HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Capítulo VIII
As montanhas de Minas
Elmar Carvalho
Marcos estava de pé, a contemplar umas
fotografias e umas pinturas, postas em belas molduras afixadas na sala.
Madalena, ao retornar, postou-se a seu lado. O jovem, ao longo de sua vida,
jamais se esqueceu do perfume agradável, que evolava da mulher e lhe ficou como
que impregnado nas narinas para sempre. Com voz suave, quase em murmúrio, ela
lhe perguntou:
– Você gosta de fotografia? E de
pintura?...
O rapaz se voltou para ela, e a fitou
nos olhos. Na verdade, enquanto olhava os quadros, esquematizara um breve
comentário, para tentar impressioná-la.
– As fotografias foram tiradas por
mim, nas vezes em que visitei Congonhas, e as pinturas são mais ou menos da
mesma época, quando ainda morávamos em Belo Horizonte.
As fotografias, em preto e branco,
mostravam os profetas e a Última Ceia, obras de Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho. As pinturas a óleo retratavam os casarões de Congonhas e uma
bucólica ermida, vendo-se ao longe as montanhas de Minas. Em lugar à parte
ficava uma pintura moderna.
Marcos já tivera oportunidade de ler
uma biografia do Aleijadinho, na qual foram expendidos comentários sobre
algumas de suas obras, inclusive sobre as que se encontravam expostas nas
fotografias da sala. Também lera alguns livros sobre pintores famosos, de
diferentes escolas, com ênfase no modernismo. Quando seu pai, meses atrás,
comprara uma câmera fotográfica teve o cuidado de ler o manual, em que eram
ministradas breves lições sobre essa arte.
Portanto, ao comentar as fotografias,
elogiou a composição da imagem, o perfeito enquadramento das esculturas. Em
algumas, a foto fora tirada de baixo para cima, ficando a obra de Aleijadinho
recortada contra o céu, de forma centralizada. Em outras, ficava a estátua num
dos lados, para que se pudesse ver ao longe o casario e as serras. Via-se que
ela tivera o cuidado de procurar diferentes ângulos, alguns inusitados.
O rapaz, pela direção da
luminosidade, percebeu que foram batidas em diferentes horários; teceu
comentários elogiosos sobre o aproveitamento do jogo de luz e sombra, que bem
servira para ressaltar certos detalhes da imagem, seja a expressão do rosto e
eventuais rugas, seja a composição das vestes com suas dobras. Disse que se notavam
certos “exageros” do barroco, alguma desproporção entre o tronco e as pernas,
mas que nada disso empanava a genialidade do mestre brasileiro; de quebra,
ainda evidenciou alguns aspectos marcantes de sua biografia.
Quanto às pinturas foi mais
sintético. Enalteceu nas figurativas a perfeição da proporcionalidade, o
domínio da técnica da perspectiva e o uso clássico e realístico das cores,
embora tenha dito perceber nas pinceladas lições do impressionismo. Falou com
entusiasmo de sua pintura moderna, sublinhando que houvera um perfeito
casamento entre o cubismo e a pintura abstrata, e que isso lhe dava um cunho de
originalidade.
Ela demonstrou muita admiração por
seus conhecimentos e por sua capacidade de observação e de crítica, mormente
levando-se em conta a sua idade. Marcos foi modesto, e lhe esclareceu que isso
só fora possível graças aos livros de arte plástica que lera, quase todos por
empréstimo da biblioteca pública.
Acrescentou que seu pai, uma ou duas
vezes por mês, costumava comprar a revista O Cruzeiro; que gostava de olhar com
atenção as suas fotografias e reportagens fotográficas, sobretudo as de
autoria do grande fotógrafo piauiense José Medeiros. Disse que havia lido, já
não se lembrava em que revista, um pequeno ensaio sobre fotografia.
Madalena era formada em arte
plástica, e fora professora de desenho e pintura durante pouco tempo, já que
tivera de acompanhar o marido em suas remoções funcionais. Era culta, uma vez
que era leitora voraz, embora fosse discreta em sua conversação, porquanto
detestava empáfia e exibicionismo. Tirou algumas dúvidas do rapaz, corrigiu-lhe
pequeno equívoco, e chamou-lhe a atenção para a expressão facial dos apóstolos
e de Cristo, e para a muda eloquência dos gestos e postura.
Convidou Marcos a voltarem à mesa,
para que ele cumprisse a sua missão. Ficaram frente a frente. No decurso da conversa,
mesmo com o seu natural retraimento, o jovem lhe pôde admirar o belo rosto,
emoldurado pela não menos bela cabeleira, e lhe viu o generoso (mas não
exagerado) decote, que lhe permitiram imaginar os seios como sendo perfeitos e
altaneiros.
Associou-os aos morros das pinturas, executadas
pela dona que os ostentava. Vieram-lhe à lembrança os versos de Alberto de
Oliveira. E ele viu, através do que apenas lhe era entremostrado, “montanha por
montanha, / Longe as montanhas de Minas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário