A CAMA DE FERRO DA INTOLERÂNCIA
Jacob Fortes
Ensinamento marcante pode ser
extraído da mitologia grega, mais precisamente do lendário Procusto, bandido
que, vivendo, oculto, na serra de Elêusis, à margem da estrada que ligava
Mégara a Atenas, tinha em sua casa uma cama de ferro para a qual convidava os
viajantes a se deitarem. Os hóspedes de altura superior ao comprimento da cama
tinham, enquanto dormiam, as pernas amputadas a machadadas. Os de altura
inferior eram esticados, com cordas e roldanas, até que se igualassem ao
comprimento da cama. O reinado de horror
do tirânico Procusto chegou ao fim quando o herói ateniense Teseu o capturou e
fê-lo deitar em sua própria cama onde teve a cabeça e pés decepados. Teseu aplicou a Procusto o mesmo suplício que
infligia aos seus hóspedes, incautos. A lógica doentia de Procusto era a
padronização, isto é, todos deveriam caber na sua medida, na sua régua. Os que
estivessem fora da medida única seriam enquadrados, subjugados. Embora Teseu
tenha aniquilado o monstro da mitologia grega, seu espírito intolerante até
hoje faz estragos pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Aliás, a medida única
de Procusto, representada por sua cama de ferro, metaforiza cabalmente o
sentido da intolerância de uns em relação a outros. Mesmo sem a crueldade dos
métodos de Procusto, frequentemente queremos enquadrar as pessoas na nossa
régua de comportamento, nos padrões que julgamos ideias, ajustando-as aos
conceitos de como deveriam ser. Vezes sem conta o espírito de Procusto se
interpõe à história da humanidade. Exemplos de singular relevo são o holocausto
e escravidão negra, onde os que se julgavam seres superiores acharam-se no
direito de subjugar os que eram “diferentes”. Na inquisição usou-se até o nome
de Deus para enquadrar os “diferentes”.
As cenas comuns de homofobia e ataques a homossexuais não são outra
coisa senão reminiscências despertadas da cama de ferro de Procusto. “Mas, não é a diversidade uma característica
de homens e mulheres? Então, por que
insistir em obrigar homens e mulheres a viverem segundo os mesmos padrões e
ideais, forçando-os a ajustar suas vidas aos conceitos pré-estabelecidos?”
Acautelemo-nos: o espírito, à
solta, do crudelíssimo bandido mitológico ainda não encontrou a quietude do
melhor sono; ressurge impondo a sua régua mutiladora, ora fisicamente, ora
psicologicamente. Visível ou invisivelmente, a cama de Procusto pervaga por
diversos ambientes inclusive nas escolas. “Alunos “diferentes” têm sido
mutilados em suas características em nome do padrão social”. Muitos são os que
tentam adequar os outros aos seus imperativos, forçando-os a entrarem nas suas
medidas.
Que não sejamos acometidos da
odiosidade que faz apertar o gatilho contra os que são “diferentes” ou pensam
de modo diverso. A diferença entre pessoas é da essência do mosaico de povos.
Que Deus abençoe a todos, sobremaneira os que, por serem “diferentes” são
molestados pelos procustianos, simpatizantes da cama de ferro da intolerância,
dentre os quais conhecidos apóstolos da intransigência: figuras da política,
célebres redatores, etc.
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