconstrução do passado e do
presente, sem arbitrariedades, porque nesse tipo de linguagem, até nos textos
declaradamente engajados, o princípio da excelência está na liberdade dos
sentidos ou das vozes emergentes. Ao escrever, pois, a
memória e as sensações se sobrepõem ao individual; o passado reinventa-se no
presente.
A esse propósito, para ilustrar o significado superior das
reminiscências e seu processo alinear,
recorro à memória do despertar do sono, em “No caminho de Swann”, de Proust:
“A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhe seja
imposta pela nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras,
pela imobilidade de nosso pensamento perante elas. A verdade é que, quando eu
assim despertava, com o espírito a debater-se para averiguar, sem sucesso, onde
poderia achar-me, tudo girava em redor de mim no escuro, as coisas, os países,
os anos. Meu corpo, muito entorpecido para se mover, procurava, segundo a forma
de seu cansaço, determinar a posição dos membros para daí induzir a direção da
parede, o lugar dos móveis, para reconstruir e dar um nome à moradia onde se
achava. Sua memória, a memória de suas costelas, de seus joelhos, de suas
espáduas, lhe apresentava sucessivamente vários dos quartos onde havia dormido,
enquanto em torno dele as paredes invisíveis, mudando de lugar segundo a forma
da peça imaginada, redemoinhavam nas trevas. E antes mesmo que o meu
pensamento, hesitante no limiar dos tempos e das formas, tivesse identificado a
habitação, reunido as diversas circunstâncias, ele, - o meu corpo -, ia
recordando, para cada quarto, a espécie do leito, a localização das portas, o
lado para que davam as janelas, a existência de um corredor, e isso com os
pensamentos que eu ali tivera ao adormecer e que reencontrava ao despertar […]”
Interessa-me, sobremodo, a memória da infância. Toda infância
se alicerça na transposição imaginária do real, conforme acertadamente
asseverou o antropólogo Clifford James Geertz: “Uma mente criando sentido,
buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa palavra –
construtora do mundo”. Quer no giro metonímico do poema dacostiano, quer em
qualquer outra representação social ou imagética, essa transposição se
configura como condição comum para se entender a voz da criança, também da
literatura que se fundamenta – ainda que parcialmente - na construção social do
mundo infantil.
Para Freud, a natureza da arte imaginativa reside na
infância: “A obra literária, como o devaneio, é uma continuação, ou um
substituto, do que foi o brincar infantil”.
O ofício do literato se elucida simplificadamente nestes termos: “O escritor
criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que
ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de
emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre esse mundo e a realidade”.
Se recupero essas referências, é para justificar, em partes,
a gênese de um processo literário em formação permanente. A presença viva de uma paisagem simbólica,
reflexo identitário da escritura literária, em cujas metáforas e metonímias a
integração à natureza anima-se. Essa integração constitui-se em pano de fundo
que recuperam sabiamente, por exemplo, românticos, simbolistas e mesmo os
revolucionários regionalistas brasileiros de 1930. Nos primeiros, para
favorecer a evasão ou definir a cultura do novo mundo; nos segundos, para
ensejar a transcendência cósmica; nos terceiros, para questionar a realidade social com
contundência, à luz principalmente do socialismo.
Essa integração é a mesma tão habilmente decantada na
dimensão espiritual do poema O tempo nos parques, de Vinicius de Moraes. Para a
percepção da vida, do ser e do estar no mundo, o eu lirico vai buscar no
contato onipotente com a natureza o silêncio, o sagrado, o eterno, necessários
para a consciência do existir e para a elevação espiritual:
“O tempo nos parques é íntimo, inadiável, imparticipante
(...)
Medita nas altas frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
(...)
O tempo dos parques gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
(...)
Porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos parques."
A integração da paisagem ao narrador ou ao eu lírico, na raiz
da mímese ou da ambiência literárias, explicita-se como traço inerente ao fazer
artístico e encontra na infância seu porto seguro.
Em mim, a memória da infância se divide entre o rio, a casa
paterna, a igreja e as miragens do mundo rural. Neles, a experiência humana se
converteu em novas experiências e palavras, principalmente, ora intermediadas
pelo sensacionismo, ora pela utilização da literatura como documento. Em Pessoa, sobretudo, essas vivências
encontram referencial de que me utilizo como bússola para o fazer literário.
Explica o poeta: “A arte, na sua definição plena, é a expressão harmônica da
nossa consciência das sensações; ou seja, as nossas sensações devem ser
expressas de tal modo que criem um objeto que seja uma sensação para os
outros”. Dito em forma de versos, por meio do heterônimo Alberto Caeiro:
“Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.”
A literatura como documento encontra na prosa de 1930, de que
também me valho, o paradigma para grande parte dos projetos literários em
vigor. Herdeira da influência realista, repaginada pela renovação estética, em
prosa, nas quatro primeiras décadas do século XX, essa concepção trouxe
profundas transformações sobre a técnica
literária. Nas palavras do historiador Alfredo Bosi, “o caráter bruto ou brutal
desse novo realismo do século XX corresponde ao plano dos efeitos que a sua
prosa visa a produzir no leitor: é um romance que analisa, agride, protesta.
Para atingir esse alvo, porém, foi necessária toda uma reorganização da
linguagem narrativa, o que deu ao realismo de um Faulkner, de um Céline ou de
um Graciliano Ramos uma fisionomia estética profundamente original”.
Em mim, a memória da infância se divide na natureza de minha
palavra. O mundo, tão grande, cabia no meu coração. Aprendi a ver no rio, na
casa paterna, na igreja e nas miragens do mundo rural gente. Aprendi a me
integrar à paisagem como se fôssemos uma só criatura. As águas assombrosas dos
invernos fartos lambiam os tetos das casas ribeirinhas e reproduziam a fartura
de peixes: piranhas e surubins gigantes vendidos de porta em porta. As águas
pareciam gente. A casa modesta de então,
de longo corredor, teto de madeira redonda e piso de tijolos, rústica em
sua simplicidade e rica em carinho e
amor. A casa paralela ao rio, a dois quarteirões da igreja. A casa em cujas
paredes enxergava o céu de todas as formas e texturas. A casa imorredoura em
minha emoção. A casa que era gente. A
igreja, onde coroinha fui aos sete anos
– para orgulho de Dasinha. a igreja, onde aprendi a fazer perguntas e a
conversar com o desconhecido, imaginando as estórias do outro mundo; A igreja que fortaleceu a paciência e a
humildade de meu DNA. A igreja que em festas religiosas atraiam toda espécie de
tipos curiosos e exóticos. Gente, era gente.
Ah! As miragens do mundo rural! Vivi, antes da maior
consciência de classe, que modificou as configurações do trabalho no campo, e
da opção pelas oportunidades e promessas da vida cosmopolita, os últimos dias
coloridos e simples das antigas propriedades rurais da Zona da Mata de Barras
do Marataoã, na sombra dos desdobramentos
da Fazenda Esperança, do velho
Alfredo Pires Lages. Ainda as conheci; os valores, costumes e histórias, nos
derradeiros anos de uma geração que viveu no campo. Até parece que ouço a
comunicação fácil dos longevos e fiéis Agostinho Israel e Jenelino. As antigas
propriedades, ainda as conheci como eram, elemento concentrador de renda e como saudável
fonte de entretenimento e sociabilidade.
Ali, a audição tinha professor nos ruídos de algum veículo
perdido nos estradões de areia. Ali, a cantiga insistente da cigarra, o mugido
do gado na madrugada, o ruído frenético das folhas das palmeiras, dos sapos nas
lagoas em noites de inverno e os sons das correntezas dos riachos eram as vozes
das sensações falando em bom português. A variada gastronomia de delícias sem
fim e orações que se dissolvem, respectivamente, em meu paladar e em meus
tímpanos.
Nesse ambiente, pela primeira vez entrei em contato com a
poesia propriamente dita, a dos cantadores, na vaga lembrança de uma cantoria,
e com a leitura dos poemas de Teodoro e Hermínio, em antologia organizada e
comentada pelo acadêmico Herculano Moraes, em capa azul. Tenho a impressão viva
de lhe tatear ainda. Lendo-a, sob o balançar da rede de tucum, punha-me a
cantar sem nenhuma ideia sobre a sinfonia particular que une a música e a
poesia. Quantas estórias de assombração sob o céu estrelado! Figuras que
viravam animais, visagens de todo tipo, para justificar os absurdos das
transgressões humanas.
