MANIA DE LIVRO: UM TEMA POR MIM
REPISADO
Cunha e Silva Filho
A primeira vez de que me lembro ter ido a
uma livraria foi no início do curso ginasial. No primário não me recordo de ter ido a livrarias em Teresina.
Julgo que era mamãe que me
comprava o material escolar, o
quase livrinho da cartilha
do ABC reimpressa tantas vezes
e por várias gerações. Daquela
primeira vez que fui à livrairia, cujo
proprietário se chamava professor Oscar, já estudante ginasiano, conforme
disse, acompanhado estava de meu pai. O que me marcou no fundo da memória foi a
compra do primeiro livro de inglês, o
King's English, de Harold Howard Binns. Relatei
essa visita histórica no meu livro As ideias no tempo (2010).
Mas, leitores, sabe de uma coisa? Desde aquela época
me tornei um entusiasta
de carteirinha dos livros de matérias
a que mais dava atenção: línguas, leituras,
literatura, gramática, dicionários.
Hoje mesmo,
à tardinha, Elza me chamou para
ir até ao Shopping da Tijuca. Confesso que
não queria sair hoje. Preferia
permanecer em casa, lendo o jornal do
dia anterior, segundo é meu costume. Não consigo ler o mesmo jornal num só dia. Meu filho mais novo não me deu sinal de que estava disposto
a comprar o jornal de domingo, já que
queria assistir ao jogo da Eurocopa entre Portugal e França. Daí, não
tive outra alternativa senão sai.
Como o shopping fica relativamente perto da
minha rua, lá fomos, Elza e eu, ao lugar combinado. O tempo não estava nem quente nem frio. O sol não mais se fazia
presente lá fora. Caminhamos com passos
em ritmo normal.
Olhamos no caminho os
restaurantes já com poucos clientes dentro. Os que examinamos são especializados em galeto, com batata frita e farofa -
apreciado prato dos cariocas.
Entramos no Shopping. Como
sempre, gente saindo, gente
entrando, inclusive nós. Gente de todas
as idades, caminhantes que talvez nunca mais veremos
na vida. São os rostos dos
anônimos, logo esquecidos.
O mundo é grande. A vida, breve, enunciado um tanto surrado, contudo
válido sempre. Da infância à adolescência um pulo; outro pulo, da adolescência
à mocidade e assim em todas as fases,
até a última, a velhice. Nesta estamos
Elza e eu já inseridos, olhado
mais para o passado, para os tantos
pedaços felizes o
tristes, mas, assim mesmo, não
deixando de olhar para trás. Elza
costuma me dizer que as pessoas estão
sempre voltando às lembranças, boas ou
ruins, do passado.Ela tem razão. É só observar o quotidiano
das pessoas, os museus, as lojas
de antiguidades, as fotos antigas,
os filmes passados, os autores
do passado, a arquitetura dos prédios
de antanho.Como olhar o futuro se
ainda não existe? Ficamos, então,
oscilando entre o presente e o passado. Essa é regra geral. Projetamos o futuro? Sim, mas ele apenas é uma possibilidade, um sonho,
uma utopia, um algo por vir prenhe de incertezas e de ciladas.
A vida humana é, na velhice principalmente,
um contínuo e intermitente
flashback. Já deram conta disso, leitores da minha geração? Foi quiçá
por esses motivos que sempre quis ler o
livro, de resto, ainda
excelente, em muitas dimensões de
leitura, para o nosso tempo, que é
Idade, sexo e tempo, de Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Atahyde, 1893-1983).
Tanto para mim é bom que voou lê-lo mais outra vez.
Comprei o jornal. Elza, sempre atenta às vitrines, . Gosta de ver as novidades de bijuterias, assim como de jóias, colares, anéis,
pendentes, brincos. Esqueci
de mencionar que Elza adora também ver artigos de cama e mesa, toalhas, lençóis, cobertores, colchas,
travesseiros, fronhas. Tudo
muito caro.É a crise. Tudo agora é culpa
da crise, quando a culpa cabe aos responsáveis pela crise cujos nomes os
leitores já sabem quais sejam se
estiverem habituados a ler os meus
textos neste Blog que assino desde 2009.
Paramos um pouco dentro do shopping. Fomos sentar num banco vazio defronte de uma salão de beleza. O movimento
no salão estava regular. Ficamos
sentados, apreciando o ir e vir
de pessoas no corredor ladeados de lojas
bonitas e muito limpas. Dei uma olhada geral na primeira página do jornal com
várias chamadas a colunas e a reportagens.
Em seguida, abri na coluna de Ferreira Gullar. Lia a
crônica “O banal maravilhoso,” que fala de
animais ressaltando-lhes as qualidades e usando como contraponto o ser
humano como o único a animal a que
nasce com a potencialidade intelectual de admirar
pintura, música poesia, de
fabricar máquinas. Entretanto, os bichos
lhe são sempre caros, não há dúvida e por isso deixa implícito o seu
enorme afeto por eles, sobretudo pelos que demonstram maior interação com
seus donos.
No final da crônica, um pouco abaixo,
uma nota na qual poeta de Poema
sujo refere a um represália recente do
poeta, ensaísta e tradutor Augusto de Campos. Gullar declara que não vai mais responder a
nenhum insulto do Augusto, irmão do grande tradutor Haroldo de Campos (1929-2003). Não
quer mais bate-boca com quem ele chama de “Augusto, o Furioso.”
A briga dele com o
intelectual paulista se prende a
questões de um disse-não disse relacionadas
a Oswald de Andrade (1890-1954),
ou mesmo à época em que Gullar, a princípio poeta concretista (1956),
depois, se afasta dessa vanguarda do grupo paulista e lança o movimento poético
Neoconcretismo (1957), juntamente
com Reynaldo Jardim (1926-2011).
Todavia, desta vez, o embate é de
natureza política, uma vez que
Gullar descasca o petismo enquanto que o outro é a favor
do Lula e da Dilma. Reitera
Gullar na nota que não leu nem vai ler a catilinária do Augusto. Gullar,
quando quer, é mordacíssimo apenas
usando poucas palavras. Pelo visto, entre petistas e não petistas não há espaço para o jogo dialético visto
que a ideologia petista só
funciona na base do extremismo,
da cegueira e da idolatria alimentada
pela cegueira do fanatismo.
Último passo do passeio ao shopping: entrei na livraria e comprei dois livros: uma
obra de Erich Auebach (1892-1957) e um volume de uma língua estrangeira que há anos
cultivo com maior intensidade.Voltamos
para casa. Já era noite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário