Bumba-meu-Boi no Curador
José Pedro Araújo
Historiador, cronista e romancista
Preciso justificar o título
acima, uma vez que sou maranhense e é no Maranhão que se pratica o melhor
Bumba-meu-boi do Brasil. Acontece que apenas na região da baixada maranhense,
além da ilha de São Luis, este folclore é largamente difundido. Nas outras regiões
brinca-se de forma esporádica, sem aquele apelo tão popular existente nas
regiões acima descritas. O que acontece com a região de Presidente Dutra, por
exemplo, é que sofremos forte influência cultural dos outros estados
nordestinos e, apesar de gostarmos muito do velho forró pé-de-serra, dos
folguedos e de outras festas do gênero, não existe entre nós a tradição dos
grupos organizados de Bumba-meu-boi da forma que existe mais ao norte do estado
maranhense.
Pois, certa época, em meados dos
anos sessenta, fomos surpreendidos com a notícia de que o agitador cultural
Cobra-Preta estava arregimentando um grupo de brincantes para organizar um Boi.
A notícia correu rápido pelo Ginásio Presidente Dutra e logo a estudantada
estava pronta para ir verificar no local a novidade. De fato, constatamos a
veracidade da notícia. O terreiro havia sido organizado ali por trás do
Cemitério, em uma rua nova que acabava de ser aberta. Era um lugar de casas
simples, a maioria coberta de palha de babaçu, até certo ponto distante, mais
pudemos verificar que a notícia havia atraído muita gente ao local. Aliás,
antes mesmo de chegarmos lá, já era possível ouvir o rufar dos tambores,
pandeirões, o picado das matracas e o som de orquestra, numa mistura de todos
os ritmos que costuma separar os brincantes entre aqueles que preferem o boi de
matraca, os que gostam mais do boi de pandeirões e, finamente, aqueles que têm
predileção pelo boi de orquestra. Cobra Preta juntou tudo em um só.
No mais, estavam ali os vários
personagens que compõe o script da festa, como o Pai Francisco, a Catirina, a
Burrinha, o Índio, os Vaqueiros, os Cazumbás, o Dono da Fazenda, o Padre, o
Miolo, o Pajé, entre tantos outros personagens que enfeitam e tornam empolgante
a história do vaqueiro que matou o melhor boi do patrão para satisfazer a
vontade da mulher. Pela lenda, Catirina, mulher faceira, demonstrou a vontade
de comer a língua do principal animal do patrão e empurrou o marido para uma
grande enrascada. No local, é claro, estava o próprio boi, com suas cores,
desenhos e matizes formados por vidrilhos e miçangas. Havia também lá uma
mistura saudável de todas as classes sociais da cidade para presenciar os
ensaios que aconteceriam até o dia quinze de junho, quando então aconteceria o
batismo do boi.
De pronto, fiquei estupefato com
a beleza cênica, com o som emitido por aquela mistura de sotaques que se
elevava naquela aprazível noite de maio. Voltei muitas vezes ao local para
acompanhar aquela festa de cores e sons que tanto agrada ao nativo maranhense.
Naturalmente tudo tem um preço e eu tinha que gazetear algumas aulas para poder
acompanhar as peripécias do boi do Cobra Preta.
Não sei por quantos anos a
festança se repetiu, pois pouco depois tive de me retirar para estudar em outra
cidade. Não sei também se a tradicional festividade deixou raízes na cidade,
mas não tenho dúvidas em afirmar que o ritmo das toadas deixou saudades em mim
e em tantos quanto presenciaram a animação dos brincantes do primeiro Bumba-meu-boi
criado na minha cidade.
Em junho, os terreiros situados
nos diversos bairros da ilha de São Luís são incendiados com os sons dos
batuques de uma enormidade de sotaques de bois que infestam a cidade. Em junho
também os arraiais são instalados para a deflagração dos festejos juninos em
todo o nordeste brasileiro e os trios musicais compostos pela sanfona, zabumba
e triângulo, dão o tom da festa. No interior de parte do Maranhão também. Mas é
o Bumba-meu-boi que se apresenta como o maior representante das festividades
juninas do Estado maranhense.
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