Ali, também entendi a desigualdade nas mãos das quebradeiras
de coco, na peleja do vaqueiro tocando boi encaretado, no agricultor de foice
ao ombro a caminho da roça. O mundo era dividido; algumas vezes, pela natural
divisão social do trabalho; outras, pelas imposições morais da injustiça
social. A mesma divisão da pracinha central da cidade-berço: andando em
círculos, na extremidade superior da praça, as trabalhadoras domésticas, alvo
dos mais absurdos preconceitos, e os moradores dos bairros, vistos pelas lentes
da desconfiança e da discriminação; na extremidade inferior, jovens oriundos das famílias do centro,
indiferentes aos contornos da desigualdade velada. O mundo demarcado, dividido na pólvora das
ruas e das tensões inesgotáveis de poder, mas o mundo em que o humanismo, a
ação cidadã e a convivência saudável derrotavam as barreiras da arrogância e da
indiferença. As fazendas e a cidade, em suas alegrias e divisões, gente eram. E
ficaram marcadas em minha epiderme, como um pedaço de minha própria pele. Se as
evoco, é porque sei da força matriz que mantêm com meus projetos literários.
Na cidade em que nasci, por volta de 1982, ocorre-me a
lembrança mais distante do nome desta Casa de Letras. Para conter a
indisciplina em sala de aula, a diligente e afetuosa diretora do grupo escolar
Gervásio Costa, escola pública onde estudei o ginásio, a senhora Maria de Jesus
Carvalho Rocha, figura de relevo na história da educação daquela cidade, entrou
subitamente no recinto e pôs-se a falar das tradições de uma cidade de grandes
homens, no passado, nas variadas esferas da atividade humana. A tradição, ao
que parece, iniciada na Guerra do
Paraguai e esplendorosa até a queda do Estado Novo, assinalando não apenas o
declínio político das oligarquias rurais, mas também a decadência da força
política de uma região. Todos, em silêncio, ouviam atentamente comentar sobre
os irmãos Celso e João Pinheiro, além do mito vivo de então, A. Tito Filho.
Dizia que o destino de alguns de nós poderia ser de conquistas, se assim o
quiséssemos. Ouvi pela primeira fez ali
o nome da Academia Piauiense de Letras e dele nunca mais me esqueci, como
símbolo de orgulho do lugar em que nasci.
Se evoco essas
memórias, é porque o menino, o adolescente ainda existem em mim. Em seu
entusiasmo, em suas esperanças.
Senhores e senhoras,
Vivendo o magistério, a linguagem e a literatura como
objetivos diários desde a adolescência, como estudante, como professor de longa data, sinto-me afinado aos valores e
às causas dos que me antecederam na cadeira 21, embora eu seja apenas um
pequeno ponto de entusiasmo diante do que cada um legou para as letras. O
desafio de honrar a cadeira de Leopoldo Damasceno Ferreira, Antônio Francisco
da Costa e Silva, Maria Isabel Gonçalves Vilhena e Francisco Hardi Filho é
colossal, todavia, gigantesca, também, a minha obstinação.
O oeirense Cônego Leopoldo Damasceno Ferreira, doutor em
Direito Canônico, nascido em 1857 e
falecido em São Luiz do Maranhão, em 1906, patrono deste assento,
notabilizou-se como, além de poeta de grande força lírica, figura múltipla, com
extensa folha de serviços, especialmente à igreja, ao magistério e ao jornalismo. No Maranhão, segundo anotações do historiador
e acadêmico Wílson Carvalho Gonçalves, além de notável orador sacro e poeta,
foi professor de Latim e Francês no Liceu Maranhense, diretor do Seminário das
Mercês e governador do bispado do Estado.
Cônego Leopoldo, destaca o historiador, “teve intensa atividade na
imprensa do Maranhão”, colaborando com os jornais Diário do Maranhão e Alvorada.
A nobreza fulgurante de sua inteligência e expressão como
orador sacro é descrita por Ivan Lins em sua “História do positivismo no
Brasil” (1967). Ele relata o empenho do professor maranhense Agostinho Gomes de
Castro, intenso defensor da teoria de Auguste Comte, para dar publicidade a ela
em São Luiz, e a movimentação da igreja em oposição a esse conceito. Nesse
mister, o clero nomeou a maior autoridade da igreja naquele Estado, o Cônego
Leopoldo Damasceno:
“Num domingo, 29 de fevereiro de 1898, no edifício da Escola
da Rua Grande, onde funciona hoje o Instituto Histórico, deu Gomes de Castro a
sua aula inaugural, tomando como tema a "exposição popular do
positivismo". O sucesso foi espantoso. Grande assistência passou a
ouvir-lhe a palavra, sempre fluente e fascinadora.
(...)
Tal sucesso apavorou o clero maranhense, que resolveu reagir,
opondo doutrina contra doutrina.
Para isso, apelaram os padres para sua maior ilustração — o
Cônego doutor Leopoldo Damasceno Ferreira. Mandaram-no buscar na Vila do Paço,
de cuja freguesia era encarregado. O Cônego veio e iniciou uma série de
conferências contra o Positivismo na Igreja de Santo Antônio.”
Registra o professor A. Tito Filho, em crônica datada de
17.06.1988, a seguinte apreciação de Clodoaldo Freitas sobre a larga
contribuição do patrono da cadeira 21:
"Foi, nestes
últimos tempos, o campeão de teologismo entre nós, e bateu-se, pela imprensa,
em defesa do credo católico com a louçania de um convencido. Sustentou
polêmicas acres e veementes, demonstrando sempre copiosa e larga cultura.
Distinguiu-se como orador sagrado, como jornalista e os íntimos o denunciavam
também como um poeta de inspiração e sentimento. Tinha coração de patriota para
amar a pátria, sentir suas dores e suas alegrias. Era uma rara exceção entre o
clero brasileiro, tão diferente do clero de outrora".
Na cadeira 21 deste sodalício, em janeiro de 1923, tomou
posse o mais conhecido dos poetas piauienses, Antônio Francisco da Costa e
Silva. Em artigo publicado originalmente em 11 de outubro de 1998 e reproduzido
em Notas de leitura impressionista – nova série, o ilustre crítico literário e
acadêmico Manoel Paulo Nunes revisita a posse do Poeta da Saudade, em busca de
desvendar o desconhecimento completo do discurso do vate, jamais publicado em
terras piauienses.
Do amigo romancista Josué Montello, Paulo Nunes conta que
recebeu inusitado presente: recorte do jornal
Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, de 16 de janeiro de 1923,
noticiando a posse do acadêmico e tecendo elogio ao patrono por ele escolhido.
Esclarece Paulo Nunes:
“Trata-se, ao que suponho, do resumo do famoso e desconhecido
discurso do poeta, ou mesmo do próprio discurso, pois compreende um perfeito
estudo biográfico e crítico da personalidade do cônego, detendo-se o novo
acadêmico, especialmente, no comentário de sua obra lírica, de mais forte
inspiração”.
Reproduzindo poema de autoria do Padre Leopoldo, poema de
acentuados traços líricos, o crítico Paulo Nunes prioriza a leitura que
Da Costa realizou sobre a poética do patrono da cadeira 21. Nas palavras
do poeta amarantino,
“Esse padre, que todos afirmam era um crente convicto e um
sacerdote virtuoso, teve, sem dúvida, como o poeta Anvers, o seu segredo n’alma
e o seu mistério na vida. Teve, como todo poeta, a aparição divina de uma
sombra de mulher, nos caminhos incertos da existência.”
Raros poetas piauienses atingiram tanta notabilidade nacional
quanto Antônio Francisco da Costa e Silva. À sua produção literária, detêm-se
os mais variados historiadores, entre os quais, nomes de credibilidade como
Andrade Muricy, José Veríssimo, Sílvio Romero, Alfredo Bosi e Carlos Nejar.
Para este, em sua História da Literatura Brasileira – Da carta de Caminha aos
Contemporâneos - o poeta de Amarante, ao lado de Raul de Leoni, “tornara-se o
arauto do Pré-Modernismo, trazendo a semente da crise, que é o começo da
transformação estética”. Para justificar o parecer ele afirma: “ Há um lado
estranho neste poeta, revolucionário para a época, o dos poemas experimentais,
desenhando em vocábulos o tema dos versos”.
Rotulando-o como um “lírico superior”, Nejar destaca,
entretanto, que a poética dacostiana, sobretudo, “gerou uma poesia com apuro e
força imagística, aliando símbolos religiosos a certo profanismo”, a que se
agrega, em muitos poemas, “visível concisão elegíaca”.
A interpretação de Nejar, que o considera, conforme posto,
como precursor do Pré-Modernisto e, portanto, atento às nova tendências de seu
tempo, encontra reforço nas palavras de um dos principais pesquisadores da
poesia de Da Costa e Silva. Para o crítico literário e Pós-doutor em Literatura Cunha e Silva Filho,
fecundo estudioso da obra dacostiana, “ao construir uma obra literária poética
em vários estilos literários, ele não deu senão demonstração de ser um poeta
voltado a um experimentalismo que o conduziu até mesmo ao Modernismo”.
