Dialogando com a "Carta
Aberta" de Ferreira Gullar
Cunha e Silva Filho
Acredito que li , até hoje, praticamente
todas as crônicas de Ferreira
Gullar no Caderno Ilustrada da
Folha de São Paulo, publicado aos
domingos. São crônicas nas quais o
grande poeta brasileiro discute assuntos
variados, destacando-se, porém, alguns
temas recorrentes, ou seja,
a política brasileira dos dois governos
do Lula, do primeiro mandato
da presidente Dilma e, agora, desse segundo
mandato dela ainda em andamento. Os demais temas recorrentes abordam outras
áreas de interesse do
autor: poesia, artes
plásticas, dramaturgia. Seu
estilo é enxuto, objetivo,
comedido. Fala com
experiência, com conhecimento da realidade brasileira, tanto
social quanto cultural. É um mestre no
que faz.
Hoje, dia 18 de outubro, sua crônica se
dirige diretamente aos brasileiros: “Carta Aberta.” É partir dela que desejo
dialogar com o cronista maranhense.
Gullar,
que foi exilado no período da ditadura
militar, foi esquerdista, morou na Rússia, na Argentina,
hoje tem uma postura
democrática, aberta ao diálogo
sem extremismos e, como tal,
repudia o PT e, na
mencionada, crônica, conversa com todos nós, leitores, num tom
sempre de orientação firme, franca
e com coerência de ideias,
principalmente, com uma
rara capacidade argumentativa
de um observador perspicaz dos fatos
políticos e dos desacertos que vê há tempos na governança petista.
Gullar
não omite o fato de que o PT foi fundado
por figuras eminentes
da vida intelectual brasileira que, com o
passar do tempo, foram se desiludindo
dos reais objetivos
do petismo, antes se apresentando com
uma plataforma política de renovação e de moralização das causas
públicas, quer dizer, com
uma proposta em favor
da melhoria do trabalhador, das
classes excluídas, dos merdunchos
como definia o contista João Antônio(1937-1996).
O poeta do Poema sujo concorda com o que
todos esperavam do Lula e nele confiavam cegamente. Contudo, a administração lulista
foi mostrando aos poucos a que veio: tornar-se um partido forte para que
pudesse mudar a sua antiga fisionomia de fachada e oportunista, afastando-se
dos seus princípios norteadores e descambando
para uma governança feita de
conchavos espúrios com o que de pior caracterizava a velha
política clientelista,
combinando populismo e
cooptações com o empresariado e capitalismo na sua forma mais degradante, que é a introdução
do esquema de corrupção, o
qual iria ser
traço distintivo do
petismo.
Ora, não tardou que surgissem escândalos
de corrupção, envolvendo altas figuras
do governo Lula, como
José Dirceu, José Genoíno e
outros de maior ou menor projeção
no governo. Daí para diante, a imagem do PT e do seu líder Lula não cessou
de sofrer uma
descontrução do ponto de
vista de moralidade administrativa.Os escândalos enredavam
petistas e aliados no recebimento de propinas e no uso da máquina do Estado
para beneficiar financeiramente altas autoridades do governo
federal.
Quer dizer, alguns membros do PT
subiram ao poder para se
locupletar financeiramente com o dinheiro público
em conluio com empreiteiras
mediante os expedientes de favorecimento nas licitações em troca de
polpudas propinas que iam cair nos bolsos de
políticos e principalmente do
primeiro escalão do governo Lula.
Esse mesmo comportamento
continuou no governo Dilma com outros
escândalos que pipocaram em série, o do petrolão, o LavaJato, com novos atores
do mundo do empresariado de ponta
com membros do PT no exercício de
cargos públicos.Tanto nos mandatos do Lula quanto nos de Dilma, o
segundo mandato ainda em curso, os
chefes de Estado foram apontados como
implicados nessa onda de
escândalos financeiros, circunstâncias,
de resto, negadas por Lula e por Dilma.
Entretanto, o que Ferreira Gullar
pretendeu enfatizar foi o fato de que, não obstante
tantos escândalos, tantas denúncias, tantas
críticas duríssimas contra
a honra
de Lula e de Dilma, tudo
isso não foi suficiente para desalienar
a cegueira de presunção de
parte - creio que pequena -
da elite intelectual de São Paulo - a qual
ainda teima em
manter seu apoio incondicional
aos governos petistas e
contra o
impeachment de Dilma Rousseff.
Alegam aqueles intelectuais
de renome que não há nenhuma evidência
cabal e indiscutível de que Dilma
tenha alguma culpa
pela corrupção em seu governo. Por essa razão é que Gullar
cobra desse intelectuais e de
possíveis leitores petistas
que ainda mantêm uma
solidariedade cega ao partido
populista: “Não sei o que você diz a si
mesmo quando deita a cabeça no
travesseiro. Como justificar o petrolão?
Essa é a
questão central da carta aberta
de Gullar: não é possível que, diante dos fatos, das denúncias, das prisões, das investigações da Polícia Federal, de todas as mazelas
e falcatruas cometidas sob o
domínio do petismo, as pessoas sensatas
e esclarecidas ainda estão cegas
a esses desatinos do PT.
Como podem ficar esses
fanáticos – o nome só pode ser
esse – indiferentes à
realidades social e política do
país, às falsas promessas de campanhas, de Dilma, que, mal
raivava o dia seguinte da sua posse, mostrou
logo s sua facies
de demagogia e de falácias
da real situação caótica
com que começava o segundo
mandato: economia em
estado de desagregação,
inflação alta, juros
altos, endividamento público, arrocho salarial, gastança
das contas públicas e alta
corrupção de membros de seu governo.
Um estadista verdadeiro não
pode camuflar a situação
desastrosa do país provocada
pelo desgoverno e pela imoralidade administrativa. Esconder o que no dia seguinte da posse iria fazer
contra a sociedade é, por si
próprio, um desserviço à Nação. Os
empedernidos petistas não querem
enxergar tudo isso e por isso
mesmo desconhecem as alteridades e a voz da
grande maioria dos descrentes e indignados com o seu
governo.
A indignação de um povo nada tem a ver com golpismo. Somente vê golpismo
os que estão com os olhos abertos ao petismo mas vedados
à realidade de um povo sofrido
sem saúde, sem segurança, sem transporte,
sem educação de qualidade e
sem esperança alguma. Esse é o golpismo dos cegos e alienados. A cegueira provocada
pelo fanatismo
político-ideológico é a cegueira de todos os
príncipes felizes. Cumpre
fazê-los ver “o muro” de que fala um conto de Oscar Wilde (1856-1900). Ao transpor o
“muro” do “gigante egoísta,” ao derrubá-lo, ele, ser alienado, presunçoso
e egoísta, ingressa na realidade possível de ser melhorada
e de nela permitir a convivência em paz e felicidade
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