Comentário sobre o 1º capítulo de Histórias de Évora
Cunha e Silva Filho
Cronista, memorialista e crítico literário
"Histórias de Évora".
Esse é o título de um livro de ficção no gênero romance, conforme o próprio
autor anuncia, nesse espaço de seu conhecido blog, esse novo trabalho de sua
vida de escritor.
Não é sua estreia de ficcionista,
visto que anteriormente, a espaços, já escrevera textos que eu poderia rotular
de ficção. Foram mini-contos, ou mesmo contos mais longos.
O título faz pensar em uma série
de contos, mas creio ser apenas um modo de referir-se à forma contínua de uma
unidade de textos que avancem em direção a uma estrutura de maior fôlego com a
intenção de amoldar-se ao gênero do romance, de resto, já declarado pelo
próprio autor: "Este romance será publicado..." [...]
Seguindo o costume de outros
autores, cada capítulo terá um título alusivo a episódios específicos
desenvolvidos na trama.
"Triângulo encantado" é
um desses episódios. Já nele surgem alguns elementos estruturais da narrativa
que, pelo menos nessa parte, dá um andamento no qual se percebem o interior e o
exterior de uma personagem de nome Marcos, uma adolescente em seus primeiros
anos e em toda a sua força da libido, irrefreável no alvorecer da puberdade.
Neuza é o pivô desse vendaval de
sensualidade sexualidade.
Espaço e tempo são delineados: o
jovem está em sua própria casa. Tem irmãs, tem seus pais. E tem a empregada,
Neuza, o fruto proibido que é preciso desvendar.
Entretanto, ao fixar a vista para
uma porta entreaberta, numa madrugada silenciosa, defronta-se com uma espécie
de visão do paraíso carnal, numa cena eletrizante, enlouquecedora.
À sua frente seus olhos se detêm
na parte mais sensível de seu arroubo juvenil.
O "triângulo encantado"
é um sintagma que marca para sempre a imagem do sexo feminino num momento de
quietude corporal e de êxtase, misturado ao desejo incontido mas refreado pelos
interditos ou códigos de honra familiar e medo de reações tanto decorrente do
objeto cobiçado quanto do medo de transgredir padrões arraigados na conduta
familiar, sobretudo por ocorrer no recesso sagrado do lar.
Aquele objeto proibido provoca o
frêmito da posse quanto ao sentimento abortado de mais uma vez repetir-se
aquela cena em fogo.
Marcos se surpreende com o
despertar de Neuza ao flagrar o adolescente fruindo a antecipação orgástica.
Ele teve a certeza de que não
seria recriminado por ela diante de seus pais. Ficaria entre os dois apenas
aquele instante de êxtase secreto em início de uma cena viva de nudez.
A descrição visual é perfeita nos
seus traços firmes do desenho geométrico expresso pela metáfora do sexo.
É nesse ponto que o jogo da
linguagem se torna um componente primordial da descrição com seu potencial de
sensualidade e volúpia.
Repare-se que nesse capítulo não
há diálogo explicito. Tudo se constrói na base da visualidade voltada para o
centro deflagrador da cena inesquecível e jamais fisicamente apagada da memória
do adolescente posto que misturada com a frustração da vontade não satisfeita.
A linguagem opera no texto, sem
descambar para o grotesco e o pornográfico rasteiro, como se fora uma tomada de
uma cena fílmica, em close focando toda uma região do corpo feminino que a
masculinidade não se cansa de cultuar com a obsessão e a
curiosidade desde tempos imemoriais, seja na pintura, na escultura, seja na
fotografia, seja no cinema ou teatro.
“O triângulo encantado" é o
fetiche supremo da masculinidade ou até mesmo para as cultivadoras do
lesbianismo.
Volto ao título e fico a atinar:
por que Évora? Ao que tudo indica , será um nome de lugar. Agora, me lembro,
não sei por que, de Eça de Queirós, assim com da cidade de Évora, em Portugal.
Há alguma ligação intersemiótica com o espaço físico do romance de Elmar
Carvalho? Só saberei quando ler os próximos capítulos.
Esse início já me aponta para uma
boa narrativa. Esperemos que o seja.
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