HARDI FILHO E SUA BIBLIOTECA, QUE
FAZER?
Chico Miguel*
Quando um escritor como o poeta
Francisco Hardi Filho morre a primeira preocupação dos intelectuais é com o seu
legado em obras, sem esquecer as inéditas, e a sua biblioteca.
Hardi Filho era talvez um dos
maiores leitores de Teresina, quiçá do Piauí. Lia tudo: as obras inéditas dos
neófitos que traziam para que ele desse opinião. Opinião valiosa a sua. Não
dava prefácios a obras que não valessem a pena ser publicadas. Às demais,
chamava os seus autores para uma conversa e explicava muito calmamente o que
era poesia, como se fazia e como não se fazia, o valor do poema, o valor da
palavra, na sua linguagem bastante comedida, terna até. Cheia de exemplos de
poetas e de poemas que deviam ser lidos e imitados, no início, porém, dos quais
deveria desligar-se depois, quando estivessem maduros.
Ele acreditava que a poesia é um
dom, normalmente a pessoa nasce poeta, e depois das leituras diversas é que se
aperfeiçoa.
Mas voltemos à sua biblioteca,
acredito que composta de mais de 4 mil livros, normalmente recebidos,
autografados pelos autores da terra e do resto do país.
Estive, no mês passado, em Picos,
onde o poeta Ozildo Batista de Barros que, diga-se de passagem, está formando
uma das melhores bibliotecas do interior daquele município, ou melhor, daquela
região. Segundo minhas conversas com Ozildo, ele aceitará e até agradece a
dádiva do precioso espólio – a biblioteca do poeta Hardi Filho, de quem era
amigo e por ser tão amigo, em sua memória, mandou levantar um estátua no espaço
reservado a lazer, em seu sítio, ou seja, nas proximidades da piscina.
Ozildo Batista de Barros foi
vereador de Picos, chegou a ocupar o cargo de Presidente da Câmara Municipal e
depois abandonou a política. Hoje é simplesmente advogado, um dos melhores
daquela região, senão o melhor. Mora no seu sítio “Falecido Amor”, que não
deixa de ser uma “gozação” dele, pois se trata de uma pessoa bem humorada e
inteligente, vive folgadamente do seu jeito e não quer outro. Muitos
intelectuais de Picos se reúnem no seu sítio, que fica a meio caminho entre a
cidade de Picos e a de Bocaina.
Creio que não haverá melhor
oferta para a família de Hardi Filho para desincumbir-se do dever de dar um bom
fim ao que ele deixou, pois Hardi vivia do seu emprego de funcionário
aposentado do IBAMA, nunca se preocupou com dinheiro nem com coisas materiais.
Filosoficamente, era uma personalidade bem diferente: séria, não ria,
conversava pouco, recebia a todos que o procuravam como irmãos e como filhos.
Mas, em compensação era um crítico feroz da sociedade ignorante, aquela grande
maioria que não sabe dar valor às coisas mais importantes, cuja porção de gente
entra facilmente para o consumismo e o desregramento social, distanciando-se das
coisas da inteligência.
Para ele, a poesia, em primeiro
lugar. Era sério demais para viver no nosso mundo tão desonesto, estúpido e que
só pensa em dinheiro e riqueza. É preciso que se leia o seu livro “Dia Rio”,
crônicas, que deixou inédito, tendo logo a Academia Piauiense de Letras, da
qual ocupava uma cadeira, se apressado a publicar na “Coleção Centenário”.
Nos últimos dias, entrou numa
profunda depressão. Fui lá e puxei por ele, perguntando se não estava mais
fazendo poesias. E ele, com muita insistência minha, levantou-se, foi lá dentro
e trouxe um caderno de sonetos como que preparados para publicação.
Mas não era mais aquele que me
mostrava satisfeito e perguntava minha opinião, costume nosso, pois eu fazia o
mesmo com meus poemas em relação a sua opinião. Quase que não conseguiu ler um
ou dois. E pronto.
Por minha mulher, que foi visitar
D. Adélia, a musa inspiradora de Hardi Filho, sua querida esposa, soube agora
que a biblioteca tinha sido desmontada e levada para outro cômodo da casa, pois
já havia indícios de cupim em algumas peças. É uma pena.
E Adélia contou para minha
mulher, D. Mécia, que ele nos últimos tempos não falava, não pedia nada, dizia
que não sentia nada, nada. E ela, insistente, olhava-o com carinho e
perguntava:
- Hardi, diga-ma alguma coisa!
Não suporto seu silêncio. Diga-me o que quer? Diga.
E ele apenas respondeu:
- Tudo o que eu tinha para
dizer-lhe está nos meus livros.
E calou-se.
Eis o homem e o poeta Hardi Filho
nos seus últimos dias, neste mundo.
(Artigo Publicado no
jornal “Meio Norte”, Teresina, de 11-3-2016)
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*Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro
da Academia Piauiense de Letras
Prezado Chico Miguel:
ResponderExcluirA sua crônica é um preito de saudade de um amigo poeta e de um poeta amigo, pouco importam as inversões do sintagma.
Para mim, Hardi era daqueles poetas que aprenderam tudo o que fosse de técnica tradicional ou não da daquilo que já foi chamada a mais pura das artes.
Conheci-o em 1990, por ocasião do sepultamento de meu pai. Em Teresina, através do amigo comum, o poeta Elmar Carvalho, nos reunimos numa lugar do qual não mais lembro qual fosse.
Falamos sobre literatura. V., inclusive, estava presente. Falamos de abordagens de crítica literária. Aproveitei para expor minhas opiniões do que entendia sobre crítica literária. Me lembro de que Hardi, um senhor ainda moço, fez-me um aparte e me disse que, no seu entender, a minha crítica seria não dogmática. Bastou isso para que sentisse uma simpatia grande por ele, pessoa educada, fina, gentil, mas comedida.
A nossa reunião, da qual era eu, na condição de convidado, de certa maneira, o foco principal, pois me foram feitas algumas perguntas sobre os meus projetos literários de então no que tange a autores piauiense autores, foi muito produtiva e agradável.
Acabada, a reunião, nos despedimos e ocorreu de eu tomar o mesmo caminho a pé com o Hardi Fiho até um ponto em que devia tomar condução para o hotel.
O que primeiro me disse era que gostava muito de meu pai e se considerava um amigo dele. Fiquei feliz por saber dessa amizade.
Em outa oportunidade de mais uma viagem a Teresina, onde fui fazer uma conferência sobre Da Costa e Silva, me lembro de que Hardi filho me convidou a ir até sua residência em outro dia a combinar. Infelizmente, não aconteceu esse encontro mais particular com o grande poeta. Hardi Filho, cuja obra publicada, não cheguei a conhecer por inteiro, me deixou uma grande e forte impressão de um poeta singular, profundo conhecedor da arte poética, é preciso não deixar de esquecer esse fato. Além de poeta, era ensaísta e cronista. Do que escrevi sobre ele, muito pouco, infelizmente, pude comprovar o quanto era um homem dedicado ao verso no seu sentido mais responsável e mais autêntico.
Sinto-lhe a falta. Creio que a literatura brasileira de autores piauienses lhe fará ainda mais justiça ao estro.
Cunha e Silva Filho