A força das imagens e
símbolos, a que há pouco referimos,
mergulhada em telurismo de tom elegíaco, é traço comovente de um dos
poemas mais populares do Piauí, o
célebre soneto Saudade:
"Saudade! Olhar de minha mãe rezando
e o pranto, lento, deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
cantigas de águas claras soluçando.
Noites de junho... o caboré com frio,
ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E ao vento, as folhas lívidas cantando
a saudade imortal de um sol de estio.
Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
As mortalhas da névoa sôbre a serra...
Saudade! O Parnaíba, - velho monge,
as barbas brancas alongando... e, ao longe,
o mugido dos bois da minha terra..."
Sobre a Saudade em Da Costa e Silva, diz Cunha e Silva Filho:
“(...) A saudade no poeta está mais plantada em fundas raízes
românticas, sendo ela fruto mais das intuições, da espontaneidade, de
condicionamentos existenciais. (...) A saudade dacostiana deve ser entendida, a
nosso ver, como a ausência de alguém ou
de alguma coisa que perdemos no tempo e no espaço e, além disso, é motivada por
quatro forças-motrizes de seu lirismo: o amor materno, o amor à terra natal, o
amor ao rio Parnaíba e, finalmente, o amor à Alice, a sua musa cedo
desaparecida.”
Uma dos mais completos mergulhos no lirismo e na gênese da
criação de Costa e Silva nasceu da sensibilidade do historiador e diplomata
Alberto da Costa e Silva em Invenções de Orfeu, ensaio quase obrigatório para
compreender as influências literárias do
poeta e as particularidades de sua técnica . Conta o historiador, citando
relato de Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, que o pai aprendera muito cedo a ver.
“A Perscrutar o mundo. A conhecer as formas, os movimentos e o nome de tudo que
estava a seu redor”.
“O poeta fazia máscaras de Carnaval e pandorgas. Pintava com
paisagens as paredes das casas. Esculpia santos em madeira. Confeccionava
estandartes para as festas religiosas. Suas mãos de dedos longos e harmoniosos
eram habilíssimas e teriam feito dele um pintor ou um escultor, não tivesse
ainda menino, começado a compor versos.”, conta o historiador.
A capacidade de ver situa-se, para Alberto da Costa e Silva,
como elemento do qual se vale para sintetizar o fazer literário do pai:
“A capacidade de mimese, que poderia conduzir ao simples
descritivismo e a uma poesia que se reduzisse às emoções da inteligência, é
corrigida num poeta que sabia ver e reproduzir o que via, por uma penetração na
paisagem e, mais que isso, por um pensamento panteísta, que o integrava nela e
na divindade”.
Referindo-se a toda a produção poética de Da costa e Silva,
ele acrescenta:
“Da Costa foi capaz de estar na natureza como Pã e como
Orfeu. Por isso, pode passar da paisagem misteriosa e altamente simbólica,
presente em Sangue – naquele soneto perfeito que é “Rio das Garças”, por
exemplo – para a natureza harmoniosa ou agredida de Zodíaco, até chegar à
natureza emotiva e pesada de Pandora, à natureza filtrada pela lembrança e que
obedece ao canto do poeta”.
Antônio da Costa e Silva nasceu a 23 de novembro de 1885, na
rua das Flores, em Amarante. Ali estudou o primário e viveu a infância entre os
banhos nos rios Canindé, Parnaíba e o riacho Mulato, entre os passeios à
fazenda da família e à igreja. Muda-se para Teresina na adolescência, a fim de
estudar o ginásio no Liceu Piauiense. Em 1906, está em Recife, matriculado na
faculdade de Direito. Em 1910, aprovado em concurso público, assume o cargo de
escriturário da Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, ascendendo celeremente ao
posto máximo dessa repartição. No exercício de suas atividades profissionais,
reside em várias capitais: São Luiz, Manaus, Fortaleza, Recife, Belo Horizonte,
Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, onde falece a 29 de junho de 1950.
Para aquilatar a influência do Poeta da Saudade no cenário
literário nacional e sua sintonia com o que se produzia à sua época, cito
episódio a que menciona Alphonsus de Guimaraes Filho, em biografia escrita
sobre o próprio pai, um dos maiores poetas – senão o maior - do cânone
simbolista. Estabelecido em Minas Gerais, Da Costa fora um dos maiores amigos
de Alphonsus de Guimaraes e o responsável, inicialmente, pela divulgação da
poesia do famoso autor de “Ismália”, conforme conta Guimaraes Filho em
biografia:
“Teu amigo foi o esplêndido poeta piauiense Da Costa e Silva,
a quem muito prezavas: dedicaste-lhe o soneto XXV da Pastoral.
(...) O poeta de
Sangue figura entre os que mais te distinguiram. (...)”
A esse respeito diz Alberto da Costa e Silva, incansável
divulgador da obra do pai:
“Da Costa e Silva fez uma peregrinação, pouco antes de 1915,
a Mariana, a fim de conhecer pessoalmente a Alphonsus de Guimaraes, a quem
admirava desde os tempos de rapaz e cuja grandeza foi dos primeiros a
conhecer”.
E acrescenta:
“Se, como dizia Augusto Meyer, fora Da Costa e Silva quem lhe
revelara, e a outros companheiros gaúchos em 1930, ele o fizera antes aos
próprios mineiros”.
Sucedendo a Da Costa e Silva, Maria Isabel Gonçalves Vilhena,
projetou-se como poetisa e como educadora
de reconhecida competência. Professora da Escola Normal, do Colégio
Diocesano e do Colégio das Irmãs, ela nasceu em 20 de agosto de 1896, na Rua
Santo Antônio, hoje Olavo Bilac, e faleceu aos 92 anos, em Teresina, a 19 de
dezembro de 1988. Publicou Nada e Seara Humilde, este em 1940. O reconhecimento
da obra assegurou-lhe a reedição conjunta em 1975, pela Secretaria da Cultura
do Piauí. Em notas impressionistas, diz seu sucesso na cadeira 21, o poeta
Hardi Filho:
“O lirismo de sua poesia encanta pela doçura e pela leveza da
expressão que traduz com espontaneidade as emanações da fonte conceitual do
pensamento. Seu livro é composto de versos nascidos de uma imaginação clara,
expressos como água que cai e, nessa queda, arrasta para a mensagem o que de
melhor e mais puro contém o coração.”
Graça Vilhena, poetisa, festejada professora de literatura e
neta da autora de Seara Humilde, em análise lúcida, assim se manifesta sobre a
técnica e as matizes da poética da avó:
“A expressão analógica entre a natureza exterior e a projeção
dos sentimentos, assim como a liberdade formal, na maioria das composições,
aproxima a poética de Isabel Vilhena à estética romântica. Porém, alguns
aspectos relevantes são operados, em sua lírica, que revelam certa tendência
modernista e contradizem algumas características básicas do comportamento
romântico. Isso ocorre nos momentos em que a poeta (ou poetisa) rompe as
fronteiras do individualismo e as imagens, arquitetadas por símbolos,
metáforas, símiles e prosopopeias passam a ser produto de uma correlação
psíquica entre as coisas da natureza e o mundo, assim, a voz poética é
projetada no âmbito geral, numa comunhão com o outro.”
Expressando-se sobre a consciência do fazer poético de Isabel
Vilhena, acrescenta a poetisa:
“Sua poesia se atualiza também pelo trabalho consciente em
torno da linguagem. A riqueza imagética nos versos de “Nada” e “Seara Humilde”
– reunidos em publicação posterior – está nos poemas como testemunha de uma
poética que se afirma pela excelência de seus versos. A linguagem,
aparentemente simples, veste-se de novos significados, férteis em simbologia e
figuração: o pau-d´arco amarelo é símbolo da riqueza da “Terra Brasileira”;
nossos sonhos estão guardados “no longínquo azul” do horizonte; o amor “é tão
iluminado” como todas as flores sob a luz do sol; a mesma luz que “se coalha”
nos arvoredos, agasalhando “a solidão das casinhas de palha”. As asas da
borboleta levam a ventura fugidia e a “alvorada de maio” traz a alegria da
vida. A “luminosa esteira do sol” se afasta como as lembranças do passado e as
noites de São João são iluminadas pelo “chuveiro de estrelas”. A “alma da terra
mora no vulto erguido das longínquas serras” e o rio, como nós, “sonha acordado
e sem saber que sonha”.
O diálogo natureza-sentimento e os símbolos daí oriundos
refletem-se em versos de notável influência romântico-simbolista, como estes,
de O lago:
Na superfície azul das águas transparentes,
Sereno e calmo vive o lago a refletir
a grandeza do céu, os astros reluzentes
e a renda do arvoredo ameno a reflorir.
