CAMINHEIRO SOLITÁRIO
Jacob
Fortes
Ansioso por transpor um monótono
chapadão das gerais, norte de Paracatu, desses retratados pelo contista Afonso
Arinos, tomei o alvitre, num minuto indeciso, de parar o veículo à porta de uma
desfigurada baiuca, à margem da estrada, para obter do vendeiro informações que
pudessem abonar a minha bússola de navegação. O chapadão, conhecido pelo
codinome de “Rasgo do Corisco”, parecia expandir-se cada vez que eu imprimia
ritmo célere à viagem.
Sem desligar o motor, mal pude
entender-me com o quitandeiro, alcunhado de “Gajão”. É que nossa conversa, de
súbito, encheu-se de embaraços: um andarilho, esfrangalhado, cara enfarruscada,
ali em parada de repouso, entendeu de golfar ao vento, sonoramente, asneiras e
sandices. Sua impertinência, digna de impugnação, inspirava indulto. Não valia
à pena contender com um homem cujo palavreado desconexo e ininteligível,
testificava o escangalho do seu estado mental. Outra atenuante é que esses
andejos, sem raízes nos pés, tudo que possuem, além da vida e do prazer de
pisar o chão das estradas, é um matolão, às costas, locupleto de burundungas,
além, é claro, do hábito de falar sozinho consigo mesmo durante as suas
marchas; tão solitárias quanto pachorrentas.
Vai caminheiro! Vai cumprir,
resignadamente, o teu destino fatídico, a tua desventurada vida de andarilho:
deambular, continuamente, como a um penitente, pelos caminhos; nasceste para a
liberdade! À margem das estradas (e da vida), Deus há de apiedar-se de ti.
E quando o meu carro, por motivo
de viagem, for instado a polvilhar-te de poeira ou de fuligem te peço desculpas
por essa circunstância. Nesse momento a tua figura (esquálida, desamparada,
estropiada e envolta em trapos repulsivos) irá engrandecer as bênçãos com que
tenho sido distinguido, particularidade que me impõem glorificar a Deus por
tudo, tempo em que LHO perguntarei, humildado, se é verdade, ou delírio, tanto
lixo social sobre a terra perante os olhos insensíveis da opulência, da
ganância, do desperdício.
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