quinta-feira, 14 de julho de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XIV


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XIV

Desfecho inesperado

Elmar Carvalho

Marcos notou que Madalena parecia um tanto perturbada e triste. Contudo, ela o amou como nunca, quase com desespero e sofreguidão. Abraçava-o com força, quase como se estivesse se agarrando a uma tábua de salvação. Apegou-se a ele por tempo indefinido. Após a ânsia inicial, permaneceu colada nele, agora quase inerte, afagando-o com leveza e beijando-o com suavidade. Era como se desejasse que esse momento nunca tivesse fim. Após longo tempo, em que ambos se mantiveram em absoluto silêncio, disse que precisava lhe explanar um assunto muito sério, na sala da biblioteca.

Marcos temeu pelo que lhe seria dito. Sem dúvida algo de suma gravidade lhe seria revelado por Madalena, sempre discreta e sóbria, mesmo em seus ímpetos sensuais. Já há quase dois meses vinha tendo esses encontros amorosos, uma vez por semana. Tinha a premonição de que esses conciliábulos mais dia menos iriam acabar, por um motivo ou por outro. Desejava apenas não terminasse de maneira trágica ou pelo menos dramática.

No início do relacionamento, ficava um tanto nervoso, mormente com a possibilidade de serem flagrados pelo marido ou pela empregada, mas ela, demonstrando grande tranquilidade, afirmou que seu marido nunca chegava antes das 12 horas e a empregada só limpava o quarto e a biblioteca na parte da tarde. Ante a firmeza de Madalena, ele não mais tocou no assunto, e passou a agir com mais serenidade. Nunca mais demonstrou receio.

Quando deixaram a alcova e passaram à biblioteca, a amante pediu-lhe sentasse numa das poltronas, sentando-se em outra. Fitando-o com os olhos amorosos e tristes disse:
– Não sei direito como começar, mas tenho que lhe dizer e direi... Esta foi a última vez que nos amamos. Talvez nunca mais nos vejamos. Voltaremos para Minas Gerais, depois de amanhã. As passagens já foram compradas.

Em seguida, lhe contou tudo o que se passava entre ela e o marido.

O médico já quase não tinha interesse por sexo, mas a amava em demasia, disso não tinha dúvida. Também era incapacitado para gerar filhos. Por essa razão, a incentivara, nos últimos tempos, a encontrar um amante ainda novo, solteiro e discreto, que não os expusesse a falatório.  Pediu-lhe apenas não se apaixonasse, muito menos o amasse. Nada de apego e sentimento de posse entre ela e o felizardo jovem.  

Infelizmente, essa exigência não pudera cumprir; ninguém tem domínio sobre o coração. Também o marido lhe recomendou o avisasse, quando surgisse esse amante. Ele deveria ter uma boa formação moral e de preferência pertencer a uma família bem constituída, porquanto desejava que ela engravidasse. Criariam a criança como filho biológico, sem necessidade de adoção, que pudesse suscitar escândalo ou comentários maliciosos.

Portanto, ela, desde o início, pusera o marido a par do que acontecia entre ambos, não tendo ele demonstrado o menor aborrecimento. Ao contrário, pareceu contente em que ela o tivesse seduzido. Revelou que nunca se empenhara em cumprir a recomendação do esposo, porquanto o amava e respeitava, embora desejasse ter um filho, que mais consolidasse o casamento. Ademais, nunca tomara a iniciativa em conseguir namorado, mesmo quando adolescente.

O marido já havia completado o interstício temporal exigido para obter remoção para outra cidade ou até para outro estado. Um pouco antes de ela e Marcos iniciarem o relacionamento, um amigo do marido, colega de formatura, assumira a direção geral do SESP. Quando ela informou ao cônjuge que sua menstruação falhara, ele imediatamente pediu para que ela fizesse o exame de gravidez na capital. O teste comprovou a suspeita. Estava grávida.

Diante desse fato e antes que alguma pessoa pudesse notá-lo, seu marido telefonou para o amigo, pedindo-lhe a remoção para Belo Horizonte. O diretor, para dar maior celeridade ao deferimento e também para que o médico tivesse ajuda de custo, o removeu ex officio e para ocupar cargo de confiança na capital mineira, o que ainda lhe daria a vantagem da gratificação funcional.

Os móveis e os livros seguiriam em caminhão já contratado. E eles tomariam um avião na capital, na próxima sexta-feira. Estavam numa quarta, não de cinza, mas de muita tristeza. Até o tempo cinzento, nublado, chuvoso, friorento conspirava para o aumento da melancolia que se lhes infiltrava na alma. Marcos sentiu uma tontura, como se lhe faltasse terra sob os pés, ou como se estivesse em vertiginoso redemoinho. Sentiu contida ânsia de vômito. Nunca antes sentira tanta tristeza e tanta amargura. Como na música de Maysa, seu mundo caíra. Fora golpeado pelo destino ou pela vida, não sabia ao certo. Talvez não houvesse destino. Ou havia? Ou todos seriam inocentes, como no romance de O. G.

Quando conseguiu se levantar, sem pronunciar uma só palavra, Madalena também se levantou. Os dois, como se estivessem desesperados, cheios de ânsia e amargura, se abraçaram como jamais haviam feito, e se beijaram com frenesi. Quando se afastaram um pouco, para se fitarem ainda uma vez, um viu que o outro também chorava.


A mulher soluçava suavemente, em surdina, de forma contida, afinal tivera tempo para se preparar para esse final. Marcos estava transtornado ante esse final brusco e de todo inesperado. Era um the end algo melodramático, em que as luzes não seriam acesas. Tampouco haveria replay.

2 comentários:

  1. Grande poeta!
    Fui surpreendido com esse desfecho bem urdido. Essa história está ficando boa demais da conta, como diria... um mineiro!

    ResponderExcluir
  2. Essa do mineiro, caro JP, terminou afagando o ego do poeta travestido de romancista.
    Valeu!

    ResponderExcluir