E quem o vê assim nessa mudez dormente,
Sem um murmúrio vago ou leve proferir,
Nessa aparência mansa e doce de um demente,
terá razão demais, de certo, em se iludir!
Revolvei o seu leitor! E o tendes já turvado,
Desfeita, emaranhada a renda do arvoredo,
E o calmo adormecer em
vagas transformado!
Como o lago também há corações! E quantos!...
De aparência feliz, guardando, com segredo,
na placidez de um riso um vendaval de prantos!
Resumindo a poética de Isabel, conclui Graça Vilhena:
“A espiritualidade, a saudade, o fundo psicológico, o amor e
a natureza são temáticas constantes em sua obra, que ela soube tratar não com
sentimentalismo exarcebado, mas com uma sensibilidade rara e verdadeira. A
intenção da poeta com sua simplicidade estética e pura expressão poética é
tocar a alma humana, sem distinção, numa atitude universal e solidária. O
lirismo sem particularismo, o ecumenismo de seus versos são, portanto, traços
inovadores que atualizam sua poética e nos deixa a impressão, ao ler seus
versos, que compreendemos sua generosidade, a intenção contida em seu lirismo
agreste, sua voz que se projeta para emocionar os corações distantes.”
Bastam as palavras de Carlos Nejar, para definir a grandeza
da poesia do último ocupante da cadeira 21. Contrapondo o estilo de Hardi filho
ao de H. Dobal, para quem “a poesia é um instrumento de precisão”, sentencia:
“O oposto de H. Dobal é Hardi Filho, natural de Fortaleza
(1934), radicado em terra piauiense, estreando com Cinzas e Orvalhos (1964).
Poeta de efusão amorosa, usuário do soneto, em que o ânimo de dizer é maior que
a invenção imagística e o domínio estético. Mas diz com fervor o que sente,
arma o silêncio contra o indefeso (suicidado) tempo, concita a luz na gruta do
poema, sinuosa forma de eternidade”.
Entre nós, comungando da vivência dos livros em espaços
comuns, os historiadores e poetas Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes,
amigos de geração do poeta de Gruta Iluminada, souberam abstrair o âmago da
escritura de Hardi.
“No seu trabalho contínuo, de obra a obra, incorpora
conquistas do moderno e as mais experiências do verso na construção poemática
de modo geral. Entretanto, a crítica tem concordado: é no soneto que está o
melhor de sua arte”, diz Francisco Miguel.
“Última glória de uma poesia efetivamente compromissada com
os estados interiores da alma”, avalia Herculano Moraes.
Tive a oportunidade de conhecer Hardi Filho. De ouvi-lo falar
sobre poesia. De sua predileção sobre Celso Pinheiro, a respeito de quem
conversamos reiteradas vezes. Introspecto, era dado ao diálogo quando se sentia
à vontade; figura afável e cativante, um poeta no sentido exato do termo.
Se o conhecimento poético limpa as vidraças da percepção para
tornar as coisas infinitas, conforme definiu William Black, em Hardi, esse
instante de iluminação torna o verbo límpida ressonância do sonho e do
romantismo, escolha realizada com a
consciência da arte que dominava, como bem condensou o poeta em soneto
antológico:
Dúvida
Eu ti esperarei, eu te esperarei sozinho
Dentro da noite intérmina da vida.
E desde o instante atroz da despedida,
Que te esperando acumulo carinho...
E então? Ficaste de voltar, querida,
Eu te esperarei insone em nosso ninho,
Sem companhia de cigarro ou vinho
E a noite mais se alarga e se encomprida!
E de tão longa a espera me tortura.
Deixaste-me somente noite infinda,
Só noite e noite triste e noite escura!
Minha alma está confusa e se biparte:
Não se sabe se ti espera mais ainda
Ou saia pelo mundo a procurar-te!
A poesia de Hardi está
“impregnada de símbolos e conceitos negativistas, cuja temática e o
binômio amor-morte, fundindo-se numa constante que é o desconhecido, com
tendência para o transcendental”,
conforme acentua Francisco Pacelli Bossuet, enfatizando que Hardi “é
poeta sem vínculos a qualquer escola literária”.
Nele, ainda que permaneça o romântico inconfundível, lê-se
também o poeta moderno, versejando com perícia a forma do verso livre e a
incorporação do cotidiano à literatura:
Pela Janela do Trem
Pela Janela do trem
num recorte branco,
a torre da igrejinha
e o céu se derramando
sobre o casario.
Pela janela do trem
o fumo indeciso
das chaminés caseiras
e a arquitetura das nuvens
em matinal passeio.
Pela janela do trem
semblantes de vários tipos
aparecendo e sumindo,
o apito e as vozes
de até breve (ou nunca mais?).
Pela janela do trem
uns olhos femininos
livremente marejados...
e a cidade tão presente
viajando acorrentada
às pupilas desses olhos.
Pela janela do trem
um passado e um futuro
resumindo num presente
na janela do trem
um rosto pétreo
olhos nos olhos que ficaram...
Senhores e senhoras,
Acende-se em meu pensamento o recorte de jornal que recebi,
pelo correio, em 1990. Nele, o frágil
texto escolar que escrevera e, encaminhado ao então presidente desta Casa A.
Tito filho, publicado nas páginas de O Dia por seu intermédio, a mim retornava
com a inconfundível assinatura do grande mestre. A generosidade do ilustre
professor, endossada em duas dezenas de cartas a punho a mim remetidas e,
guardadas com extrema cautela, muito significaram para o pobre estudante de
letras, o leitor curioso e o operário da palavra, que hoje, professor A Tito
Filho, ingressam nesta casa de muitas portas e janelas, nesta casa que o
passado revive, para fazê-lo brotar como a água das fontes. Nesta Casa que é a
sua Casa. Muito obrigado, professor A. Tito Filho. Em seu nome, agradeço a
todos os que me encorajaram nesta trajetória inacabada.
Ditas estas palavras, recorro
ao saudoso Carrossel Fantasma de
Da Costa e Silva:
“Ganhei o dia a meditar na minha vida.”
Muito obrigado!
Discurso proferido por ocasião da posse na cadeira 21 da
Academia Piauiense de Letras, ocorrido em 22.10.2015, no Auditório Wílson de
Andrade Brandão, na sede da instituição.
Dílson Lages: discurso de posse na APL
Dílson Lages: discurso
de posse na APL
[Dílson Lages
Monteiro]
Senhores e senhoras,
O espírito que me move hoje é o mesmo de 30 anos atrás. Ao
cruzar o morro do Pipoca, pequena
elevação geográfica que escondia a
cidade natal, como se ocultasse ou protegesse um tesouro, minhas esperanças de menino se depositavam na argila dos meus sonhos. A longa viagem, mais na imaginação que no
trajeto, mais no desejo de descobertas
que na paisagem renovada do verde das chuvas de março. Longa a vontade de realizar, de crescer, de
vencer.
O entusiasmo de trinta anos atrás é o mesmo de hoje. Carrego em minha alma o permanente anseio de ser útil à humanidade,
mais que a mim mesmo, e espero que esse traço de meu ser se mantenha inabalável
– agora mais do que antes - em favor de
difundir e revigorar a boa literatura e
promover o conhecimento dos grandes temas intrínsecos à linguagem.
Generosamente, as portas desta Casa se abrem para mim quando
chego à juventude dos quarenta anos.
Desde os mais verdes anos, sonhei que um dia estaria entre vós, e custa crer,
às vezes, que este dia chegou. Multiplica-se minha responsabilidade de
retribuir ao coletivo, com o olhar em Deus, a confiança creditada. Espero, com
humildade e labor incansável em prol das letras, corresponder, com as tintas de
meu verbo e o vigor da persistência, para ajudar a manter acesas as chamas que
iluminam o alicerce deste sodalício e que enaltecem o ideal comum de todos os
confrades.
Fazer literatura e formar leitores, hoje, transformaram-se em
desafios dos mais exigentes. Não obstante as tecnologias digitais se revelarem
grandes aliados, favorecendo desde a divulgação de ideias à edição de livros, a
profusão de novas formas de sociabilidade, contagiantes para todas as idades,
conduziu a uma ânsia de imediatismo e a novas necessidades, que forçam à
inserção no ciberespaço, por meio da atualização contínua e do uso dos novos
meios disponíveis e, ao mesmo tempo,
requerem o compartilhamento e a participação ativa de todos os
integrantes do sistema literário. Afinal, a cibercultura “propaga a copresença
e a interação de quaisquer pontos do espaço físico, social ou informacional”,
como lembra Pierre Levy, e exige que nos recriemos para viver o hipertextual
sem perder as marcas da tradição que fundamentam a nossa identidade.
