CAMPO MAIOR - 254 ANOS (8/8/1762 - 8/8/2016)
José Miranda Filho
Compositor, jornalista e escritor
Seu princípio vem da Fazenda
Bitorocara, do conquistador Bernardo de Carvalho Aguiar, instalada ainda nos
idos do Brasil colonial.
"Tem Sol mais
brilhante" (*). Mais abrasador. A luz intensa amorena a tez. Provoca
ebulição no sangue e escalda o coração. Atiça o ânimo. Conquanto, às vezes,
possa dar sinais de esmorecimento, pachorra, vontade de deitar-se
preguiçosamente. É o calor forte. Clima caloroso. Almas fraternas no
relacionamento entre os conterrâneos e que acolhem os que chegam -
"hospitaleira" (*). A abóbada celeste, escancarada, permite ver o
predomínio do anil, com a despedida das chuvas para outras paragens, longínquas.
Então, mostram sua força os ventos gerais. As pipas (papagaios) sobrevoam os
telhados amarelecidos, colorindo a imensurável meia-lua cósmica.
"Tem campos, tem gado"
(*). O plaino ainda verde, apinhado de bois, vacas, carneiros, bodes e outros,
que, tranquilamente, saboreiam o capim-mimoso. Exibindo variadas cores e
maviosos cantos, propiciam maior encanto à paisagem canários, chicos-pretos,
corrupiões, juritis, cabeças-de-bode, garças, marrecas, sabiás, anuns,
nambus... O sopro dos ares produzem o assobio das palmeiras. Verdadeiras
florestas de carnaúba e tucum, alternando com as campinas e os capões, nos
quais prepondera a unha-de-gato, cujos espinhos arranham os gibões, as
perneiras, o couro dos animais, nas labutas dos vaqueiros com o gado. Com
certeza, "parece um jardim" (*). Natural, que não careceu de cuidados
humanos, mas bastaram-lhe as mãos generosas do próprio Artífice Supremo.
"Foi aqui que Deus fez o prodígio mais brilhante" (Moisés Eulálio).
Aqui, contemplam-se as
constelações com nitidez, ante a frouxidão das luzes artificiais, fazendo-se o
lugar sobremaneira propicio, porquanto desprovido da intensidade que
caracteriza a iluminação nas cidades grandes. O céu noturno coruscando -
numerosos e minúsculos pontos - sobre olhares descansados. Uma vez ou outra,
estrelas cadentes tracejam dali para acolá, aflorando, assim, a admiração
singela nos rostinhos das crianças. Comporta aludir também à visão do semblante
do amado ou da amada junto à Lua. Cadeiras convencionais nas calçadas,
tamboretes nos terreiros, cidade e zona rural, num só tempo, os olhos alongados
na mesma direção do infinito. "Tem céu (mais) estrelado" (*), pois
não!?
São alguns veios d'água. Antes,
os três maiores - para dizer que também fluem córregos, riachos - deslizam
serenamente, serpeando na imensidão da planura, por entre flora vária. Lá
adiante, ao norte, tocam-se, interligam-se: largo abraço. Daí para a frente,
apenas um - Longá -, transportando as águas dos dois outros, segue o curso para
o encontro com o maior deles - Parnaíba.
Cortando a cidade, o Surubim,
farto habitat do peixe que, sugestivamente, dá-lhe o nome. "Surubim, onde
os pe(s)cadores pe(s)cam peixes e sereias de coxas grossas e sem escamas na
água de suas margens, na maciez de suas moitas mornas" (Elmar Carvalho).
Saltos "mortais" da garotada corajosa do alto da ponte, nos anos de
bons e alegres invernos. Nestes, correntezas impetuosas invadem quintas de
caju, transpõem o paredão de barragem, que já engoliu nadadores afoitos. Mais
ali, água rasa, nivelando-se com as beiras adornadas de maiôs e biquinis
discretos, em manhãs ora ensolaradas, ora cheias de nuvens cinzentas.
