segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

CAMINHEIRO SOLITÁRIO


CAMINHEIRO SOLITÁRIO

Jacob Fortes

Ansioso por transpor um monótono chapadão das gerais, norte de Paracatu, desses retratados pelo contista Afonso Arinos, tomei o alvitre, num minuto indeciso, de parar o veículo à porta de uma desfigurada baiuca, à margem da estrada, para obter do vendeiro informações que pudessem abonar a minha bússola de navegação. O chapadão, conhecido pelo codinome de “Rasgo do Corisco”, parecia expandir-se cada vez que eu imprimia ritmo célere à viagem.

Sem desligar o motor, mal pude entender-me com o quitandeiro, alcunhado de “Gajão”. É que nossa conversa, de súbito, encheu-se de embaraços: um andarilho, esfrangalhado, cara enfarruscada, ali em parada de repouso, entendeu de golfar ao vento, sonoramente, asneiras e sandices. Sua impertinência, digna de impugnação, inspirava indulto. Não valia à pena contender com um homem cujo palavreado desconexo e ininteligível, testificava o escangalho do seu estado mental. Outra atenuante é que esses andejos, sem raízes nos pés, tudo que possuem, além da vida e do prazer de pisar o chão das estradas, é um matolão, às costas, locupleto de burundungas, além, é claro, do hábito de falar sozinho consigo mesmo durante as suas marchas; tão solitárias quanto pachorrentas.

Vai caminheiro! Vai cumprir, resignadamente, o teu destino fatídico, a tua desventurada vida de andarilho: deambular, continuamente, como a um penitente, pelos caminhos; nasceste para a liberdade! À margem das estradas (e da vida), Deus há de apiedar-se de ti.

E quando o meu carro, por motivo de viagem, for instado a polvilhar-te de poeira ou de fuligem te peço desculpas por essa circunstância. Nesse momento a tua figura (esquálida, desamparada, estropiada e envolta em trapos repulsivos) irá engrandecer as bênçãos com que tenho sido distinguido, particularidade que me impõem glorificar a Deus por tudo, tempo em que LHO perguntarei, humildado, se é verdade, ou delírio, tanto lixo social sobre a terra perante os olhos insensíveis da opulência, da ganância, do desperdício.     

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