Senhores e senhoras,
Cresci. A certeza disso reside na juventude embebida
principalmente de livros, leituras e
trabalho, muito trabalho. Reside na manutenção de meus propósitos de
criança e adolescente sonhadores, dos propósitos do romântico operário da
educação. Eis-me aqui, eis o menino, o adolescente, o
operário, o sonho. A vontade de realizar e de vencer.
Escreveu o vate amarantino Da Costa e Silva no festejado
poema Carrossel Fantasma:
“Ganhei o dia a meditar na minha vida,
porque a saudade me levou à longínqua Amarante
que cisma, talvez por mim, debruçada sobre as águas
lentas e sonolentas do Parnaíba
a rolar para o mar como eu para o mistério...
Então, num sonho de criança convalescente,
vem-me à memória o carrossel que fascinava,
no seu giro constante, os meninos de minha idade”
(...)
O carrossel parou no largo... mas não parou na vida...
Continua em meu sonho, rodando... rodando sempre...
E andando e desandando, num ritmo contraditório,
ainda me dá a alegria inevitável de dar voltas...
de girar, de rolar como os astros no espaço,
de elevar-me a um destino superior ao do planeta,
que em torno da sua órbita, como um símbolo, roda...
— Upa! Upa! Meu pensamento!
Ao compor estas palavras, por mais que tentasse resistir a
isso, as correntezas da memória me arrastaram à infância e ao berço de minhas
raízes, como tão frequentemente fizeram a Da Costa e Silva e a uma infinidade
de vates, como uma espécie de sina. Se as evoco é porque se entranharam
definitivamente em mim, como reservas
literárias, das quais o esforço para outros temas não foi capaz de me libertar inteiramente. Se as evoco
é porque, falando inicialmente com a força da memória, embora contrariando aparentemente a praxe do
discurso acadêmico, posso com maior exatidão e autenticidade discorrer sobre o
que verdadeiramente interessa. Se as evoco é porque, recompondo as nódoas da
meninice, posso revisitar a descoberta do livro, da literatura e as primeiras
impressões sobre esta luminosa Casa de Lucídio Freitas e A. Tito Filho.
Em mim, a literatura visa preservar o tempo de ontem, atualizando
impressões ou vivências passadas, para reinterpretá-las e criar novas
impressões em palavras multiformes. Em mim, é a memória, em sensações
simbólicas, que se incorporam à natureza, independentemente do uso social que
faça da linguagem literária. A literatura, afinal, serve como modo de ler a
individualidade humana – a nós mesmos,
sem determinação de tempo e lugar - e a
absorção do individual pelo coletivo. Uma forma de reconstrução do passado e do
presente, sem arbitrariedades, porque nesse tipo de linguagem, até nos textos
declaradamente engajados, o princípio da excelência está na liberdade dos
sentidos ou das vozes emergentes. Ao escrever, pois, a
memória e as sensações se sobrepõem ao individual; o passado reinventa-se no
presente.
A esse propósito, para ilustrar o significado superior das
reminiscências e seu processo alinear,
recorro à memória do despertar do sono, em “No caminho de Swann”, de Proust:
“A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhe seja
imposta pela nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras,
pela imobilidade de nosso pensamento perante elas. A verdade é que, quando eu
assim despertava, com o espírito a debater-se para averiguar, sem sucesso, onde
poderia achar-me, tudo girava em redor de mim no escuro, as coisas, os países,
os anos. Meu corpo, muito entorpecido para se mover, procurava, segundo a forma
de seu cansaço, determinar a posição dos membros para daí induzir a direção da
parede, o lugar dos móveis, para reconstruir e dar um nome à moradia onde se
achava. Sua memória, a memória de suas costelas, de seus joelhos, de suas
espáduas, lhe apresentava sucessivamente vários dos quartos onde havia dormido,
enquanto em torno dele as paredes invisíveis, mudando de lugar segundo a forma
da peça imaginada, redemoinhavam nas trevas. E antes mesmo que o meu
pensamento, hesitante no limiar dos tempos e das formas, tivesse identificado a
habitação, reunido as diversas circunstâncias, ele, - o meu corpo -, ia
recordando, para cada quarto, a espécie do leito, a localização das portas, o
lado para que davam as janelas, a existência de um corredor, e isso com os
pensamentos que eu ali tivera ao adormecer e que reencontrava ao despertar […]”
Interessa-me, sobremodo, a memória da infância. Toda infância
se alicerça na transposição imaginária do real, conforme acertadamente
asseverou o antropólogo Clifford James Geertz: “Uma mente criando sentido,
buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa palavra –
construtora do mundo”. Quer no giro metonímico do poema dacostiano, quer em
qualquer outra representação social ou imagética, essa transposição se
configura como condição comum para se entender a voz da criança, também da
literatura que se fundamenta – ainda que parcialmente - na construção social do
mundo infantil.
Para Freud, a natureza da arte imaginativa reside na
infância: “A obra literária, como o devaneio, é uma continuação, ou um
substituto, do que foi o brincar infantil”.
O ofício do literato se elucida simplificadamente nestes termos: “O escritor
criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo de fantasia que
ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de
emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre esse mundo e a realidade”.
Se recupero essas referências, é para justificar, em partes,
a gênese de um processo literário em formação permanente. A presença viva de uma paisagem simbólica,
reflexo identitário da escritura literária, em cujas metáforas e metonímias a
integração à natureza anima-se. Essa integração constitui-se em pano de fundo
que recuperam sabiamente, por exemplo, românticos, simbolistas e mesmo os
revolucionários regionalistas brasileiros de 1930. Nos primeiros, para
favorecer a evasão ou definir a cultura do novo mundo; nos segundos, para
ensejar a transcendência cósmica; nos terceiros, para questionar a realidade social com
contundência, à luz principalmente do socialismo.
Essa integração é a mesma tão habilmente decantada na
dimensão espiritual do poema O tempo nos parques, de Vinicius de Moraes. Para a
percepção da vida, do ser e do estar no mundo, o eu lirico vai buscar no
contato onipotente com a natureza o silêncio, o sagrado, o eterno, necessários
para a consciência do existir e para a elevação espiritual:
“O tempo nos parques é íntimo, inadiável, imparticipante
(...)
Medita nas altas frondes, na última palma da palmeira
Na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
(...)
O tempo dos parques gera o silêncio do piar dos pássaros
Do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
(...)
Porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
É o tempo nos parques."
A integração da paisagem ao narrador ou ao eu lírico, na raiz
da mímese ou da ambiência literárias, explicita-se como traço inerente ao fazer
artístico e encontra na infância seu porto seguro.
Em mim, a memória da infância se divide entre o rio, a casa
paterna, a igreja e as miragens do mundo rural. Neles, a experiência humana se
converteu em novas experiências e palavras, principalmente, ora intermediadas
pelo sensacionismo, ora pela utilização da literatura como documento. Em Pessoa, sobretudo, essas vivências
encontram referencial de que me utilizo como bússola para o fazer literário.
Explica o poeta: “A arte, na sua definição plena, é a expressão harmônica da
nossa consciência das sensações; ou seja, as nossas sensações devem ser
expressas de tal modo que criem um objeto que seja uma sensação para os
outros”. Dito em forma de versos, por meio do heterônimo Alberto Caeiro:
“Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.”
A literatura como documento encontra na prosa de 1930, de que
também me valho, o paradigma para grande parte dos projetos literários em
vigor. Herdeira da influência realista, repaginada pela renovação estética, em
prosa, nas quatro primeiras décadas do século XX, essa concepção trouxe
profundas transformações sobre a técnica
literária. Nas palavras do historiador Alfredo Bosi, “o caráter bruto ou brutal
desse novo realismo do século XX corresponde ao plano dos efeitos que a sua
prosa visa a produzir no leitor: é um romance que analisa, agride, protesta.
Para atingir esse alvo, porém, foi necessária toda uma reorganização da
linguagem narrativa, o que deu ao realismo de um Faulkner, de um Céline ou de
um Graciliano Ramos uma fisionomia estética profundamente original”.
Em mim, a memória da infância se divide na natureza de minha
palavra. O mundo, tão grande, cabia no meu coração. Aprendi a ver no rio, na
casa paterna, na igreja e nas miragens do mundo rural gente. Aprendi a me
integrar à paisagem como se fôssemos uma só criatura. As águas assombrosas dos
invernos fartos lambiam os tetos das casas ribeirinhas e reproduziam a fartura
de peixes: piranhas e surubins gigantes vendidos de porta em porta. As águas
pareciam gente. A casa modesta de então,
de longo corredor, teto de madeira redonda e piso de tijolos, rústica em
sua simplicidade e rica em carinho e
amor. A casa paralela ao rio, a dois quarteirões da igreja. A casa em cujas
paredes enxergava o céu de todas as formas e texturas. A casa imorredoura em
minha emoção. A casa que era gente. A
igreja, onde coroinha fui aos sete anos
– para orgulho de Dasinha. a igreja, onde aprendi a fazer perguntas e a
conversar com o desconhecido, imaginando as estórias do outro mundo; A igreja que fortaleceu a paciência e a
humildade de meu DNA. A igreja que em festas religiosas atraiam toda espécie de
tipos curiosos e exóticos. Gente, era gente.