Ladeando - entrincheirando - a
urbe, o Longá, irrompendo carnaubais e mufumbais, encharcando as
"Pintadas" dos criolis, guabirabas, muricis e maçãs de rio, das
divertidas colheitas pela meninada, por gente das redondezas, enfrentando
sucuris. "Preso à teia do enlevo, suponho dentro d'alma ouvir o langoroso
e doce murmurar das águas do Longá" (Mário da Costa Araújo).
"A treze de março, lá no
Jenipapo, comprou com seu sangue nossa independência" (*). É o mais
distante dos rios, légua e meia a leste do centro urbano. O de maior
notoriedade, o mais enaltecido. Transbordante nos copiosos invernos, reduzia-se
a um filete espelhado, imóvel, no meio do álveo - apenas um regato -, em 1823.
Milhares de homens valentes puderam fazer sua travessia sem dificuldade. Sobre
o barro endurecido do leito, sobre o mato rasteiro, ressequido pela estiagem,
das suas margens, "sangue piauiense correu em ondas" (Abdias Neves) -
pavorosa hecatombe na qual tombaram feridos ou mortos centenas de conterrâneos.
Sangue vertido pela liberdade, num combate sem igual. "Ali, ao lado do
norte, ouviu-se um brado de morte, foram bravos que caíram! foram homens
destemidos que lá tombaram feridos às balas de Fidié" (Moisés Eulálio).
Por isso, "Sinto orgulho de ser um seu filho" (*). Gleba de heróis -
do passado, do presente e de sempre -, ressaltando o vaqueiro e o lavrador, que
fizeram surgir este Estado.
"Cartão de visita do meu
Piauí" (*). Velhos casarões de antigas histórias, na cidade e no campo. O
bucolismo inspirado nas fazendas de gado, "onde outrora havia banhos de
leite" (H. Dobal). O Açude Granonde, o "lago" (conforme a
expressão do arrebatado cronista Octacílio Eulálio) urbano, o que é incomum em
terras brasileiras. Recanto do multicolorido - indescritível! - pôr do sol.
Reflexos da graciosa natureza sobre a água serena do Açude, ao mesmo tempo
cenário e testemunha de contemplativos espíritos e de enamoradas confissões e
jutas de amor.
No horizonte, a sudeste, onde as
pinceladas do Criador foram mais vivas, ergue-se a Serra Azul de Santo Antônio
- a "urna" (Octacílio Eulálio) que encerra infinidades de mistérios
até hoje insondáveis. "Dizem que nela vagam fantasmas de uns padres que em
suas entranhas enterraram ouro" (Elmar Carvalho).
"Hospitaleira, majestosa,
altaneira" (*). "Ei-lo de flores cercado... Não sei onde outro mais
belo... Mimosa flor do sertão... Tudo tem graça e beleza" (Moisés
Eulálio). Berço de gente simples, como também de vultos que o engrandeceram (no
passado) e engrandecem-no (no presente) e, peculiarmente, simpática,
acolhedora, solidária, crente em Deus e - em sua maioria - devota do Antônio,
padroeiro do festivo mês de junho, que reúne todos na catedral e na praça das
barracas, para o afável e sincero gesto de fraternidade, como única família.
Dileta terra, consoante se extrai da declaração: "Ah, como gosto de ti, se
é verdade que existe vida após a morte, então quero de novo nascer aqui"
(Prof. Assis Lima). Majestosa e altaneira na gloriosa história de seu povo,
que, neste agosto, celebra o 254º aniversário de fundação da Vila - uma das
sete primeiras do Piauí -, exaltando sua irrefutável tradição.
Salve 8 de Agosto! Brademos viva
Campo Maior com o "orgulho dos filhos seus!" (*).
(*) Versos do Hino Municipal
(Profª Valmira Napoleão).
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