quinta-feira, 2 de junho de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo VIII


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

            Capítulo VIII

As montanhas de Minas

Elmar Carvalho

Marcos estava de pé, a contemplar umas fotografias e umas pinturas, postas em belas molduras afixadas na sala. Madalena, ao retornar, postou-se a seu lado. O jovem, ao longo de sua vida, jamais se esqueceu do perfume agradável, que evolava da mulher e lhe ficou como que impregnado nas narinas para sempre. Com voz suave, quase em murmúrio, ela lhe perguntou:
– Você gosta de fotografia? E de pintura?...

O rapaz se voltou para ela, e a fitou nos olhos. Na verdade, enquanto olhava os quadros, esquematizara um breve comentário, para tentar impressioná-la.
– As fotografias foram tiradas por mim, nas vezes em que visitei Congonhas, e as pinturas são mais ou menos da mesma época, quando ainda morávamos em Belo Horizonte.

As fotografias, em preto e branco, mostravam os profetas e a Última Ceia, obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. As pinturas a óleo retratavam os casarões de Congonhas e uma bucólica ermida, vendo-se ao longe as montanhas de Minas. Em lugar à parte ficava uma pintura moderna.

Marcos já tivera oportunidade de ler uma biografia do Aleijadinho, na qual foram expendidos comentários sobre algumas de suas obras, inclusive sobre as que se encontravam expostas nas fotografias da sala. Também lera alguns livros sobre pintores famosos, de diferentes escolas, com ênfase no modernismo. Quando seu pai, meses atrás, comprara uma câmera fotográfica teve o cuidado de ler o manual, em que eram ministradas breves lições sobre essa arte.

Portanto, ao comentar as fotografias, elogiou a composição da imagem, o perfeito enquadramento das esculturas. Em algumas, a foto fora tirada de baixo para cima, ficando a obra de Aleijadinho recortada contra o céu, de forma centralizada. Em outras, ficava a estátua num dos lados, para que se pudesse ver ao longe o casario e as serras. Via-se que ela tivera o cuidado de procurar diferentes ângulos, alguns inusitados.

O rapaz, pela direção da luminosidade, percebeu que foram batidas em diferentes horários; teceu comentários elogiosos sobre o aproveitamento do jogo de luz e sombra, que bem servira para ressaltar certos detalhes da imagem, seja a expressão do rosto e eventuais rugas, seja a composição das vestes com suas dobras. Disse que se notavam certos “exageros” do barroco, alguma desproporção entre o tronco e as pernas, mas que nada disso empanava a genialidade do mestre brasileiro; de quebra, ainda evidenciou alguns aspectos marcantes de sua biografia.

Quanto às pinturas foi mais sintético. Enalteceu nas figurativas a perfeição da proporcionalidade, o domínio da técnica da perspectiva e o uso clássico e realístico das cores, embora tenha dito perceber nas pinceladas lições do impressionismo. Falou com entusiasmo de sua pintura moderna, sublinhando que houvera um perfeito casamento entre o cubismo e a pintura abstrata, e que isso lhe dava um cunho de originalidade.

Ela demonstrou muita admiração por seus conhecimentos e por sua capacidade de observação e de crítica, mormente levando-se em conta a sua idade. Marcos foi modesto, e lhe esclareceu que isso só fora possível graças aos livros de arte plástica que lera, quase todos por empréstimo da biblioteca pública.

Acrescentou que seu pai, uma ou duas vezes por mês, costumava comprar a revista O Cruzeiro; que gostava de olhar com atenção as suas fotografias e reportagens fotográficas, sobretudo as de autoria do grande fotógrafo piauiense José Medeiros. Disse que havia lido, já não se lembrava em que revista, um pequeno ensaio sobre fotografia.    

Madalena era formada em arte plástica, e fora professora de desenho e pintura durante pouco tempo, já que tivera de acompanhar o marido em suas remoções funcionais. Era culta, uma vez que era leitora voraz, embora fosse discreta em sua conversação, porquanto detestava empáfia e exibicionismo. Tirou algumas dúvidas do rapaz, corrigiu-lhe pequeno equívoco, e chamou-lhe a atenção para a expressão facial dos apóstolos e de Cristo, e para a muda eloquência dos gestos e postura.

Convidou Marcos a voltarem à mesa, para que ele cumprisse a sua missão. Ficaram frente a frente. No decurso da conversa, mesmo com o seu natural retraimento, o jovem lhe pôde admirar o belo rosto, emoldurado pela não menos bela cabeleira, e lhe viu o generoso (mas não exagerado) decote, que lhe permitiram imaginar os seios como sendo perfeitos e altaneiros.


Associou-os aos morros das pinturas, executadas pela dona que os ostentava. Vieram-lhe à lembrança os versos de Alberto de Oliveira. E ele viu, através do que apenas lhe era entremostrado, “montanha por montanha, / Longe as montanhas de Minas”.   

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