Ah! As miragens do mundo rural! Vivi, antes da maior
consciência de classe, que modificou as configurações do trabalho no campo, e
da opção pelas oportunidades e promessas da vida cosmopolita, os últimos dias
coloridos e simples das antigas propriedades rurais da Zona da Mata de Barras
do Marataoã, na sombra dos desdobramentos
da Fazenda Esperança, do velho
Alfredo Pires Lages. Ainda as conheci; os valores, costumes e histórias, nos
derradeiros anos de uma geração que viveu no campo. Até parece que ouço a
comunicação fácil dos longevos e fiéis Agostinho Israel e Jenelino. As antigas
propriedades, ainda as conheci como eram, elemento concentrador de renda e como saudável
fonte de entretenimento e sociabilidade.
Ali, a audição tinha professor nos ruídos de algum veículo
perdido nos estradões de areia. Ali, a cantiga insistente da cigarra, o mugido
do gado na madrugada, o ruído frenético das folhas das palmeiras, dos sapos nas
lagoas em noites de inverno e os sons das correntezas dos riachos eram as vozes
das sensações falando em bom português. A variada gastronomia de delícias sem
fim e orações que se dissolvem, respectivamente, em meu paladar e em meus
tímpanos.
Nesse ambiente, pela primeira vez entrei em contato com a
poesia propriamente dita, a dos cantadores, na vaga lembrança de uma cantoria,
e com a leitura dos poemas de Teodoro e Hermínio, em antologia organizada e
comentada pelo acadêmico Herculano Moraes, em capa azul. Tenho a impressão viva
de lhe tatear ainda. Lendo-a, sob o balançar da rede de tucum, punha-me a
cantar sem nenhuma ideia sobre a sinfonia particular que une a música e a
poesia. Quantas estórias de assombração sob o céu estrelado! Figuras que
viravam animais, visagens de todo tipo, para justificar os absurdos das
transgressões humanas.
Ali, também entendi a desigualdade nas mãos das quebradeiras
de coco, na peleja do vaqueiro tocando boi encaretado, no agricultor de foice
ao ombro a caminho da roça. O mundo era dividido; algumas vezes, pela natural
divisão social do trabalho; outras, pelas imposições morais da injustiça
social. A mesma divisão da pracinha central da cidade-berço: andando em
círculos, na extremidade superior da praça, as trabalhadoras domésticas, alvo
dos mais absurdos preconceitos, e os moradores dos bairros, vistos pelas lentes
da desconfiança e da discriminação; na extremidade inferior, jovens oriundos das famílias do centro,
indiferentes aos contornos da desigualdade velada. O mundo demarcado, dividido na pólvora das
ruas e das tensões inesgotáveis de poder, mas o mundo em que o humanismo, a
ação cidadã e a convivência saudável derrotavam as barreiras da arrogância e da
indiferença. As fazendas e a cidade, em suas alegrias e divisões, gente eram. E
ficaram marcadas em minha epiderme, como um pedaço de minha própria pele. Se as
evoco, é porque sei da força matriz que mantêm com meus projetos literários.
Na cidade em que nasci, por volta de 1982, ocorre-me a
lembrança mais distante do nome desta Casa de Letras. Para conter a
indisciplina em sala de aula, a diligente e afetuosa diretora do grupo escolar
Gervásio Costa, escola pública onde estudei o ginásio, a senhora Maria de Jesus
Carvalho Rocha, figura de relevo na história da educação daquela cidade, entrou
subitamente no recinto e pôs-se a falar das tradições de uma cidade de grandes
homens, no passado, nas variadas esferas da atividade humana. A tradição, ao
que parece, iniciada na Guerra do
Paraguai e esplendorosa até a queda do Estado Novo, assinalando não apenas o
declínio político das oligarquias rurais, mas também a decadência da força
política de uma região. Todos, em silêncio, ouviam atentamente comentar sobre
os irmãos Celso e João Pinheiro, além do mito vivo de então, A. Tito Filho.
Dizia que o destino de alguns de nós poderia ser de conquistas, se assim o
quiséssemos. Ouvi pela primeira fez ali
o nome da Academia Piauiense de Letras e dele nunca mais me esqueci, como
símbolo de orgulho do lugar em que nasci.
Se evoco essas
memórias, é porque o menino, o adolescente ainda existem em mim. Em seu
entusiasmo, em suas esperanças.
Senhores e senhoras,
Vivendo o magistério, a linguagem e a literatura como
objetivos diários desde a adolescência, como estudante, como professor de longa data, sinto-me afinado aos valores e
às causas dos que me antecederam na cadeira 21, embora eu seja apenas um
pequeno ponto de entusiasmo diante do que cada um legou para as letras. O
desafio de honrar a cadeira de Leopoldo Damasceno Ferreira, Antônio Francisco
da Costa e Silva, Maria Isabel Gonçalves Vilhena e Francisco Hardi Filho é
colossal, todavia, gigantesca, também, a minha obstinação.
O oeirense Cônego Leopoldo Damasceno Ferreira, doutor em
Direito Canônico, nascido em 1857 e
falecido em São Luiz do Maranhão, em 1906, patrono deste assento,
notabilizou-se como, além de poeta de grande força lírica, figura múltipla, com
extensa folha de serviços, especialmente à igreja, ao magistério e ao jornalismo. No Maranhão, segundo anotações do historiador
e acadêmico Wílson Carvalho Gonçalves, além de notável orador sacro e poeta,
foi professor de Latim e Francês no Liceu Maranhense, diretor do Seminário das
Mercês e governador do bispado do Estado.
Cônego Leopoldo, destaca o historiador, “teve intensa atividade na
imprensa do Maranhão”, colaborando com os jornais Diário do Maranhão e Alvorada.
A nobreza fulgurante de sua inteligência e expressão como
orador sacro é descrita por Ivan Lins em sua “História do positivismo no
Brasil” (1967). Ele relata o empenho do professor maranhense Agostinho Gomes de
Castro, intenso defensor da teoria de Auguste Comte, para dar publicidade a ela
em São Luiz, e a movimentação da igreja em oposição a esse conceito. Nesse
mister, o clero nomeou a maior autoridade da igreja naquele Estado, o Cônego
Leopoldo Damasceno:
“Num domingo, 29 de fevereiro de 1898, no edifício da Escola
da Rua Grande, onde funciona hoje o Instituto Histórico, deu Gomes de Castro a
sua aula inaugural, tomando como tema a "exposição popular do
positivismo". O sucesso foi espantoso. Grande assistência passou a
ouvir-lhe a palavra, sempre fluente e fascinadora.
(...)
Tal sucesso apavorou o clero maranhense, que resolveu reagir,
opondo doutrina contra doutrina.
Para isso, apelaram os padres para sua maior ilustração — o
Cônego doutor Leopoldo Damasceno Ferreira. Mandaram-no buscar na Vila do Paço,
de cuja freguesia era encarregado. O Cônego veio e iniciou uma série de
conferências contra o Positivismo na Igreja de Santo Antônio.”
Registra o professor A. Tito Filho, em crônica datada de
17.06.1988, a seguinte apreciação de Clodoaldo Freitas sobre a larga
contribuição do patrono da cadeira 21:
"Foi, nestes
últimos tempos, o campeão de teologismo entre nós, e bateu-se, pela imprensa,
em defesa do credo católico com a louçania de um convencido. Sustentou
polêmicas acres e veementes, demonstrando sempre copiosa e larga cultura.
Distinguiu-se como orador sagrado, como jornalista e os íntimos o denunciavam
também como um poeta de inspiração e sentimento. Tinha coração de patriota para
amar a pátria, sentir suas dores e suas alegrias. Era uma rara exceção entre o
clero brasileiro, tão diferente do clero de outrora".
Na cadeira 21 deste sodalício, em janeiro de 1923, tomou
posse o mais conhecido dos poetas piauienses, Antônio Francisco da Costa e
Silva. Em artigo publicado originalmente em 11 de outubro de 1998 e reproduzido
em Notas de leitura impressionista – nova série, o ilustre crítico literário e
acadêmico Manoel Paulo Nunes revisita a posse do Poeta da Saudade, em busca de
desvendar o desconhecimento completo do discurso do vate, jamais publicado em
terras piauienses.
Do amigo romancista Josué Montello, Paulo Nunes conta que
recebeu inusitado presente: recorte do jornal
Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, de 16 de janeiro de 1923,
noticiando a posse do acadêmico e tecendo elogio ao patrono por ele escolhido.
Esclarece Paulo Nunes:
“Trata-se, ao que suponho, do resumo do famoso e desconhecido
discurso do poeta, ou mesmo do próprio discurso, pois compreende um perfeito
estudo biográfico e crítico da personalidade do cônego, detendo-se o novo
acadêmico, especialmente, no comentário de sua obra lírica, de mais forte
inspiração”.
Reproduzindo poema de autoria do Padre Leopoldo, poema de
acentuados traços líricos, o crítico Paulo Nunes prioriza a leitura que
Da Costa realizou sobre a poética do patrono da cadeira 21. Nas palavras
do poeta amarantino,
“Esse padre, que todos afirmam era um crente convicto e um
sacerdote virtuoso, teve, sem dúvida, como o poeta Anvers, o seu segredo n’alma
e o seu mistério na vida. Teve, como todo poeta, a aparição divina de uma
sombra de mulher, nos caminhos incertos da existência.”
Raros poetas piauienses atingiram tanta notabilidade nacional
quanto Antônio Francisco da Costa e Silva. À sua produção literária, detêm-se
os mais variados historiadores, entre os quais, nomes de credibilidade como
Andrade Muricy, José Veríssimo, Sílvio Romero, Alfredo Bosi e Carlos Nejar.
Para este, em sua História da Literatura Brasileira – Da carta de Caminha aos
Contemporâneos - o poeta de Amarante, ao lado de Raul de Leoni, “tornara-se o
arauto do Pré-Modernismo, trazendo a semente da crise, que é o começo da
transformação estética”. Para justificar o parecer ele afirma: “ Há um lado
estranho neste poeta, revolucionário para a época, o dos poemas experimentais,
desenhando em vocábulos o tema dos versos”.
Rotulando-o como um “lírico superior”, Nejar destaca,
entretanto, que a poética dacostiana, sobretudo, “gerou uma poesia com apuro e
força imagística, aliando símbolos religiosos a certo profanismo”, a que se
agrega, em muitos poemas, “visível concisão elegíaca”.
A interpretação de Nejar, que o considera, conforme posto,
como precursor do Pré-Modernisto e, portanto, atento às nova tendências de seu
tempo, encontra reforço nas palavras de um dos principais pesquisadores da
poesia de Da Costa e Silva. Para o crítico literário e Pós-doutor em Literatura Cunha e Silva Filho,
fecundo estudioso da obra dacostiana, “ao construir uma obra literária poética
em vários estilos literários, ele não deu senão demonstração de ser um poeta
voltado a um experimentalismo que o conduziu até mesmo ao Modernismo”.
A força das imagens e
símbolos, a que há pouco referimos,
mergulhada em telurismo de tom elegíaco, é traço comovente de um dos
poemas mais populares do Piauí, o
célebre soneto Saudade:
"Saudade! Olhar de minha mãe rezando
e o pranto, lento, deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
cantigas de águas claras soluçando.
Noites de junho... o caboré com frio,
ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E ao vento, as folhas lívidas cantando
a saudade imortal de um sol de estio.
Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
As mortalhas da névoa sôbre a serra...
Saudade! O Parnaíba, - velho monge,
as barbas brancas alongando... e, ao longe,
o mugido dos bois da minha terra..."
Sobre a Saudade em Da Costa e Silva, diz Cunha e Silva Filho:
“(...) A saudade no poeta está mais plantada em fundas raízes
românticas, sendo ela fruto mais das intuições, da espontaneidade, de
condicionamentos existenciais. (...) A saudade dacostiana deve ser entendida, a
nosso ver, como a ausência de alguém ou
de alguma coisa que perdemos no tempo e no espaço e, além disso, é motivada por
quatro forças-motrizes de seu lirismo: o amor materno, o amor à terra natal, o
amor ao rio Parnaíba e, finalmente, o amor à Alice, a sua musa cedo
desaparecida.”
Uma dos mais completos mergulhos no lirismo e na gênese da
criação de Costa e Silva nasceu da sensibilidade do historiador e diplomata
Alberto da Costa e Silva em Invenções de Orfeu, ensaio quase obrigatório para
compreender as influências literárias do
poeta e as particularidades de sua técnica . Conta o historiador, citando
relato de Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, que o pai aprendera muito cedo a ver.
“A Perscrutar o mundo. A conhecer as formas, os movimentos e o nome de tudo que
estava a seu redor”.
“O poeta fazia máscaras de Carnaval e pandorgas. Pintava com
paisagens as paredes das casas. Esculpia santos em madeira. Confeccionava
estandartes para as festas religiosas. Suas mãos de dedos longos e harmoniosos
eram habilíssimas e teriam feito dele um pintor ou um escultor, não tivesse
ainda menino, começado a compor versos.”, conta o historiador.
A capacidade de ver situa-se, para Alberto da Costa e Silva,
como elemento do qual se vale para sintetizar o fazer literário do pai:
“A capacidade de mimese, que poderia conduzir ao simples
descritivismo e a uma poesia que se reduzisse às emoções da inteligência, é
corrigida num poeta que sabia ver e reproduzir o que via, por uma penetração na
paisagem e, mais que isso, por um pensamento panteísta, que o integrava nela e
na divindade”.
Referindo-se a toda a produção poética de Da costa e Silva,
ele acrescenta:
“Da Costa foi capaz de estar na natureza como Pã e como
Orfeu. Por isso, pode passar da paisagem misteriosa e altamente simbólica,
presente em Sangue – naquele soneto perfeito que é “Rio das Garças”, por
exemplo – para a natureza harmoniosa ou agredida de Zodíaco, até chegar à
natureza emotiva e pesada de Pandora, à natureza filtrada pela lembrança e que
obedece ao canto do poeta”.
Antônio da Costa e Silva nasceu a 23 de novembro de 1885, na
rua das Flores, em Amarante. Ali estudou o primário e viveu a infância entre os
banhos nos rios Canindé, Parnaíba e o riacho Mulato, entre os passeios à
fazenda da família e à igreja. Muda-se para Teresina na adolescência, a fim de
estudar o ginásio no Liceu Piauiense. Em 1906, está em Recife, matriculado na
faculdade de Direito. Em 1910, aprovado em concurso público, assume o cargo de
escriturário da Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, ascendendo celeremente ao
posto máximo dessa repartição. No exercício de suas atividades profissionais,
reside em várias capitais: São Luiz, Manaus, Fortaleza, Recife, Belo Horizonte,
Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, onde falece a 29 de junho de 1950.
Para aquilatar a influência do Poeta da Saudade no cenário
literário nacional e sua sintonia com o que se produzia à sua época, cito
episódio a que menciona Alphonsus de Guimaraes Filho, em biografia escrita
sobre o próprio pai, um dos maiores poetas – senão o maior - do cânone
simbolista. Estabelecido em Minas Gerais, Da Costa fora um dos maiores amigos
de Alphonsus de Guimaraes e o responsável, inicialmente, pela divulgação da
poesia do famoso autor de “Ismália”, conforme conta Guimaraes Filho em
biografia:
“Teu amigo foi o esplêndido poeta piauiense Da Costa e Silva,
a quem muito prezavas: dedicaste-lhe o soneto XXV da Pastoral.
(...) O poeta de
Sangue figura entre os que mais te distinguiram. (...)”
A esse respeito diz Alberto da Costa e Silva, incansável
divulgador da obra do pai:
“Da Costa e Silva fez uma peregrinação, pouco antes de 1915,
a Mariana, a fim de conhecer pessoalmente a Alphonsus de Guimaraes, a quem
admirava desde os tempos de rapaz e cuja grandeza foi dos primeiros a
conhecer”.
E acrescenta:
“Se, como dizia Augusto Meyer, fora Da Costa e Silva quem lhe
revelara, e a outros companheiros gaúchos em 1930, ele o fizera antes aos
próprios mineiros”.
Sucedendo a Da Costa e Silva, Maria Isabel Gonçalves Vilhena,
projetou-se como poetisa e como educadora
de reconhecida competência. Professora da Escola Normal, do Colégio
Diocesano e do Colégio das Irmãs, ela nasceu em 20 de agosto de 1896, na Rua
Santo Antônio, hoje Olavo Bilac, e faleceu aos 92 anos, em Teresina, a 19 de
dezembro de 1988. Publicou Nada e Seara Humilde, este em 1940. O reconhecimento
da obra assegurou-lhe a reedição conjunta em 1975, pela Secretaria da Cultura
do Piauí. Em notas impressionistas, diz seu sucesso na cadeira 21, o poeta
Hardi Filho:
“O lirismo de sua poesia encanta pela doçura e pela leveza da
expressão que traduz com espontaneidade as emanações da fonte conceitual do
pensamento. Seu livro é composto de versos nascidos de uma imaginação clara,
expressos como água que cai e, nessa queda, arrasta para a mensagem o que de
melhor e mais puro contém o coração.”
Graça Vilhena, poetisa, festejada professora de literatura e
neta da autora de Seara Humilde, em análise lúcida, assim se manifesta sobre a
técnica e as matizes da poética da avó:
“A expressão analógica entre a natureza exterior e a projeção
dos sentimentos, assim como a liberdade formal, na maioria das composições,
aproxima a poética de Isabel Vilhena à estética romântica. Porém, alguns
aspectos relevantes são operados, em sua lírica, que revelam certa tendência
modernista e contradizem algumas características básicas do comportamento
romântico. Isso ocorre nos momentos em que a poeta (ou poetisa) rompe as
fronteiras do individualismo e as imagens, arquitetadas por símbolos,
metáforas, símiles e prosopopeias passam a ser produto de uma correlação
psíquica entre as coisas da natureza e o mundo, assim, a voz poética é
projetada no âmbito geral, numa comunhão com o outro.”
Expressando-se sobre a consciência do fazer poético de Isabel
Vilhena, acrescenta a poetisa:
“Sua poesia se atualiza também pelo trabalho consciente em
torno da linguagem. A riqueza imagética nos versos de “Nada” e “Seara Humilde”
– reunidos em publicação posterior – está nos poemas como testemunha de uma
poética que se afirma pela excelência de seus versos. A linguagem,
aparentemente simples, veste-se de novos significados, férteis em simbologia e
figuração: o pau-d´arco amarelo é símbolo da riqueza da “Terra Brasileira”;
nossos sonhos estão guardados “no longínquo azul” do horizonte; o amor “é tão
iluminado” como todas as flores sob a luz do sol; a mesma luz que “se coalha”
nos arvoredos, agasalhando “a solidão das casinhas de palha”. As asas da
borboleta levam a ventura fugidia e a “alvorada de maio” traz a alegria da
vida. A “luminosa esteira do sol” se afasta como as lembranças do passado e as
noites de São João são iluminadas pelo “chuveiro de estrelas”. A “alma da terra
mora no vulto erguido das longínquas serras” e o rio, como nós, “sonha acordado
e sem saber que sonha”.
O diálogo natureza-sentimento e os símbolos daí oriundos
refletem-se em versos de notável influência romântico-simbolista, como estes,
de O lago:
Na superfície azul das águas transparentes,
Sereno e calmo vive o lago a refletir
a grandeza do céu, os astros reluzentes
e a renda do arvoredo ameno a reflorir.
E quem o vê assim nessa mudez dormente,
Sem um murmúrio vago ou leve proferir,
Nessa aparência mansa e doce de um demente,
terá razão demais, de certo, em se iludir!
Revolvei o seu leitor! E o tendes já turvado,
Desfeita, emaranhada a renda do arvoredo,
E o calmo adormecer em
vagas transformado!
Como o lago também há corações! E quantos!...
De aparência feliz, guardando, com segredo,
na placidez de um riso um vendaval de prantos!
Resumindo a poética de Isabel, conclui Graça Vilhena:
“A espiritualidade, a saudade, o fundo psicológico, o amor e
a natureza são temáticas constantes em sua obra, que ela soube tratar não com
sentimentalismo exarcebado, mas com uma sensibilidade rara e verdadeira. A
intenção da poeta com sua simplicidade estética e pura expressão poética é
tocar a alma humana, sem distinção, numa atitude universal e solidária. O
lirismo sem particularismo, o ecumenismo de seus versos são, portanto, traços
inovadores que atualizam sua poética e nos deixa a impressão, ao ler seus
versos, que compreendemos sua generosidade, a intenção contida em seu lirismo
agreste, sua voz que se projeta para emocionar os corações distantes.”
Bastam as palavras de Carlos Nejar, para definir a grandeza
da poesia do último ocupante da cadeira 21. Contrapondo o estilo de Hardi filho
ao de H. Dobal, para quem “a poesia é um instrumento de precisão”, sentencia:
“O oposto de H. Dobal é Hardi Filho, natural de Fortaleza
(1934), radicado em terra piauiense, estreando com Cinzas e Orvalhos (1964).
Poeta de efusão amorosa, usuário do soneto, em que o ânimo de dizer é maior que
a invenção imagística e o domínio estético. Mas diz com fervor o que sente,
arma o silêncio contra o indefeso (suicidado) tempo, concita a luz na gruta do
poema, sinuosa forma de eternidade”.
Entre nós, comungando da vivência dos livros em espaços
comuns, os historiadores e poetas Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes,
amigos de geração do poeta de Gruta Iluminada, souberam abstrair o âmago da
escritura de Hardi.
“No seu trabalho contínuo, de obra a obra, incorpora
conquistas do moderno e as mais experiências do verso na construção poemática
de modo geral. Entretanto, a crítica tem concordado: é no soneto que está o
melhor de sua arte”, diz Francisco Miguel.
“Última glória de uma poesia efetivamente compromissada com
os estados interiores da alma”, avalia Herculano Moraes.
Tive a oportunidade de conhecer Hardi Filho. De ouvi-lo falar
sobre poesia. De sua predileção sobre Celso Pinheiro, a respeito de quem
conversamos reiteradas vezes. Introspecto, era dado ao diálogo quando se sentia
à vontade; figura afável e cativante, um poeta no sentido exato do termo.
Se o conhecimento poético limpa as vidraças da percepção para
tornar as coisas infinitas, conforme definiu William Black, em Hardi, esse
instante de iluminação torna o verbo límpida ressonância do sonho e do
romantismo, escolha realizada com a
consciência da arte que dominava, como bem condensou o poeta em soneto
antológico:
Dúvida
Eu ti esperarei, eu te esperarei sozinho
Dentro da noite intérmina da vida.
E desde o instante atroz da despedida,
Que te esperando acumulo carinho...
E então? Ficaste de voltar, querida,
Eu te esperarei insone em nosso ninho,
Sem companhia de cigarro ou vinho
E a noite mais se alarga e se encomprida!
E de tão longa a espera me tortura.
Deixaste-me somente noite infinda,
Só noite e noite triste e noite escura!
Minha alma está confusa e se biparte:
Não se sabe se ti espera mais ainda
Ou saia pelo mundo a procurar-te!
A poesia de Hardi está
“impregnada de símbolos e conceitos negativistas, cuja temática e o
binômio amor-morte, fundindo-se numa constante que é o desconhecido, com
tendência para o transcendental”,
conforme acentua Francisco Pacelli Bossuet, enfatizando que Hardi “é
poeta sem vínculos a qualquer escola literária”.
Nele, ainda que permaneça o romântico inconfundível, lê-se
também o poeta moderno, versejando com perícia a forma do verso livre e a
incorporação do cotidiano à literatura:
Pela Janela do Trem
Pela Janela do trem
num recorte branco,
a torre da igrejinha
e o céu se derramando
sobre o casario.
Pela janela do trem
o fumo indeciso
das chaminés caseiras
e a arquitetura das nuvens
em matinal passeio.
Pela janela do trem
semblantes de vários tipos
aparecendo e sumindo,
o apito e as vozes
de até breve (ou nunca mais?).
Pela janela do trem
uns olhos femininos
livremente marejados...
e a cidade tão presente
viajando acorrentada
às pupilas desses olhos.
Pela janela do trem
um passado e um futuro
resumindo num presente
na janela do trem
um rosto pétreo
olhos nos olhos que ficaram...
Senhores e senhoras,
Acende-se em meu pensamento o recorte de jornal que recebi,
pelo correio, em 1990. Nele, o frágil
texto escolar que escrevera e, encaminhado ao então presidente desta Casa A.
Tito filho, publicado nas páginas de O Dia por seu intermédio, a mim retornava
com a inconfundível assinatura do grande mestre. A generosidade do ilustre
professor, endossada em duas dezenas de cartas a punho a mim remetidas e,
guardadas com extrema cautela, muito significaram para o pobre estudante de
letras, o leitor curioso e o operário da palavra, que hoje, professor A Tito
Filho, ingressam nesta casa de muitas portas e janelas, nesta casa que o
passado revive, para fazê-lo brotar como a água das fontes. Nesta Casa que é a
sua Casa. Muito obrigado, professor A. Tito Filho. Em seu nome, agradeço a
todos os que me encorajaram nesta trajetória inacabada.
Ditas estas palavras, recorro
ao saudoso Carrossel Fantasma de
Da Costa e Silva:
“Ganhei o dia a meditar na minha vida.”
Muito obrigado!
Discurso proferido por ocasião da posse na cadeira 21 da
Academia Piauiense de Letras, ocorrido em 22.10.2015, no Auditório Wílson de
Andrade Brandão, na sede da instituição.